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segunda-feira, outubro 24, 2022

Sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia? Pode ser

O Amílcar enviou-me um poema de Sergei Yesenin:

Não tenho amigos entre as pessoas,

Sou leal a um reino diferente.

Estou pronto para colocar minha melhor gravata

No pescoço de qualquer cão.

(Sergei Yesenin* poema, de há 100 anos, olha que a tradução, muito laboriosa, é minha...). Fui saber de quem se tratava e quanto li me entusiasmou. O leitor poderá seguir as pistas.

* In https://www.britannica.com/biography/Sergey-Aleksandrovich-Yesenin
«Sergey Aleksandrovich Yesenin, Yesenin also spelled Esenin, (born Oct. 3, 1895, Konstantinovo, Russia—died Dec. 27, 1925, Leningrad), the self-styled “last poet of wooden Russia,” whose dual image—that of a devout and simple peasant singer and that of a rowdy and blasphemous exhibitionist—reflects his tragic maladjustment to the changing world of the revolutionary era.»

Bem sei que não será fácil entender, senão como fenómeno genial, a brevidade de vida e a nomeada do poeta: consagrado após 30 anos de vida é porque deixou obra que mexeu com tudo e todos. Dizem os artigos que o poeta era mal querido pelos bolcheviques e isso torna-se claro, que ele deve ter detestado a revolução até ao âmago de sua criatividade, mas estas coisas são sempre muito discutíveis. De qualquer modo, pelo que foi a revolução russa até 1925, pelo que se seguiu e pelo que está a sobrar dela no mundo actual, o poeta revive e ressuscita em cada texto. Porventura foi para assinalar a complexidade deste nó górdio da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em que o desfavorecimento dos humanos corre os campos da polémica e assume diferentes significados e relevâncias consoante o território em nome do qual se morre, que o Amílcar me enviou este poema que, assim, ganha particular acuidade. Acabei por redigir um comentário que enviei ao Amílcar e agora aguardo a repercussão.

Olha lá, este poema parece conter todo o desprezo pela minha pessoa enquanto ser humano, o poeta devia estar desesperado para retirar toda a confiança aos humanos a ponto de colocar a sua gravata ou símbolo de autoridade ou respeito em qualquer cão. Só que o poeta sabe bem que um cão nunca lhe lerá o poema e nunca quererá saber de gravata alguma. De maneira que o poema narcisista é de uma intencionalidade arbitrariamente absoluta, radical, hoje diríamos terrorista mesmo. O poeta sabe que a sua remissão está no leitor que se sentir acossado e se disponha a salvar todas as gravatas possíveis garantindo-lhes um reino de uso digno e compensador. Mas qual é esse reino? Se não é deste mundo tem de ser de um outro que assuma este como passagem, mas tem de ser um reino que dê razão de ser à gravata mais humilde e ao cão menos necessitado dela. Uma das coisas boas que têm os poetas é o seu desejo de absoluto: quando bem enunciado, não tem real que o assuma; quando bem radicado no real não tem absoluto a que aspire. Tratar da saúde mental a estes poetas não é fácil…

Fui ler mais um pouco e encontrei alguns poemas do homem que se suicidou, mas que deixou descendência. Aquela ideia de o poeta se achar no direito de nos recomendar que não hesitemos em mandar foder os outros, mas evitemos que os outros nos mandem foder a nós, deixa uma inquietação de sobressalto: precisaria a gente de ter razão e esta é o que só os poetas julgam ter... De qualquer maneira, este é um poeta que questionou o sentido último, a tal aparência de reino diferente, que a revolução bolchevique apregoou e que se traduziu em ordens de liquidação de gentes. Daí a evocação dos cães como consolo, merecedores de gravata, invocados naquela máxima de autor desconhecido: quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães...

quinta-feira, outubro 20, 2022

Com que belas adormecem os velhos?

 Yasunari Kawabata - sobre o erotismo na metafísica da finitude

Li agora e ao mais é de há muito e eu desconhecia. O autor foi prémio Nobel em 1968. O livro, em PDF foi-me enviado pelo meu amigo Amílcar Augusto Rodrigues, psiquiatra com quem me alivio espiritualmente em questões de leituras e de comentários e de quem sou visita breve à sua morada transmontana, minha terra de nascimento, Jales. Eu e o Amílcar fomos vizinhos, casa com casa, na minha infância e na sua juventude, uma distância breve de idades que foi maior e agora não se nota. Cheguei a receber explicações dele em matéria de estudos primários, foi na casa de seus pais que vi pela primeira vez televisão. A sua mãe, A D. Leonor, era de Carrazedo do Alvão e o seu pai, Maximiano Rodrigues, era das Pedras Salgadas; foram morar para Jales quando o pai foi trabalhar para as Minas de Jales; antes trabalhara nos hotéis das Pedras Salgadas e eu já li histórias imprescindíveis que o Amílcar escreveu sobre esse tempo de vida de seu pai. Desde então, aguardo que o Amílcar publique para surpresa de quantos o conhecemos. Como médico psiquiatra, o Amílcar influenciou a minha filosofia de abordagem dos alunos. Uma palavra com ele e os horizontse da serra da Presa ou da de Quintã reconfiguram-se como símbolos. Vamos ao livro enviado que li de rajada e com o qual fiquei surpreendido: desconhecia que houvesse no Japão semelhante oferta de serviços aos homens velhos, velhos com mais de 60 anos, não sei se o critério hoje mudaria. Mas que serviço? O de poderem passar a noite dormindo com uma jovem em estado de nudez e de adormecimento controlado, narcotizado, ou seja, sem reacçoes de movimento ou de conversa conscientes com o cliente. Quem procura tal serviço sabe ao que vai e como se avia do mesmo é coisa que ficará com ele, já que o narrador deixa sobre isso a dúvida sistemática de que haja satisfação efectiva de actos sexuais. A história contada deixou-me ressonâncias de outras leituras que eu fizera e que associavam o cumprimento da velhice à ideia de satisfação plena de imaginário erótico, numa ânsia de procura de juventude ou numa ânsia de metafísica erótica como prenúncio de felicidade eterna. Que o cliente, o velho Eguchi aproveitou as vezes e as noites para nos revelar toda a sua vida e para nos inquietar sobre os nossos recalcamentos masculinos, chegando a aproximar o erotismo da violência extrema que é o desejo de ser senhor da morte do outro, isso deu para ler bem, embora sempre naquela expectativa de novidade que excitasse o imaginário, mas isso foi coisa que fica a esperar por outro género de histórias. Em algumas frases, tiro duas citações, a coisa parece andar rente a experiências de fuga à ideia de morte ou de acabamento físico pela perda da juventude, mas também à ideia de regresso às sensações primárias da beleza feminina ou do regresso aos braços da mãe criadora ou da recuperação de energias eróticas para aguentar o quotidiano. 

«Quando se deitavam em contato com a nudez da jovem mulher, os sentimentos que ressurgiam do fundo dos seus âmagos talvez não fossem apenas o medo da morte que se aproximava ou o lamento pela juventude perdida.»

Provavelmente, a religião budista terá alguma responsabilidade na plausibilidade desta narrativa. As ideias que associam o estado de felicidade ou de paraíso eterno à presença de mulheres virgens e belas no reino do além passam pelo religioso dos povos e dos arquétipos mentais que a civilização vai sustentando.

«Numa noite tão fria, se pudesse me aquecer no calor de um corpo jovem e morrer de repente seria a suprema felicidade para este velho.»

No dia a dia não andarei longe da verdade se disser quanto a ideia subjacente à historia contada é princípio restaurador de optimismo e de ânimo. Que os escritores tenham uma capacidade de efabulação acima de nosso quotidiano material, capaz de gerar as histórias ao arrepio de um tempo saturado de poltiticamente correcto ou de primitivismos reflexos de repetição de modismos culturais efémeros, é o que fico sempre a esperar da invenção torrencial de uma escrita assim.

terça-feira, outubro 18, 2022

É uma questão de vontade isto de alimentar um blogue?

Não sei bem, mas assim me parece. Assuntos não faltam, é certo, mas os actos de escrita não dependem só deles, dependem mais de provocações e estas não andam a par de quem me digo, ou porque ninguém me queira incomodar, ou porque não se veja nisso utilidade imediata, ou porque a coisa até resultaria e quem a não faz, sabe-o bem. 

Mas tambem não direi que não haja provocações, que as há, irritantes e continuadas, mas são do foro da oralidade e requerem o embate imediato de comentário ou de conversa telefónica. O mais das vezes, são reacações de sensibilidade. Por exemplo: tudo quanto me provoca, na teia dos amigos da rede virtual, sobre sermos um país de acomodados, sobre o estarmos a pagar o que não queremos mudar, como o de aceitarmos naturalmente a corrupção dos modos de governação, como a de termos o Marcelo e o Costa e o Medina e os outros todos que são quem são e já sabemos que o são... 

Pois, aceito, mas não me ralo, fiz a opção de não reagir para lhes não dar valor, convencido que de pouco me adiantaria. Outro exemplo, o eu não tomar posição sobre amigos que estão nos antípodas de mim em matéria de pensar o conflito entre a Ucrânia e a Rússia, ou entre Israel e a Palestina... Pois, mas esses amigos estão comigo noutros assuntos e se neste não estamos juntos, o debate acabará por acontecer... O mesmo se diga para a não condenação dos EUA, ou a não condenação da Europa, ou a não condenação da Igreja... Pois, as coisas acabarão por se saber.

Que estou à espera de ser o último a falar? Que estou com medo de errar? Que tomo o silêncio como bom caminho? Ora, ora. Se calhar...