Pesquisar neste blogue

quinta-feira, dezembro 31, 2020

Movimento (III) - os poemas do dia da lua

6 poemas de Movimento reflectem a luz proveniente de outra fonte, buscando a lua como símbolo das correntes de influência que recebem a sua força de outras instâncias, que é como dizer de outros astros. O poeta recolhe a inspiração poética do quotidiano e aqui ficam seis ideias de nossa quotidianidade cívica cuja luminosidade ou força é dependente de circunstâncias mais fortes: a idade, a doença, o café, as chaves de casa, o guarda-chuva, a segunda-feira.

O surpreendente da poesia de João Luís Barreto Guimarães é a transformação de uma ideia vulgar em unidade poética, em lugar do simbólico, em sentido transcendente. A construção poética é uma surpresa de argumentação, não só na linearidade discursiva, mas também no cruzamento dessa linearidade por intervenções parentéticas, complementares, irónicas, intrusivas, que aumentam os planos da leitura.

Imagine-se o leitor uma pessoa madura, com aquela idade que é invejada pelos amigos e ainda não respeitada pelos inimigos, veja-se a sair de casa para o trabalho, que é como quem diz para o mundo que está sempre de volta, e dê consigo a ouvir uma voz interior que lhe recorda simplesmente que «Na idade surpreendente estamos a meio de nada / como moedas que sobram de viagens ao estrangeiro» (A idade surpreendente). A desarrumação do mundo pode ser a causa desta falta de luz própria que o sujeito pensa ter para se desafiar a dar sentido às coisas. A lua gravita em volta da terra, a lua recebe a luz do sol. Parece sempre não ter fim a arrogância do homem que se condidera no melhor da idade, mas as moedas que pagam a vida não têm todas a mesma cotação.

Noutra situação, o médico sabe que pode ser ele a luz do paciente, que é suposto alguém ter a solução para o mal do outro. Mas quem é quem no espaço e no tempo da doença e da saúde, ainda mais se entrarmos no foro das doenças mentais? O poema não vai questionar o cidadão que vê tudo de fora das grades do espaço hospitalar. O poeta vai colocar em dúvida aquela pessoa cujo saber era suposto resolver o problema do paciente. Quem é o doente no espaço psiquiátrico? O que está no território delimitado pelas grades ou o que passa no exterior? (A Grade) Diga lá o leitor se não acha este poema uma surpresa!

A cadeira (Café Exílio). Este poema é uma viagem pelas nossas memórias de frequência de cafés, na cidade intensa. Quantas vezes é preciso arranjar uma cadeira, ir buscá-la a outra mesa, apanhá-la a quem se estava a apressar para a ter. Coloque agora o leitor toda a personificação na cadeira e admire o seu uso e a sua situação de cansaço resultante do mesmo. Que luz ou sentido faz transcender esta função utilitária do objecto para a racionalidade de absorção do contínuo passar de noites e dias?

(Perguntas) «Hoje quando torno à casa espanto-me quem era aquele que buscava simetria». Para mim, este poema recebe a luz da tradição, isto é, do acumulado documental arquivado para organizar o que quer que seja. Quem colecciona as coisas fa-lo seguindo critérios. O avô que alinha os netos por alturas, na noite de Natal, segue esse critério pelo fascínio do crescimento, naturalmente. Quem organiza as chaves da casa poderá fazê-lo pela forma das mesmas, pelo tamanho, pelo peso, sei lá. O espanto do poema é o sujeito coleccionador ou organização do arquivo espantar-se com aquele que organizou, em tempos, as chaves da casa pelo critério da simetria. Donde lhe vem a luz de tal espanto?

«O sol castiga pela ausência» (Natureza-morta com guarda-chuva ferido). O poema é construído a partir da representação do guarda-chuva como objecto velho e destruído pelo vento, num dia em que as nuvens se juntaram e ameaçam chuva torrencial, como as gaivotas se juntam para anunciar a saída dos barcos para a pesca. A culpa é do sol que castiga pela ausência.

«Então não / tens outro arbítrio do que arrepiar as mangas / (encher o punho de tinta) e / disparar a matar» (Segunda-feira outra vez). A escrita tomada à letra como revólver, motivada pela desconsideração do trabalho pessoal, pior, pela apropriação dos méritos da pessoa, acto praticado a miúde nas relações de trabalho, truque por debaixo da mesa para ultrapassar a progressão por mérito. 

Alguém me chamou a atenção para o facto de eu interpretar os poemas como se estivesse a falar para os meus alunos do ensino básico. Não nego.

quarta-feira, dezembro 16, 2020

Leitura de MOVIMENTO, um livro de poesia II

 O poema é, em primeira análise, uma mancha gráfica, um formato regular, um hábito de apresentação da escrita: alinhamento à esquerda e extensão à direita variável, consoante o ritmo requerido pelo discurso; nessa mancha sobressaem de imediato parênteses que contêm sintagmas discursivos que interrompem a linearidade discursiva da voz principal, obrigando o leitor a atar os fios de sua leitura (ler a segunda voz, dialogante com a primeira). O poeta João Luís Barreto Guimarães já se explicou em entrevista passada como produz e por que produz assim; o que me ficou é que a mancha gráfica obtida em cada poema era para ele uma matriz de sentido visual, como o plano do arquitecto que dá a casa por concluída, ainda que no papel; o poema fica realizado quando o sentido expresso ou criado se integra numa forma que também satisfaz o olhar. A mancha gráfica é o corpo com que o poeta faz viver para a leitura o seu poema. Posto isto (das relações entre forma e formato e conteúdo e sentido e discurso e ritmo frásico e vocalização, falaremos depois).

O segundo movimento cósmico do livro é o dia do sol, o princípio estruturante, criador... (faz bem o leitor em procurar o livro dos símbolos nas culturas). O poeta começa o dia do sol pelos mistérios ou deveres ou ofícios de dar e tirar a vida, revisitando a tradição da matança do animal de corte, pelo avô da família, o guardião dos gestos precisos e orientados. Depois mergulha no movimento da ironia e da pilhéria social com uma diatribe sobre o religioso acumulado pelos oficiantes da palavra, os clérigos, também ele devedores de seu ofício ao sol. É vicentino e pícaro o poema  sobre o mercado de Natal, é um libelo sobre os desafios do capitalismo que alastra no bem-estar das cidades europeias, tomando Viena como centro de ajuntamentos, lembrando a lua a herança árabe. A poética chega também aos vermes que nos roem, como o do envelhecimento, mas exibem-se primeiro como ofertas publicitárias, só depois como solidão inscrita nas casas e nas famílias. Mostar continua como exemplo de integração das diferenças ou da sua tolerância e Deus continua como razão ou hipótese para a complexidade do universo, reinventada que pode ser em buracos negros.

A vantagem de um leitor é poder sentir, citando de viés o Pessoa.


quarta-feira, dezembro 09, 2020

Leituras de MOVIMENTO, um livro de poesia

 

Para ler este livro de João Luís Barreto Guimarães o melhor é o leitor manter a ligação à internet ou então munir-se de um livro que esclareça o valor simbólico dos astros. Hoje o google presta-se a auxiliar a leitura. Trata-se de uma poesia que tem, neste livro, o cosmos como assunto de ilustração, fonte de referências, tradição cultural, em suma. Esta cosmologia poética é abordada em estilo de conversa, através do recurso ao pensamento parentético, um auxiliar valioso para tudo o que o poeta ou a voz principal quer esclarecer, completar, diluir, problematizar, enfim...O discurso poético parte do nosso quotidiano e assume-o como necessidade verbal de integração nas bíblias dos povos, sim, nesses livros paradigmáticos que estão também na cabeceira de muitos hotéis.

Pois bem, a leitura dá sempre ansiedade de confronto ou de espalhamento de brasas, por isso aqui vão alguns atrevimentos de síntese pessoal.

Em «Dia de Saturno», primeiro movimento no espaço poético sideral, o poeta segue o movimento dos vestígios civilizacionais, dos acontecimentos já considerados ultrapassados, mas visitáveis, revisita as ruínas e as pedras classificadas, os versos ou estrofes em falta, ou em excesso, nas obras, as produções de imitação de cânones, as figurações sugeridas nas proibições de figurar, os ossos das múmias, os objectos de uso na antiguidade... O que pensa o poeta ou o que o faz pensar?: o sentido que está inscrito neles e o sentido que é retirado deles e das circunstâncias em que nos estão acessíveis. O que foi considerado vital perdeu uma vida e ganhou outra, a de sugerir hipóteses de triunfo noutros campos. O movimento que em Saturno interessa é o de saber como nos podemos repetir, ou como queremos morrer, ou como vamos libertar-nos de uns pesos para conseguirmos outras levezas de andar por aqui a visitar museus e obras em ruínas ou em degradações acumuladas. Saturno, lugar de morte ou lugar de vida? É tempo de ir ler a simbologia do astro...


sábado, novembro 28, 2020

Postal de Natal 2020 + 2 poemas de apreensão fácil

(Eu e minha esposa, Albertina Fernandes, desejamos a todos um Santo Natal e um Ano Novo recuperado da pandemia)


TEM CONTIGO O NATAL

Tem contigo o Natal e não desistas

De o pôr à mostra em tudo quanto vejas;

Em casas, ruas, praças, nas igrejas,

Hás-de integrá-lo em horas imprevistas.

 

Deixa-o entrar em lares e hospitais,

Dá-lhe o direito à livre exposição;

Que tenha cobertura em televisão,

E arme a feira em redes sociais.

 

E tu verás: ninguém é renitente

À ideia de um recurso salvador,

Da ciência e da fé, um Bem premente

 

Que cumpra a inocência da esperança,

Como faz o Natal, em dom de amor,

Deixando o Bem nas mãos de uma criança.

 

José Machado / Braga / 2020


 

ESTAMOS EM ESPERA

Um vírus provocou-nos sem contar

Caiu a pandemia sobre nós

Mandaram-nos parar e afastar

Encheram-se hospitais, ficámos sós


Máscaras, protocolos de higiene,

Confinamentos, fecho de empresas.

Limites de viagem, medo extreme,

 

Uma deriva imposta de incertezas.

 

Um vírus provocou-nos a razão,

Como vamos sair disto, afinal?

Só com vacina, ou, se calhar, não…

 

Estamos em espera. E o Natal?

 

Espero, caminhando em direcção

À Noite em que as palavras se revelam.

Comigo outros vão e se interpelam

Em tempo de ansiedade e provação.

 

José Machado / Braga / 2020

 

PARA SEMPRE, AMÉM

 

Concebeu-se o Natal

Para acabar com o mal

Encontrou-se Belém

Para ganhar o bem

 

Há quem diga que o mal

Quando chega é por bem

E há quem diga que o bem

Quando acaba é por mal

Quem primeiro assim diz

Vê no mal um juiz

Quem segundo assim fala

Vê no bem uma bala

Assim sendo o COVID

De julgar não se inibe

E a contínua saúde

A si mesma de ilude

Mas um dia virá

Que o mal findará

E nessa altura o bem

Ganha pra sempre, amém.

 

José Machado / Braga / 2020

Vida docente II

 Chamadas de Santa Cruz – programa de 28 de Novembro de 2020

Comecei a ensinar antes de ser professor, se considerarmos ensinar dar explicações ou colaborar em actividades docentes de preparação de alunos para obtenção de um diploma. Dei explicações e preparei alunos para exame, colaborei com um centro de formação de alunos adultos, ali, precisamente, na Faculdade de Filosofia; não foram muitos, mas os casos que tratei foram suficientemente exigentes para mim e senti-me entusiasmado com as experiências. 

O 25 de Abril, o dia seguinte ao da revolução, apanhou-me na função docente de dar aulas nesse curso de adultos. Os carros dos alunos, de alguns que os tinham, estacionaram nesse horário de aulas, depois das sete da tarde, até às 23 horas, nos passeios, em frente ao edificado onde decorriam as aulas; noutras alturas a dificuldade de estacionar levava-os para longe. Os comentários iniciais da aula foram sobre essa liberdade alcançada e assim manifestada, esse desafio a posteriori de ousar cometer uma infracção. Uma das reacções que mais se fez notar, entre o tempo docente anterior ao 25 de Abril e o tempo que se lhe seguiu, foi essa mesma de ousar falar, de libertar a palavra, de abusar dela para tagarelar e mais não dizer que falar de tudo e de nada, com a mínima seriedade possível de aprofundar assuntos. 

O clima de uma aula, antes da revolução, era de silêncio e de respeito total ao professor e aos colegas; a palavra tomava-se com pedido de licença e tinha-se o cuidado de não falar para nada. A palavra nas aulas era meio de trabalho e de aprendizagem. A revolução de Abril alterou esse paradigma e fê-lo de forma progressivamente definitiva. Nos cursos do primeiro ciclo e do segundo, este modo de estar em silêncio nas aulas foi de evolução mais lenta: no meu ano de estágio pedagógico, no ano lectivo de 1976/77 ainda fui encontrar no primeiro período turmas de alunos muito disciplinadas e silenciosas. Mas uma curiosidade neste tomar da palavra e neste desregular da disciplina pessoal ou grupal esteve, curiosamente, em terem sido mais os professores a contribuir para ele do que os próprios alunos a terem a iniciativa. 

Efectivamente, quando fui colocado, em cinco de Janeiro de 1975 na Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão, já era missão docente manter a dinâmica da palavra na turma, suscitar a palavra aos alunos, motivá-los para uma atitude de conversação continuada; claro, subentendiam-se as regras da civilidade, do pedido da palavra, da intervenção organizada, mas aceitava-se que não fosse sempre assim e desejava-se uma espontaneidade de estar, na relação docente versus discente. A atmosfera política da revolução de Abril gerava essa disposição, requeria-a: todos os dias eram dias novos e dias de questionação da ordem, requeriam-se explicações de tudo e mais alguma coisa. 

Os alunos começaram a descumprir e os professores a desculpar. Foi o meu tempo de camaradagem com os alunos, numa irreverência tanto minha quanto deles, procurando salvaguardar a relação de autoridade no que dizia respeito ao cumprimento dos programas e à avaliação, mas aceitando muitas formas pessoais de o fazer, com aulas a serem dadas ao ar livre ou em cafés da cidade, com aulas em exposições e visitas de estudo local, com aulas a começarem e a interromperem-se fora dos toques oficiais, com testes a serem substituídos por trabalhos de grupo, com testes a serem feitos por consulta de fontes, com a oralidade a compensar a escrita pessoal. Ao longo da minha carreira docente as referências a este estado de coisas, a esta exibição frequente de comportamentos pouco disciplinados, foi considerada a marca libertária da revolução de Abril, segundo uns irrecuperável e de efeitos negativos, segundo outros, moldável e carente de melhoria ao longo da escolaridade.

quinta-feira, novembro 19, 2020

Vou contar a minha vida de professor

 Chamadas de Santa Cruz – Programa de 15 de Novembro de 2020

(A Rádio Francisco Sanches, uma iniciativa do Agrupamento de Escolas Francisco Sanches, em Braga, passou a ser quinzenal; corre na Antena Minho, ao sábado, das 11:00 ao meio-dia. Colaborador desde o início, continuarei a participar com esta rubrica) 

Aceito de bom grado continuar presente na Rádio Francisco Sanches, enquanto a direcção do programa assim o entender, dando continuidade à forma e ao estilo de crónica, agora quinzenal, e mantendo a identidade de Chamadas de Santa Cruz. Para quem começar a ouvir-me a partir deste programa, faço notar que ando nesta rádio desde a fundação da mesma, primeiro comecei com a crónica Cascas e Aparas e depois com as Chamadas de Santa Cruz, que vou manter. O objectivo desta crónica é manter uma reflexão escolar e educativa a partir das minhas vivências e do meu investimento na formação docente, como a vivi ao longo de 44 anos, até me aposentar desde Janeiro deste ano. O facto de me encontrar aposentado diminuiu a carga das preocupações disciplinares, mas redobrou a das reflexões e a das memórias escolares. 

Comecei no ensino em Janeiro de 1975, tinha 22 anos. A revolução e Abril fora em 1974, eu era então um aluno da Faculdade de Filosofia de Braga, escola da Universidade católica, tinha já o grau de bacharel, o que permitia concorrer para o ensino, estava no quarto ano de um curso de cinco anos e já pensava na tese a apresentar em final de licenciatura. Fui colocado em Vila Nova de Famalicão na Escola Industrial e Comercial, hoje com outro nome, dando aulas de português a alunos mais velhos do que eu, de um modo geral, pois, no ensino nocturno de alguns cursos estavam matriculados estudantes trabalhadores, muitos deles já casados e com família constituída. Comecei a carreira docente como professor provisório, sem fazer a ideia do que era um professor efectivo ou do quadro, coisa que pedi que me explicassem numa assembleia-geral, processo então corrente de gerir e estar na escola. 

O ambiente que então se vivia nas escolas era de contestação permanente, de revolução em acção, de discussão crítica, de experimentação, de debate continuado sobre tudo e mais alguma coisa. Eu, na altura, era militante de um célebre partido político, situado e identificado na extrema-esquerda por todos os outros partidos. A mudança de regime político em Portugal, passando-se de uma ditadura para uma democracia, estava em construção e tudo se estava a aprender a fazer. Discutir, reivindicar, exigir, contestar as ideias feitas e já experimentadas em tempo de ditadura, cortar com tradições de ser e de estar. Reinventar o homem novo, tal era o espírito de missão que se vivia nas escolas. Toda a atmosfera das aprendizagens sociais e culturais se fazia em bolhas políticas, sempre em colisão no espaço escolar: conservadores eram desafiados pelos revolucionários, reformadores eram contestados pelos conservadores e pelos revolucionários, revolucionários eram contestados por todos. Os consensos obtinham-se muitas vezes em cansaço de discussão e o bom senso que acabava por imperar era sempre de transição. Nas salas de aulas, tudo era invadido pela política, o marxismo ou o que dele se pensava que fosse, estava na ordem do dia como metodologia de estudo e de abordagem do que quer que fosse. Em Janeiro de 1975 os meus alunos ficaram a saber que tinham um professor identificado na extremidade do espectro político, mas ficaram também a saber que tinham um professor disponível para dialogar, ouvir, debater, aceitar as divergências e ensinar do modo mais objectivo e sustentado possível. 

Hoje, à distância, só posso reforçar a conclusão que na altura tomei: nunca se está preparado para ser professor, ser professor requer a formação continuada, a busca de técnicas e de saberes que auxiliem a progressão diária, que ajudem a consolidar um método de estudo e de aprendizagem. Eu vou-vos falar das minhas aprendizagens ao longo de uma carreira que dediquei com todo o entusiasmo aos alunos. 

quinta-feira, outubro 01, 2020

Faz hoje 7 anos que faleceu a minha mãe

 



O saldo continua a acumular-se

Inteiro em nossa conta de saudade,

Ó mãe, em cuja ausência a eternidade

Quis ter um coração para mostrar-se



sexta-feira, setembro 18, 2020

Para um começo do ano escolar com esperança na escola



 (ilustro com esta fotografia de um castanheiro que plantei para sugerir todos os trabalhos necessários ao cuidador da terra e da árvore)

 
Aqui deixo três criações poéticas para motivar os meus colegas professores, os alunos, os pais, os auxiliares educativos e os assistentes e técnicos administrativos. Fui-me habituando a criar para me entusiasmar e entusiasmei-me depois com a necessidade de criar para que outros pudessem motivar-se com estas sugestões poéticas. Na escola, os receptores determinam a criação, mas nunca tive certezas sobre qual o poema que era melhor recebido pelo ciclo a que o destinava. Toda a gente e todas as idades são receptivos à poesia na medida de suas ansiedades... 

I – Notícia do vírus…

Por força de misturas intensivas,

Nas rotas do comércio circulante,

Temos agora um vírus infestante

De nossas contingências esquecidas.


Chegou por influência de factores

- Estranhos, casuais ou combinados? –

Em ritmos de contágio acelerados,

Desregulando a vida e seus valores.

 

Que se há-de então fazer? Ser cuidadosos,

Enquanto se descobre uma vacina.

Em todas as escolas se ensina

Que os vírus são seres muito perigosos.

 

II - Viver a escola em tempo de pandemia

 

Há-de ter solução a pandemia

E há-de a escola encontrá-la, por dever

De ofício e de missão, pois aprender

É a sua melhor fonte de ousadia.

 

A escola acumulou e concilia

Diversos modos de se conceber

Dispondo seus recursos, dando ser

À nossa singular sabedoria,

 

O insólito, o acaso, a anomalia,

Obrigam a escola a escolher:

Importa é aumentar conhecimentos!

 

A escola geradora de empatia

Induz caminhos de melhor viver

E guarda no futuro os bons momentos.

 

III – É tempo de…

 

É tempo de experimentar

Os riscos no chão

Os toques no ar

 

É tempo de partilhar

A disposição

Do espaço escolar

 

É tempo disto

É tempo daquilo

O tempo do vírus

É intranquilo

É intranquilo

Mas há-de parar

O tempo do vírus

Acaba a estudar

 

É tempo de apreender

As combinações

De cada saber

 

É tempo de esclarecer

As imposições

Que têm de ser


É tempo disto

É tempo daquilo

O tempo do vírus

É intranquilo

É intranquilo

Mas há-de parar

O tempo do vírus

Acaba a estudar

 

É tempo de contrapor

A capacidade

De fazer melhor

 

É tempo de sobrepor

A animosidade

Com provas de amor

 

É tempo disto

É tempo daquilo

O tempo do vírus

É intranquilo

É intranquilo

Mas há-de parar

O tempo do vírus

Acaba a estudar

 

José Machado / Braga /2020

segunda-feira, setembro 07, 2020

Acumular valores para nossa reinvenção cultural

Termino hoje o artigo que escrevi para celebrar os 80 anos do Grupo Folclórico das Lavradeiras de Santa Marta de Portuzelo

III (última parte)

Em ano de celebração dos oitenta anos do GFLSMP, no seguimento dos estudos que fiz sobre a história do mesmo, torna-se pertinente uma reflexão mais extensa sobre o alcance deste tipo de instituições que são os grupos folclóricos e que resultaram precisamente daqueles dois movimentos, o do progresso e o da salvaguarda de tradições, que marcaram a confirmação da modernidade a partir da segunda metade do século XIX, embora muitos deles só se tenham concretizado na segunda metade do século XX.

·         As novidades do movimento fundador.

                Em 09-01-1940, no âmbito das acções que a Sociedade de Instrução e Recreio Santamartense desenvolvia, com aquele propósito cultural de levar cada cidadão seu «a deixar de ser bicho-do-mato», exibiu-se o Rancho Regional de Santa Marta, com 40 elementos em palco, após a representação de duas comédias, «Um casamento político» e «Um namoro engraçado»; o rancho interpretou canções a 2 e 3 vozes, dançou o vira e executou a marcha de Santa Marta, com letra do Dr. Sousa Gomes, sobressaindo a voz da cantadeira Maria das Dores Araújo. A festa terminou com a intervenção do Jazz Oriental Vianense. O Dr. Sousa Gomes tinha então 32 anos de idade, mas chegara a Santa Marta no ano anterior para exercer como médico na Casa do Povo; formara-se na universidade de Coimbra, cujo orfeão universitário integrara, embora fosse natural do Porto, da freguesia de Paranhos, onde nasceu em 1908. A 05-04-1940, no mesmo salão de festas da Sociedade de Instrução e Recreio Santamartense, foi feita a apresentação oficial do Rancho das Lavradeiras de Santa Marta de Portuzelo, após a representação de duas peças, uma opereta e uma comédia, «As botas do papá» e «Irene», ambas da autoria de Sousa Gomes, o qual justificou o espectáculo como propaganda da terra e da região e enriquecimento do folclore nacional. Estavam presentes representantes dos grupos de Carreço e da Meadela. Ficou assente a promessa de o grupo estar presente na celebração dos Centenários a 2 de Junho próximo. Em 28 de Junho de 1940 o grupo está presente em Guimarães na festa dos centenários, data que vai acabar por constar no informe oficial de fundação do grupo. Em 16 de Agosto de 1940, na celebração do centenário da Independência de Portugal, Eduardo Sousa Gomes diz que o grupo foi fundado em Março de 1940.[1]

                Este conjunto de dados permite constatar que a fundação do grupo se inscreve numa prática cultural e recreativa que tem já um lastro de tradição na terra e na região, permite constatar que a génese do grupo decorre de uma intensidade de trabalho artístico marcada pela criatividade, pela variedade e pela mistura de elementos culturais, os da tradição e os da contemporaneidade, permite constatar a pretensão de um carácter de representação regional para a identidade do Rancho, que depois passará a Grupo, e permite constatar como a conquista de autonomia de fundação se inscreve em primeiro lugar no interior da freguesia, embora sentindo o apelo a uma génese no interior dos objectivos do Estado Novo. [2]

                O enraizamento do rancho ou grupo no género de espectáculo de revista, género que dava liberdade de composição e de tratamento estético dos temas ao autor e director, ainda para mais sendo este capacitado em termos literários e musicais, funcionou plenamente com a iniciativa da Festa das Colheitas a partir de 1943 e com a revista «À moda de Viana»,[3] em 1944, revista documentário folclórico e etnográfico em 1 prólogo, 2 actos e sete quadros; esta revista, ou melhor o conjunto de quadros do viver rural, foi levada a Lisboa, Évora, Beja e Faro, atingindo os maiores aplausos e o reconhecimento, no dizer de José Rosa Araújo, de que se tratava plenamente de uma propaganda animada que visava satisfazer a curiosidade sobre o regional. Desta criatividade, possuindo então um grupo coral, uma orquestra típica e um grupo de teatro, ficou essa cantiga cantada de norte a sul, o «Todos me querem», (cuja autoria atribuo ao dr. Sousa Gomes, mas para a qual ainda não encontrei as provas cabais),[4] cantiga que o comandante do navio que transportou o grupo à Finlândia em 1952, aos Jogos Olímpicos de Helsínquia, mandou policopiar e distribuir por todos os tripulantes e passageiros do mesmo.

        A pretensão de representação regional, em termos de repertório, consistiu não só na consideração dos recursos poéticos, coreográficos e musicais, provenientes dos lugares da freguesia, mas também nos conhecimentos e influências de elementos componentes do grupo, num tempo em que o que se sabia cantar, tocar e dançar não se subordinava a critérios de lugar, antes se inseria num mercado de valores simbólicos que estava ao alcance de todos; de igual modo, esta representação regional tirava partido de quadros e rituais festivos, como a festa das rosas, por exemplo; finalmente, esta vontade de representação regional, encarando bem influências de repertório de outras freguesias, garantia as contrapartidas do reconhecimento e da notoriedade a toda a região, começando por favorecer principalmente as festas de Viana do Castelo, com as quais o dr. Sousa Gomes se comprometeu muito cedo.[5]

        Recuperemos então, em síntese, toda a riqueza do estilo de revistas e de colaborações musicais e de inserção na freguesia e na região, para justificarmos a ideia de arreigar a génese do grupo na dinâmica local da freguesia e não nos apelos de uma política cultural do Estado Novo. Vejamos, há grupos que funcionam quase na perfeição desde o início, quer pela composição diversificada dos seus elementos, quer pela qualidade da tocata e das vozes e do corpo coreográfico, perfeição esta que serve às mil maravilhas a demonstração das potencialidades locais e regionais que a política cultural do Estado Novo acaba por mobilizar. [6]

        A política levada a cabo por António Ferro, e materializada pelos vários departamentos do SNI/SPN,  tinha, à altura, meios de persuasão e de visibilidade que não deixaram escapar a qualidade estética dos grupos folclóricos. Isto não quer dizer, de modo algum, que estes tenham estado ao serviço do Estado Novo, como a cada passo alguns estudos procuram evidenciar. Quem seguir de perto as justificações, os discursos em cerimónias e os agradecimentos públicos, depressa se dá conta de que é a causa do local que se expressa orgulhosamente de acrescentar valor à causa do nacional. Já Abel Viana evidenciara documentadamente, juntando, por exemplo, provas de que as festas de Viana na primeira vintena do século XX já tinham a presença de pequenos ranchos das freguesias na festa do traje, mostrando, também, que havia uma variedade extensa de instrumentos musicais nas tocatas populares, destacando os de introdução recente e os estranhos ao uso tradicional, explicando, até, que o espírito nacionalista e o espírito bairrista andavam juntos desde a instauração da República e que a partir dos anos 20 as festas com esse carácter misto se generalizaram. Não poderemos pôr de parte as emergentes condições que tornaram possível viajar, sair do espaço matricial da aldeia ou freguesia, conhecer outras terras, ir ao estrangeiro; esta ânsia de viagem tornou-se estratégia de relação social, de conhecimento de desenvolvimento pessoal e social. Os problemas concretos que foi necessário resolver para concretizar saídas e viagens testemunham por si os contextos de vida e de relação: obter a autorização dos pais, ir acompanhado de familiar, obter o passaporte, enfrentar as admoestações do senhor abade sobre usos e costumes, «depurar» modos de estar e de ser em situações de convívio, adquirir métodos e sinais de representação de uma identidade, ajustar mentalidades e quadros mentais, relacionar, comparar povos e práticas artísticas.[7]

·         O Estado Novo e a cultura popular - os ideais da reprodução, recriação e estetização.

        Em muitos estudos de carácter etnográfico, antropológico, feitos no âmbito das ciências sociais e humanas, dá-se o Estado Novo como fundador de muitos grupos folclóricos, noutros estudos apenas como incentivador e motivador, noutros ainda apenas como «legitimador» das iniciativas dos cidadãos ou das instituições que já vinham de tempos mais recuados, mas em quase todos os estudos se afirma que o Estado Novo «depurou» este género de prática cultural, do mesmo modo que o fez para museus, galerias, jornais, livros, cursos universitários, currículos escolares, etc. etc. Esta política de depuração das práticas culturais, de modo a elas ficarem mais consentâneas com a afirmação das orientações promovidas pelo SNI/SPN, no que diz respeito aos grupos folclóricos, consistiu em quê? Até que ponto se pode falar de instrumentalização ou de manipulação?

        Quando um grupo folclórico, como foi o caso do Grupo de SMP, se desloca ao estrangeiro, a representatividade nacional sobrepõe-se  à local, mas aquela é vista em função da história do país ou da política do governo? Em termos locais, a resposta a estas questões é a de que a representatividade é em primeiro lugar local e depois regional e depois nacional; no caso do estrangeiro, a representatividade nacional é filtrada em primeiro lugar pela cultura histórica do país. Sirva de exemplo, o cartaz ou prospecto que anunciava em Londres a presença do GFSMP como exemplo da cultura fenícia do Sul da Europa.

        O tratamento da agenda folclórica no nosso país foi, sob o ponto de vista da quantidade de estudos e da qualidade dos mesmos, largamente promovido pelo Estado Novo e em compaginação com os estudos de outros países, com apreço positivo por tendências de apreciação ideologicamente separadas, veja-se o caso das recolhas realizadas durante o Estado Novo pelos mais diversos folcloristas. O mesmo se poderá dizer nas áreas científicas e nas áreas artísticas. A linhas de actuação política de controle do poder e da opinião pública e da conformação dos ideais de educação foram acompanhadas por vigilância policial, decorrentes da natureza do regime e em coerência com os ideais de um modelo civilizacional, com as divergências a serem vigiadas e reguladas por medidas repressivas, mas esta visão do regime do Estado Novo e da sua natureza não pode esconder ou abafar as vantagens culturais de quem não divergiu ou não o quis pôr em causa. Além do mais, as populações e os grupos folclóricos, muitos anos depois do Estado Novo, continuaram a pautar-se por ideais e por práticas culturais de continuidade e de compaginação com as de outros povos.

        Entre 1939 e 1947, ou seja, entre o concurso da aldeia mais portuguesa de Portugal e o Concurso dos Ranchos Folclóricos do Norte, as tensões entre uma concepção do folclore mergulhada nas vivências da modernidade, servindo de exemplo e de motivação para novas correntes estéticas e novos desenvolvimentos, no campo da música, da dança e das artes, e uma concepção virada para a identidade etnográfica pura e dura, imitativa das condições naturais da génese das práticas culturais musicais, coreográficas e organológicas, desde o cantar ao tocar, desde o dançar ao festejar, desde o vestir ao calçar, desde o ourar ao decorar, desde os instrumentos da tradição aos meios e modos de produção dos bens essenciais, desde as condições objectivas do mundo rural, entre 1939 e 1947, dizíamos, estas tensões vão verificar-se num conjunto de «depurações», aqui tomado como exemplo, as quais ocorreram sempre envoltas em polémicas, em directivas escritas e formais, em conselhos irrecusáveis, em influências de nomes, de comportamentos, de atitudes, de valores. Tenhamos presente que o Secretariado Nacional de Informação e Cultura Popular foi criado por Lei, o Decreto-Lei nº 33.545 de 23 de Fevereiro de 1944. Eis alguns exemplos: a) depurar o folclore autêntico do folclore revisteiro, área de misturas difíceis de discernir, mas onde cabia toda a crítica aos espectáculos tipo revista, às composições de autor; b) substituição da identidade «rancho» pela identidade «grupo», ou distinção entre o conjunto de trabalhadores rurais e o conjunto de gente congregada para uma actividade artística específica; c) depuração das práticas decorrentes de usos e costumes rurais das práticas decorrentes de usos e costumes urbanos ou de influência urbana; d) fixação rigorosa de trajares em contraste com a mistura ou recriação dos mesmos por imitação grosseira ou mesmo por invenção; e) oposição do conceito de autenticidade ao de contaminação ou influência, através de inquéritos para apuramento dos valores da «autenticidade»; f) influência na composição dos júris das provas e dos concursos de modo a obter critérios mais homogéneos ou mais heterogéneos conforme os equilíbrios necessários em cada contexto; g) introdução de regras precisas sobre higiene, cortes de cabelo ou de penteado, unhas e pinturas de rosto, merendas e convívios, atitudes e comportamentos no estrangeiro e nas deslocações fora da terra, proibição de marchas musicais, crítica à exibição de estandartes ou insígnias simbólicas, condenação do uso da pandeireta e de outros instrumentos musicais considerados não tradicionais; h) delimitação dos territórios de recolha ou de aproveitamento de repertórios...

        A naturalidade de aceitação e a resistência de aceitação das «depurações» andaram a par, perduraram no tempo e no espaço, continuaram sempre a perseguir-se, umas vezes em oposição frontal e declarada (recordemos algumas conhecidas afirmações do Conde d’Aurora: «o folclore coveiro do folclore», a «proibição necessária de os grupos não andarem de avião, nem de comboio, nem de automóvel», a preferência «por trajar todo opovo da aldeia em lugar do grupo que o quer representar»). Hoje, estas polémiocas continuam e há sempre quem se atreve a fazer dos «erros», das «contaminações», das «influências», etc, caminho de afirmação. Este mergulho profundo na procura de ideais etnográficos de pureza ou de autenticidade ou de raiz ou de primitivismo, continua a fazer o seu caminho, está institucionalizado, tem mecanismos de controle e de vigilância, não obstante haver sempre grupos que parecem contrariar, resisitir, recrear, inventar, mudar. Todos os grupos querem fazer o seu melhor e procuram sustentar as suas práticas em argumentos de seriedade e de dedicação.

·         As pessoas e as relações do compromisso cultural.

        O dr. Sousa Gomes atingiu o momento de crise em 1969, decorrente de muitos factores, assunto que merecerá estudo. Em 1972 toda a dinâmica foi retomada devido ao empenho do novo director Abílio Costa, homem ligado à construção civil e à gestão autárquica, com enraizamento familiar no grupo. Até então e ao longo de 29 anos, Sousa Gomes foi o líder consagrado de uma estética folclórica na qual vieram beber todos os principais estudiosos da cultura popular, atingindo padrões de qualidade que foram imitados e copiados na íntegra em outras partes do mundo sempre que se tratasse de sustentar valores de identidade nacional, portuguesa, lusa. Neste movimento de fundação e de sustentação do grupo foram absolutamente determinantes as famílias que o assumiram como causa de prática e de discurso cultural. Famílias como os Sales, os Lorsa, os Lopes, os Sordo, os Araújo,os Cancela, os Oliveira, os Parente, os Antunes, entre outras. E os indivíduos que a título pessoal, oriundos da terra ou das proximidades, deram o melhor do seu contributo artístico ao grupo deveriam ser aqui lembrados.[8]

        A curiosidade de Francis Graça, o coreógrafo da Companhia Portuguesa de Bailado Verde-Gaio, ter presenciado ensaios em Santa Marta e ter feito o convite a um ou mais elementos do grupo para integrarem a companhia, o facto de Pedro Homem de Mello ter referenciado a estética e a poética do repertório do grupo em livros, em poemas e em comentários televisivos, após a visita e a familiaridade com o grupo, a surpresa de a Academia de Coimbra ter vindo actuar a Santa Marta, o pormenor de Amália Rodrigues, com casaco de peles e chinelas, ter estado presente em Santa Marta, são dados significativos de um memorial que orgulhou os componentes do grupo, a freguesia e a cidade de Viana. [9]

        Uns dirão que a liderança de Sousa Gomes responde a todas as dúvidas e confirma as qualidades conseguidas: os seus méritos estarão na escolha dos elementos do grupo, tocadores, dançadores e cantores, na sua preferência por juventude,  no corpo de baile, na sua atenção às vozes singulares e à coralidade, no rigor de trajares, conseguido com a dedicação total de sua esposa D. Júlia, no cumprimento rigoroso de contratos intensivos, na iniciativa de eventos paralelos à simples exibição de danças, nas suas divergências permanentes com o pároco em defesa de um modelo de convívio e integração geracional que levantava problemas de toda a ordem, na sua dedicação pessoal exaustiva à causa da saúde e à causa do folclore, uma ajudando a outra, aquela evitando a esta recusas de colaboração e esta dando àquela apoios incondicionais e graciosos, na sua boa comunicação com o público e com as autoridades e com os parceiros, na sua capacidade discursiva de compreensão de si mesmo e do seu grupo nos momentos de esclarecimento do espectáculo, presença em cerimoniais, representação externa em momentos formais, na sua concepção do folclore como movimento mais estético que imitativo, mais recreativo que reprodutivo, mais rigoroso que mecânico, mais ilustrativo que estereotipado, mais alegre e efusivo que monótono e limitado. [10]

        Oitenta anos passados, metade em regime de Ditadura, metade em regime de Democracia, o GFSMP continua a sua dinâmica de agente ou sujeito de animação cultural, com uma direcção apostada em manter critérios de intervenção e de afirmação consolidados na sua história e no desenvolvimento de estudos, pesquisas e actualizações de imagem. Quem andar atento às publicações em rede facilmente se dá conta de um movimento «revisionista» de algumas das modalidades de vivência folclórica, movimento este, a meu ver, essencialmente decorrente de factores como o aumento esponencial de recursos de imagem e de som, fotografias, gravações audio, filmes, e do aumento dos estudos históricos e ideológicos de interpretação e compreensão do nosso desenvolvimento. 

        Um dia, em conversa com Helena Quesado, referi-lhe a recomendação de «não deitar nada fora» no acumulado cultural do GFSMP, acrescentando os valores considerados relevantes para novas abordagens e para actualização de propósitos. Curiosamente, este movimento de revisão de algumas posições, sobretudo nas matérias do trajar e da concepção de espectáculos públicos, está a coincidir, no tempo e nos espaços festivos, com emergências notáveis de movimentos culturais, entre os quais refiro:

        a) a emergência das práticas folclóricas de dançar e ocupar o tempo recreativo das populações, nas cidades e nas festas ou romarias;

        b) a emergência de novos focos de estudo e de investigação, como é o caso do projecto A Música Portuguesa a Gostar Dela Prórpia, de Tiago Pereira;

        c) a emergência e concretização de candidaturas de práticas musicais e poéticas a património mundial ou a património da Unesco ;

        d) as iniciativas televisivas ou mediáticas, segundo um modelo de concursos ou de votações ou de escolhas, de promoção de valores patrimoniais diversificados (paisagísticos, coreográficos, gastronómicos);

        e) a edição e reedição de obras, tipo antologias, dicionários, biografias, de assuntos, autores, grupos, agentes artísticos ligados à cultura, erudita ou popular, cruzando e misturando perspectivas de abordagem.

        Entretanto, os anos acumulam-se, as biografias alimentam-se de histórias, a ideia de fundar um grupo folclórico mantém-se como programa de acção e de desenvolvimento e a palavra «folclore» fixou-se como uma das metáforas cognitivas mais em uso nos discursos. Longa vida ao grupo Folclórico das Lavradeiras de Santa Marta de Portuzelo.[11]

Bibliografia

Jornal A Aurora do Lima. (Números referidos)

Mensário das Casas do Povo. (Números referidos)

Barros, Ana Catarina Braga (2018). Autoria, tradição e inovação no folclore do Baixo Minho: um estudo de caso da Rusga de São Vicente de Braga, Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais Área de Especialização em Etnomusicologia, PDF, in https://run.unl.pt/bitstream/10362/70203/1/Tese_Ana%20Barros_Nr52122.pdf

Castelo-Branco, Salwa El-Shawan e Branco, Jorge Freitas (dir.) (2003). Vozes do Povo, A folclorização em Portugal. Etnográfica Press. Lisboa.

Machado, José (1991). Os Grupos Folclóricos: da iniciativa familiar à responsabilidade institucional, Água Mole Revista de Cultura Popular. nº 4, Braga, pp 36-51.

Pereira, Benjamim Enes (1965). Bibliografia Analítica de Etnografia Portuguesa. Instituto de Alta Cultura. Lisboa.

[1]  Para documentar as afirmações salientadas a negrito, remeto o leitor para a consulta de: 

- A Aurora do Lima, de 9 de Janeiro de 1940: «Pelas nossas aldeias – Um espectáculo em que o Rancho Regional da linda e populosa freguesia de Santa Marta faz a sua apresentação». Da autoria de Manuel A. Rodrigues, o relato deste espectáculo de apresentação do grupo constitui um texto exemplar da compreensão que então se fazia destas iniciativas: o autor começa por noticiar o acontecimento, ocorrido no sábado às 20:30 no «amplo salão de festas desta importante e próspera colectividade», mas antes de o relatar com mais pormenores reflecte sobre o alcance educativo e civilizacional destas associações locais de instrução e recreio que desenvolviam várias actividades: leitura de jornais e revistas, projecção de filmes, conversas, palestras, contacto com avisos e regulamentos, ensaio de grupos cénicos e regionais, preparação de grupos desportivos: «é nestas sociedades recreativas que o aldeão vai desenvolvendo a sua mentalidade, se vai habituando a emitir opiniões, a achar bom e decente o que na realidade o deve ser, e, sobretudo, porque se educa na fala e no gesto, tornando-se mais homem, mais sociável – ao passo que deixa de ser bicho do mato…» Esta dicotomia entre bicho do mato e homem sociável é recorrente na análise antropológica, próxima de outras dicotomias como natureza e cultura, primitivo e civilizado; num contexto de democracia tem um valor, num contexto de ditadura terá outro, é dependente de factores como a liderança, a autoridade, o exemplo, os desafios sociais e políticos, os salários, as condições de vida, mas remete sempre para a dicotomia da dependência versus autonomia, da servidão versus emancipação. 

- Sobre a apresentação oficial do Rancho das Lavradeiras de Santa Marta, ver A Aurora do Lima, edição de 5 de Abril de 1940.

- A Aurora do Lima de 16 de Agosto de 1940 «Rancho das Lavradeiras de Santa Marta comemorou com brilhantismo o oitavo centenário da Fundação da Nacionalidade».

- A Aurora do Lima de 24 de Setembro de 1943: Começam amanhã em Santa Marta as Festas das Colheitas».

- Ibidem, edição de 1 de Outubro de 1943: «As Festas das Colheitas»

- Ibidem, edição de 18 de Julho de 1944, sobre a revista «À Moda de Viana»

- Para um balanço das Casas do Povo entre 1933 e 1966, ver Mensário das Casas do Povo, Ano XX, nº 239 de Maio de 1966, o qual contém um Índice, por ordem alfabética de autores, dos artigos publicados até então.

 [2] Sobre as coincidências ou interferências entre os propósitos da animação cultural promovidos pelas associações e o seu respectivo enquadramento nos propósitos do Estado Novo, de matriz corporativa, autoritária e controladora, com mecanismos específicos de vigilância e formação ideológica da população, a leitura do Mensário das Casas do Povo torna-se imprescindível:

- Sobre o alcance das ideias que se debatiam então a propósito de preservação, do transformismo, da actualização, dos conteúdos culturais, Abel Viana, no nº 105 do Mensário das Casas do Povo, de Março de 1955, «Alguns cantos e   danças populares», mostra plena consciência da inevitabilidade do alastramento dos «dancings, dos retiros, das boîtes», do «cinema neo-realista, da bola… considera o seu alastramento inevitável, pelo que defende a necessidade de continuar a preservar a dança tradicional, cuja exclusividade não advoga nem defende, mas cuja beleza realça e a favor da qual milita. Inclusive nos «dancings», defende, os proprietários deveriam incluir no repertório músicas e danças populares da região.

 - Vide Mensário das Casas do Povo nº 110, Agosto de 1955, p. 18 onde se regista que «o grupo folclórico de Santa Marta, por determinação ministerial passou a fazer parte da Casa do Povo de Santa Marta de Portuzelo».

- A Junta Central das Casas do Povo foi instituída pelo Decreto-Lei nº 34.373 de 10 de Janeiro de 1945; tinha como órgão de difusão o «Mensário das Casas do Povo», cujo primeiro número saiu no mês de Julho de 1946. As Casas do Povo foram criadas por Decreto-Lei nº 23.051 de 23 de Setembro de 1933, nº 217, Iª série.

- Sobre a negação de um pedido de subsídio ao Fundo Comum das Casas do Povo (criado em 18 de Julho de 1938) formulado por uma casa do Povo para instrumentos musicais destinados ao seu «jazz-Band»: «Não se afigura que através dos barulhos exóticos, extraídos de instrumentos também exóticos, se possa aperfeiçoar a mentalidade do povo nas nossas aldeias». Ver Mensário das Casas do Povo, nº 7, Janeiro de 1947.

[3] Os sete quadros da revista: Numa eira da aldeia, Cruzeiro de Santa Marta, Festa das Colheitas, Festa das Rosas, No coração da cidade, Fogos de Viana, Monte de Santa Luzia.

[4] Testemunho de Graça Sousa Gomes, neta: « Em relação à letra do “todos me querem”, não tenho qualquer informação sobre o autor da letra.»

[5] Sobre a organização de festas como oportunidade de relevância do local, recordemos a festa da mimosa, um caso singular de boas ideias com base em pretextos considerados «politicamente ou ecologicamente incorrectos ou não recomendáveis. «Viana do Castelo, onde o sobranceiro Monte de Stª Luzia se cobre de amarelo no final do Inverno devido à extensão da área coberta por esta planta, dedicou-lhe durante muito tempo uma festa: a festa da Mimosa.» In https://www.publico.pt/2004/02/22/jornal/a-outra-face-da-bela-acacia-184586, texto de Pedro Gomes, 22 de Fevereiro de 2004.

[6] Vide Jornal A Aurora do Lima, bi-semanário independente cujo 1º número saiu a 15 de Dezembro de 1855: este jornal dá conta, ao longo dos anos, de todas as iniciativas relevantes no campo do folclore, por exemplo: edição de 20 de Janeiro de 1938: tentativa de criação do teatro regional no Casino de Afife; edição de 11 de Agosto de 1939: o rancho regional das lavradeiras da Meadela deve a sua fundação e muito do seu prestígio à família Reguengo; edição de 5 de Janeiro de 1940: anuncia para o dia seguinte a apresentação do Rancho das Lavradeiras de Santa Marta na sede da Sociedade de Instrução e Recreio Santamartense; edição de 5 de Abril de 1940: refere a apresentação oficial do Rancho; edição de 16 de Agosto de 1940: refere a actuação do Rancho na Serenata das Festas da Agonia e refere que o Rancho comemorou o 8º centenário da Nacionalidade; edição de 31 de Dezembro de 1940: refere que o bailarino Francis Graça do grupo Verde Gaio esteve em Carreço a recolher danças regionais.

[7] Para compreensão das perspectivas que orientam as dinâmicas folclóricas:

- Sobre um caso concreto de estudo dos processos de tradição e inovação: Barros, Ana Catarina Braga (2018). Autoria, tradição e inovação no folclore do Baixo Minho: um estudo de caso da Rusga de São Vicente de Braga, Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais Área de Especialização em Etnomusicologia, PDF, in https://run.unl.pt/bitstream/10362/70203/1/Tese_Ana%20Barros_Nr52122.pdf. A autora traz para a compreensão a perspectiva ideológica que está sedimentada na Universidade Nova de Lisboa e que se pode verificar nesse livro Vozes do Povo, Folclorização em Portugal, Salwa El-Shawan Castelo-Branco e Jorge de Freitas Branco (eds.), Celta Editora, Oeiras, 2003. Parte-se neste trabalho de Ana catarina Braga da ideia de que as orientações dos grupos folclóricos podem ser determinadas em função de duas perspectivas: «entre um paradigma da reconstituição, que torna o folclore uma representação tão fiel quanto possível dos costumes de outrora, e um paradigma da estilização, que, por sua vez, torna o folclore num objecto em si, que circula num mercado próprio, cujas propriedades devem ser condicionadas por essa respectiva inserção. (Vasconcelos, 2001).»

[8] Desde 1980 até ao presente, o grupo integrou elementos das seguinte famílias: Azevedo,  Andorinha,  Araújo,  Alves,  Antunes,  Afonso,  Amorim,  Barbosa,  Borlido,  Barreiras, Barros,  Costa,  Capela, Cunha,  Coutinho,  Carriço,  Cardoso,  Carvalho,  Correia,  Cantamba,  Castro,  Carvalhido,  Canão,  Dantas,  Dias,  Fernandes,  Fagundes,  Freitas,  Ferreira,  Gonçalves,  Isac,  Moreira,  Martins,  Morgado,  Maia,  Mota,  Matos,  Magalhães,  Jaco,  Lima,  Nogueira,  Oliveira,  Quesado,  Queiróz,  Sá,  Sousa,  Sampaio,  Serra,  Santos,  Silva,  Soares,  Salgado,  Pinheiro,  Pereira,  Parente,  Pita,  Pais,  Pontes,  Pinto,  Teixeira,  Viana,  Vieira,  Veloso,  Valdrêz. (Informação prestada pela actual Direcção do Grupo)

[9] A narrativa das memórias acentua estas dimensões referidas:

- Testemunho de Graça Sousa Gomes, neta: «O meu avô privava muito com o Dr. Pedro Homem de Melo. Eram muito amigos e compartilhavam o amor que tinham pelo folclore e por Viana.

- Testemunho de Manuel Gaspar (Lorsa), nascido a 1926, natural de Santa Marta de Portuzelo: os organizadores da fundação do grupo foram o seu pai e o senhor Manuel Silva, agricultor proprietário, a quem se juntou o médico que apareceu na terra em 1938/39, o doutor Sousa Gomes; a Sociedade de Instrução e Recreio era propriedade dos Lorsa e outros sócios; quem ensaiava as danças eram os irmãos Oliveira (o João e o Manuel, lavradores fortes), de Samonde, que dançavam muito bem; fez-se uma réplica do grupo em Moçambique. Teve uma zanga com o doutor a propósito de o grupo ir ou não ir à Finlândia. Quando iam ao estrangeiro, iam buscar pares a S. Lourenço da Montaria, a Dem; os trajes eram tecidos em Cardielos. O traje do homem: calça preta e faixa encarnada; fez-se uma casaca com botões em madrepérola, estilizada, mas primeiro havia umas casacas com alamares. Organizado, organizado, o grupo é de 1940, mas já existia antes dessa data, recorda-se de em 1939 o grupo ter ido a Orense, e foi mais que uma vez, e em 1939, ainda havia a guerra em Espanha, o grupo foi actuar a uma quinta dos Azevedos, das batatas, a Cardielos. Recorda-se das filmagens para a Tobis e das gravações de Armando Leça. Referiu nas suas memórias a presença de Amália Rodrigues em Santa Marta, então ainda uma menina, de casaco de peles e de chinelas nos pés. Referiu-nos ainda que ele foi um dos convidados a integrar o bailado Verde Gaio.

- O testemunho de Álvaro Sales, artesão de velas votivas, irmão de Passos Sales, também artesão de cangas, rodas de carros, velas, dá uma importância ao desenvolvimento local dos conteúdos folclóricos, como as cangas nos cortejos etnográficos, as velas votivas e os palmitos. Segundo Passos sales, as rosas são o desenho que se aplica nas cangas, são o motivo regional de Santa Marta; ele foi muitos anos o responsável pelos carros das cangas nos cortejos etnográficos. O cortejo etnográfico era composto por muitos carros e cada carro levava sempre vários figurantes. A ordem do cortejo: o grupo de Zés Pereiras, o carro do brasão, a mordomia, o cartaz das festas, o carro da matança do porco, o tear, o carro dos bordados e dos chinelos, o carro das cangas, o carro dos palmitos e velas votivas, o carro da broa e da cozinha regional, o carro do vinho, o carro do milho, o carro da fonte, o par de namorados com a velha a fiar no portal para tomar conta neles, o noivo e a noiva, a malhada do milho, a malhada do centeio, o engenho do linho, o coração do folclore de filigrana, os trajes regionais, a casa do povo, o grupo do centro paroquial, monumentos da terra – o palácio dos Cunhas.

- «Ir aos ensaios era uma festa» - testemunho de D. Honorata (Lorsa) que conta assim a história do grupo: o Engº Silva Dias (director da Emissora Nacional) falou a seu pai, tinha ela 10/11 anos, para se formar um grupo folclórico; o pai de Honorata era Manuel José Afonso Gaspar (Lorsa), comerciante de Santa Marta, o primeiro fundador do grupo e o ensaiador de tudo, faleceu em 1941; este homem casou com Maria Anes da Silva Gaspar, doméstica, natural de Carreço, teve vários filhos e filhas, uma das quais a Honorata (1927) que entrou para o grupo aos 12 anos; uma outra filha, de nome Graça, será nora do Dr. Sousa Gomes por casamento com o filho deste, presidente do Desportivo Clube de Viana. Recordou que o aguarelista Alberto de Sousa fora autor de umas aguarelas de lavradeiras de Santa Marta e arredores em 1935. Sobre a crise do Grupo em 1968, Honorata associa-a a uma crise do casal Sousa Gomes, considerando que a venda dos trajes ao museu de Viana foi a solução que D. Júlia encontrou para a resolver.

 - «A alegria de poder dançar na Quaresma, que era tempo em que não se podia dançar nem cantar» - testemunho de Gracinda da Costa Parente (1920).

- Testemunho de Avelino de Passos Sales Gomes (1918), irmão da Cecília, da Rosa, da Assunção, do Álvaro, família abastada, proprietária e ligada à agricultura, aos serviços de funerária. Sobre o tempo passado no grupo: «Para mim, foi as melhores férias que eu pude passar, a cantar e a dançar e namorar com boas raparigas estrangeiras, que tenho boas recordações delas.»

[10] O reconhecimento público concretizou-se em cerimónias, títulos e medalhas:

- Testemunho de Graça Sousa Gomes: «Mais tarde recebeu a Chave de Ouro da cidade e bem mais tarde, a título póstumo, fui eu que recebi em mãos a medalha de Cidadão de Mérito da cidade.»

 - Vide Mensário das Casas do Povo, nº 198, 1962, pp 17-18: «Na Casa do Povo de Santa Marta de Portuzelo realizou-se a festa de homenagem ao médico local Dr. António Eduardo de Sousa Gomes, não só como médico, mas como director do grupo folclórico de Santa Marta que tantos triunfos tem obtido não só no país como no estrangeiro, sendo elemento admirável de propaganda da região e do país».

- Em Julho de 1965 o Governo Francês agracia António Eduardo de Sousa Gomes como o Diploma de Cavaleiro das Palmas Académicas, em reconhecimento dos serviços prestados à cultura francesa.

- Deliberação da Câmara Municipal de Viana do Castelo, em 1 de Junho de 1981, de atribuição da medalha de ouro do Município ao senhor Doutor António Eduardo de Sousa Gomes, pelos «relevantes serviços que ao longo de dezenas de anos prestou à causa da divulgação do folclore e do nome de Viana do Castelo».

[11] Conta-se a história do brasão de Santa Marta: um congresso médico em Lisboa solicitou a presença de um conjunto de raparigas vestidas de lavradeiras, o homem encarregado de satisfazer este pedido foi o senhor Barros, um brasileiro que então vivia em Santa Marta, republicano. Conseguiu organizar 52 pares, as raparigas acabaram por ir acompanhadas de um familiar; estiveram 15 dias em Lisboa. O Rei concedeu então brasão a Santa Marta, desenhado pelo arqueólogo Renelas e trazido mais tarde para a terra pelo senhor Carlos Oliveira, desembargador do tribunal, que o legalizou como brasão da terra em 1933. O brasão é um escudo encimado por três torres de um castelo, as torres têm a imagem de Santa Marta, na Casa ou palácio dos Cunhas; o escudo tem uma silva de rosas e no centro um coração de filigrana e radica nos cestos de flores que é uma tradição das festas à Sra. do Livramento em Santa Marta.