6 poemas de Movimento reflectem a luz proveniente de outra fonte, buscando a lua como símbolo das correntes de influência que recebem a sua força de outras instâncias, que é como dizer de outros astros. O poeta recolhe a inspiração poética do quotidiano e aqui ficam seis ideias de nossa quotidianidade cívica cuja luminosidade ou força é dependente de circunstâncias mais fortes: a idade, a doença, o café, as chaves de casa, o guarda-chuva, a segunda-feira.
O surpreendente da poesia de João Luís Barreto Guimarães é a transformação de uma ideia vulgar em unidade poética, em lugar do simbólico, em sentido transcendente. A construção poética é uma surpresa de argumentação, não só na linearidade discursiva, mas também no cruzamento dessa linearidade por intervenções parentéticas, complementares, irónicas, intrusivas, que aumentam os planos da leitura.
Imagine-se o leitor uma pessoa madura, com aquela idade que é invejada pelos amigos e ainda não respeitada pelos inimigos, veja-se a sair de casa para o trabalho, que é como quem diz para o mundo que está sempre de volta, e dê consigo a ouvir uma voz interior que lhe recorda simplesmente que «Na idade surpreendente estamos a meio de nada / como moedas que sobram de viagens ao estrangeiro» (A idade surpreendente). A desarrumação do mundo pode ser a causa desta falta de luz própria que o sujeito pensa ter para se desafiar a dar sentido às coisas. A lua gravita em volta da terra, a lua recebe a luz do sol. Parece sempre não ter fim a arrogância do homem que se condidera no melhor da idade, mas as moedas que pagam a vida não têm todas a mesma cotação.
Noutra situação, o médico sabe que pode ser ele a luz do paciente, que é suposto alguém ter a solução para o mal do outro. Mas quem é quem no espaço e no tempo da doença e da saúde, ainda mais se entrarmos no foro das doenças mentais? O poema não vai questionar o cidadão que vê tudo de fora das grades do espaço hospitalar. O poeta vai colocar em dúvida aquela pessoa cujo saber era suposto resolver o problema do paciente. Quem é o doente no espaço psiquiátrico? O que está no território delimitado pelas grades ou o que passa no exterior? (A Grade) Diga lá o leitor se não acha este poema uma surpresa!
A cadeira (Café Exílio). Este poema é uma viagem pelas nossas memórias de frequência de cafés, na cidade intensa. Quantas vezes é preciso arranjar uma cadeira, ir buscá-la a outra mesa, apanhá-la a quem se estava a apressar para a ter. Coloque agora o leitor toda a personificação na cadeira e admire o seu uso e a sua situação de cansaço resultante do mesmo. Que luz ou sentido faz transcender esta função utilitária do objecto para a racionalidade de absorção do contínuo passar de noites e dias?
(Perguntas) «Hoje quando torno à casa espanto-me quem era aquele que buscava simetria». Para mim, este poema recebe a luz da tradição, isto é, do acumulado documental arquivado para organizar o que quer que seja. Quem colecciona as coisas fa-lo seguindo critérios. O avô que alinha os netos por alturas, na noite de Natal, segue esse critério pelo fascínio do crescimento, naturalmente. Quem organiza as chaves da casa poderá fazê-lo pela forma das mesmas, pelo tamanho, pelo peso, sei lá. O espanto do poema é o sujeito coleccionador ou organização do arquivo espantar-se com aquele que organizou, em tempos, as chaves da casa pelo critério da simetria. Donde lhe vem a luz de tal espanto?
«O sol castiga pela ausência» (Natureza-morta com guarda-chuva ferido). O poema é construído a partir da representação do guarda-chuva como objecto velho e destruído pelo vento, num dia em que as nuvens se juntaram e ameaçam chuva torrencial, como as gaivotas se juntam para anunciar a saída dos barcos para a pesca. A culpa é do sol que castiga pela ausência.
«Então não / tens outro arbítrio do que arrepiar as mangas / (encher o punho de tinta) e / disparar a matar» (Segunda-feira outra vez). A escrita tomada à letra como revólver, motivada pela desconsideração do trabalho pessoal, pior, pela apropriação dos méritos da pessoa, acto praticado a miúde nas relações de trabalho, truque por debaixo da mesa para ultrapassar a progressão por mérito.
Alguém me chamou a atenção para o facto de eu interpretar os poemas como se estivesse a falar para os meus alunos do ensino básico. Não nego.
Sem comentários:
Enviar um comentário