Pesquisar neste blogue

sábado, novembro 28, 2020

Postal de Natal 2020 + 2 poemas de apreensão fácil

(Eu e minha esposa, Albertina Fernandes, desejamos a todos um Santo Natal e um Ano Novo recuperado da pandemia)


TEM CONTIGO O NATAL

Tem contigo o Natal e não desistas

De o pôr à mostra em tudo quanto vejas;

Em casas, ruas, praças, nas igrejas,

Hás-de integrá-lo em horas imprevistas.

 

Deixa-o entrar em lares e hospitais,

Dá-lhe o direito à livre exposição;

Que tenha cobertura em televisão,

E arme a feira em redes sociais.

 

E tu verás: ninguém é renitente

À ideia de um recurso salvador,

Da ciência e da fé, um Bem premente

 

Que cumpra a inocência da esperança,

Como faz o Natal, em dom de amor,

Deixando o Bem nas mãos de uma criança.

 

José Machado / Braga / 2020


 

ESTAMOS EM ESPERA

Um vírus provocou-nos sem contar

Caiu a pandemia sobre nós

Mandaram-nos parar e afastar

Encheram-se hospitais, ficámos sós


Máscaras, protocolos de higiene,

Confinamentos, fecho de empresas.

Limites de viagem, medo extreme,

 

Uma deriva imposta de incertezas.

 

Um vírus provocou-nos a razão,

Como vamos sair disto, afinal?

Só com vacina, ou, se calhar, não…

 

Estamos em espera. E o Natal?

 

Espero, caminhando em direcção

À Noite em que as palavras se revelam.

Comigo outros vão e se interpelam

Em tempo de ansiedade e provação.

 

José Machado / Braga / 2020

 

PARA SEMPRE, AMÉM

 

Concebeu-se o Natal

Para acabar com o mal

Encontrou-se Belém

Para ganhar o bem

 

Há quem diga que o mal

Quando chega é por bem

E há quem diga que o bem

Quando acaba é por mal

Quem primeiro assim diz

Vê no mal um juiz

Quem segundo assim fala

Vê no bem uma bala

Assim sendo o COVID

De julgar não se inibe

E a contínua saúde

A si mesma de ilude

Mas um dia virá

Que o mal findará

E nessa altura o bem

Ganha pra sempre, amém.

 

José Machado / Braga / 2020

Vida docente II

 Chamadas de Santa Cruz – programa de 28 de Novembro de 2020

Comecei a ensinar antes de ser professor, se considerarmos ensinar dar explicações ou colaborar em actividades docentes de preparação de alunos para obtenção de um diploma. Dei explicações e preparei alunos para exame, colaborei com um centro de formação de alunos adultos, ali, precisamente, na Faculdade de Filosofia; não foram muitos, mas os casos que tratei foram suficientemente exigentes para mim e senti-me entusiasmado com as experiências. 

O 25 de Abril, o dia seguinte ao da revolução, apanhou-me na função docente de dar aulas nesse curso de adultos. Os carros dos alunos, de alguns que os tinham, estacionaram nesse horário de aulas, depois das sete da tarde, até às 23 horas, nos passeios, em frente ao edificado onde decorriam as aulas; noutras alturas a dificuldade de estacionar levava-os para longe. Os comentários iniciais da aula foram sobre essa liberdade alcançada e assim manifestada, esse desafio a posteriori de ousar cometer uma infracção. Uma das reacções que mais se fez notar, entre o tempo docente anterior ao 25 de Abril e o tempo que se lhe seguiu, foi essa mesma de ousar falar, de libertar a palavra, de abusar dela para tagarelar e mais não dizer que falar de tudo e de nada, com a mínima seriedade possível de aprofundar assuntos. 

O clima de uma aula, antes da revolução, era de silêncio e de respeito total ao professor e aos colegas; a palavra tomava-se com pedido de licença e tinha-se o cuidado de não falar para nada. A palavra nas aulas era meio de trabalho e de aprendizagem. A revolução de Abril alterou esse paradigma e fê-lo de forma progressivamente definitiva. Nos cursos do primeiro ciclo e do segundo, este modo de estar em silêncio nas aulas foi de evolução mais lenta: no meu ano de estágio pedagógico, no ano lectivo de 1976/77 ainda fui encontrar no primeiro período turmas de alunos muito disciplinadas e silenciosas. Mas uma curiosidade neste tomar da palavra e neste desregular da disciplina pessoal ou grupal esteve, curiosamente, em terem sido mais os professores a contribuir para ele do que os próprios alunos a terem a iniciativa. 

Efectivamente, quando fui colocado, em cinco de Janeiro de 1975 na Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão, já era missão docente manter a dinâmica da palavra na turma, suscitar a palavra aos alunos, motivá-los para uma atitude de conversação continuada; claro, subentendiam-se as regras da civilidade, do pedido da palavra, da intervenção organizada, mas aceitava-se que não fosse sempre assim e desejava-se uma espontaneidade de estar, na relação docente versus discente. A atmosfera política da revolução de Abril gerava essa disposição, requeria-a: todos os dias eram dias novos e dias de questionação da ordem, requeriam-se explicações de tudo e mais alguma coisa. 

Os alunos começaram a descumprir e os professores a desculpar. Foi o meu tempo de camaradagem com os alunos, numa irreverência tanto minha quanto deles, procurando salvaguardar a relação de autoridade no que dizia respeito ao cumprimento dos programas e à avaliação, mas aceitando muitas formas pessoais de o fazer, com aulas a serem dadas ao ar livre ou em cafés da cidade, com aulas em exposições e visitas de estudo local, com aulas a começarem e a interromperem-se fora dos toques oficiais, com testes a serem substituídos por trabalhos de grupo, com testes a serem feitos por consulta de fontes, com a oralidade a compensar a escrita pessoal. Ao longo da minha carreira docente as referências a este estado de coisas, a esta exibição frequente de comportamentos pouco disciplinados, foi considerada a marca libertária da revolução de Abril, segundo uns irrecuperável e de efeitos negativos, segundo outros, moldável e carente de melhoria ao longo da escolaridade.

quinta-feira, novembro 19, 2020

Vou contar a minha vida de professor

 Chamadas de Santa Cruz – Programa de 15 de Novembro de 2020

(A Rádio Francisco Sanches, uma iniciativa do Agrupamento de Escolas Francisco Sanches, em Braga, passou a ser quinzenal; corre na Antena Minho, ao sábado, das 11:00 ao meio-dia. Colaborador desde o início, continuarei a participar com esta rubrica) 

Aceito de bom grado continuar presente na Rádio Francisco Sanches, enquanto a direcção do programa assim o entender, dando continuidade à forma e ao estilo de crónica, agora quinzenal, e mantendo a identidade de Chamadas de Santa Cruz. Para quem começar a ouvir-me a partir deste programa, faço notar que ando nesta rádio desde a fundação da mesma, primeiro comecei com a crónica Cascas e Aparas e depois com as Chamadas de Santa Cruz, que vou manter. O objectivo desta crónica é manter uma reflexão escolar e educativa a partir das minhas vivências e do meu investimento na formação docente, como a vivi ao longo de 44 anos, até me aposentar desde Janeiro deste ano. O facto de me encontrar aposentado diminuiu a carga das preocupações disciplinares, mas redobrou a das reflexões e a das memórias escolares. 

Comecei no ensino em Janeiro de 1975, tinha 22 anos. A revolução e Abril fora em 1974, eu era então um aluno da Faculdade de Filosofia de Braga, escola da Universidade católica, tinha já o grau de bacharel, o que permitia concorrer para o ensino, estava no quarto ano de um curso de cinco anos e já pensava na tese a apresentar em final de licenciatura. Fui colocado em Vila Nova de Famalicão na Escola Industrial e Comercial, hoje com outro nome, dando aulas de português a alunos mais velhos do que eu, de um modo geral, pois, no ensino nocturno de alguns cursos estavam matriculados estudantes trabalhadores, muitos deles já casados e com família constituída. Comecei a carreira docente como professor provisório, sem fazer a ideia do que era um professor efectivo ou do quadro, coisa que pedi que me explicassem numa assembleia-geral, processo então corrente de gerir e estar na escola. 

O ambiente que então se vivia nas escolas era de contestação permanente, de revolução em acção, de discussão crítica, de experimentação, de debate continuado sobre tudo e mais alguma coisa. Eu, na altura, era militante de um célebre partido político, situado e identificado na extrema-esquerda por todos os outros partidos. A mudança de regime político em Portugal, passando-se de uma ditadura para uma democracia, estava em construção e tudo se estava a aprender a fazer. Discutir, reivindicar, exigir, contestar as ideias feitas e já experimentadas em tempo de ditadura, cortar com tradições de ser e de estar. Reinventar o homem novo, tal era o espírito de missão que se vivia nas escolas. Toda a atmosfera das aprendizagens sociais e culturais se fazia em bolhas políticas, sempre em colisão no espaço escolar: conservadores eram desafiados pelos revolucionários, reformadores eram contestados pelos conservadores e pelos revolucionários, revolucionários eram contestados por todos. Os consensos obtinham-se muitas vezes em cansaço de discussão e o bom senso que acabava por imperar era sempre de transição. Nas salas de aulas, tudo era invadido pela política, o marxismo ou o que dele se pensava que fosse, estava na ordem do dia como metodologia de estudo e de abordagem do que quer que fosse. Em Janeiro de 1975 os meus alunos ficaram a saber que tinham um professor identificado na extremidade do espectro político, mas ficaram também a saber que tinham um professor disponível para dialogar, ouvir, debater, aceitar as divergências e ensinar do modo mais objectivo e sustentado possível. 

Hoje, à distância, só posso reforçar a conclusão que na altura tomei: nunca se está preparado para ser professor, ser professor requer a formação continuada, a busca de técnicas e de saberes que auxiliem a progressão diária, que ajudem a consolidar um método de estudo e de aprendizagem. Eu vou-vos falar das minhas aprendizagens ao longo de uma carreira que dediquei com todo o entusiasmo aos alunos.