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quinta-feira, julho 09, 2020

Última crónica na Rádio Francisco Sanches

Este foi o ano em que me aposentei desde Janeiro, ano que ficou marcado pelo confinamento da população escolar e de todo o ensino. As escolas fecharam e o processo de aprendizagem decorreu por via virtual, num processamento que foi surpresa para todos, alunos, pais e professores e cuja avaliação estará a decorrer para fundamentar as decisões relativas ao novo ano lectivo. 

De Março – a minha última crónica foi a catorze - até hoje, as Chamadas de Santa Cruz ficaram suspensas e mergulharam em processo de ausência e de impotência para a ultrapassar: o Lar de Santa Cruz, onde tenho três familiares, entrou em confinamento absoluto, os utentes ficaram sem visitas e sem qualquer possibilidade de se deslocarem para fora do lar e, mesmo dentro, foram limitadas as deslocações de quem ainda pode andar com autonomia. 

A dureza do isolamento só agora em finais de Maio abrandou, mas ainda não há visitas aos quartos e os utentes apenas podem ter uma entrevista com familiares, meia hora por semana, em moldes de distanciamento físico rigoroso. O sofrimento é muito, a saudade é acutilante e as mazelas fazem-se sentir, os utentes apresentam sinais de cansaço e de variação humoral muito sintomática e os familiares aguardam melhores notícias já com muita falta de paciência. Houve utentes sintomáticos, houve, houve mortes previsíveis e houve curas e superações da doença; não tivemos conhecimento de situações de caos ou de abandono ou de insuficiência de meios, antes pelo contrário, verificámos uma dedicação ímpar, absolutamente  empenhada e solidária, quer da parte dos funcionários, quer da parte da gestão do Lar.

Criei uma página no Facebook para acompanhar a situação: Amigos do Lar de Santa Cruz. Quem quiser pode aceder e começar a interagir. As redes sociais tornaram-se um refúgio e um campo de acção e de muita aprendizagem. O mesmo aconteceu com a escola. Acompanhei por largo o que se passou no nosso agrupamento, ainda presidi à organização do Conselho Geral que deu origem à eleição de novo presidente e à consequente eleição de novo director. Deixo aqui os meus cumprimentos aos eleitos, à professora Cristina Cibrão como presidente do Conselho Geral e ao professor Arlindo Antunes de Sousa como Director. Continuarei a afirmar a minha disponibilidade de colaboração nas dimensões educativas possíveis. 

Saber tirar lições daquilo que nos acontece é uma ideia sempre presente na educação, traduz-se nesse axioma de que estamos sempre a aprender. Fomos desafiados a fazer uma escola dentro das escolas, uma escola a partir da casa de cada um e pelo processo de ligação a uma rede virtual. A informática tornou possível esta mudança, porventura revelou algumas insuficiências e terá gerado as mais díspares emoções e reflexões. Importa tirar lições, mas eu creio que se tornou muito evidente a necessidade de regresso o mais depressa possível ao contacto físico, à presença de pessoas nas salas, à ocupação espacial e temporal das escolas. 

Não deitar nada fora, nem o que se aprendeu com a escola virtual, nem o que se aprendeu com a ausência dos espaços físicos e dos contactos cara a cara é o que eu recomendo a todos. Na nossa vida tudo tem que ser aproveitado e acabará por nos ser útil. Assim o espero e oxalá as escolas regressem em força à sua natureza de espaços povoados de gente em aprendizagens continuadas. Quanto às lições a tirar nas dimensões do humano demasiado humano e do espiritual, também creio que todos vamos ser um pouco diferentes do que fomos até agora, para melhor, estou convencido, mais solidários, mais reflexivos e mais práticos, menos agarrados a ideologias de mudança radical que tudo parecem reduzir a estratégias de medo e de imposição. Oxalá saiamos desta crise com mais ansiedade de liberdade e de criatividade, é a minha esperança.