O meu primeiro «insight» ou inspiração para o poema deste ano
foi aquela história do bebé colocado por sua mãe num contentor de lixo,
naturalmente para o abandonar e ele morrer, ou, quem sabe, secretamente, para que
alguém o visse e o criasse. O bebé resistiu catorze horas, até o seu choro ter
alertado uns sem-abrigo e um deles ter chamado as autoridades. A história está
escrita e já se evidenciaram todas as suas componentes. Biblicamente,
repetiu-se, noutro cenário, noutro tempo, o lançamento de Moisés às águas, para
ter a sorte de ser encontrado por alguém mais afortunado.
Eu não sei até que
fundo batem as pessoas e até que fundo batem as histórias das pessoas no
coração da gente. Há um lastro de muita mensagem em toda esta história, não que
tenha sido esse o propósito, mas que tem sido esse o desencontro das situações:
se a mãe quis matar, não matou, se quis abandonar, não o conseguiu de todo, se
quis chamar a atenção para si teve êxito total, mas que atenção é essa que ela
nos pede que não seja a atenção total do seu filho? Cabe a cada um contar a
história e dar-lhe fundamento integrador. Foi o que tentei em meu poema com uma
simples referência, que vai escapar a muitos leitores, ao contentor do
expediente, sendo a natureza deste expediente, neste caso, o lixo
biodegradável, a semente de muita vida se lançado à terra.
Depois inspirei-me
na outra dimensão de ver e acompanhar o nascimento de uma criança em situação
que dizemos normal e natural, com toda a assistência médica, com todas as
relações institucionais e familiares asseguradas; foi o nascimento do filho de
meu afilhado, o Francisco Xavier de seu nome, cujos pais são meus sobrinhos
netos por parte de minha esposa, portanto a criança bem pode aceitar o meu
castigo pessoal de lhe chamar neto, se é castigo o encargo que assumo de o
ajudar naquilo que puder. O Natal é o nascimento de uma criança, em qualquer
circunstância ou pretexto de se originar a vida, o Natal está a ser lembrado e
a ser actualizado na vida de cada um de nós.
É seguro que nós os católicos
atribuímos ao Natal toda a importância histórica e reveladora de uma
transcendência de sentido, mas essa dimensão sempre ocorreu com a sua
humanização total ao longo da história, humanização esta que se representa e se
fixou em arte e se transporta para todas as fases do humano, do vivido, com
dimensões que são ora valorizadas mais ora menos, como as festivas e as
solidárias, como as do afastamento dos maus augúrios ou forças do mal, sendo
mal aqui tudo aquilo que não vai ao encontro de uma ideia de bem universal,
horizontal a todos os credos e presente um pouco em todas as perspectivas de
vida.
O Natal congrega civilizadoramente muitas tradições, a principal das
quais é a de que a criança que nasce é uma esperança de superação e de
consagração da vida para os seus e para todos. O Menino Salvador da religião
cristã concretiza uma ideia presente em todos os povos, a de que a nova vida se
constitua como mais vida para todos, podendo mesmo ser a luz orientadora , como
me parece ser a ideia de que o guia espiritual de um povo reencarna e assume-se num novo ser e que estaremos sempre à espera que esse ser
último nos conduza a um estádio de felicidade plena. Até a tradição do
consumismo contemporâneo está enraizada na história do Natal a par da sua
contrapartida que é a partilha ou solidariedade: muitos povos celebram a festa
da vida com a produção de inúmeros presentes, com a distribuição de inúmeras
prendas, tal como se todos fôssemos Reis Magos; e a partilha é a da
solidariedade de pastores que levaram ao menino seus pertences e produtos de
sobrevivência. E até a ecologia ou sustentabilidade ambiental está presente no
imaginário de Natal. O fogo, o sol, a luz, na forma de estrela orientadora ou
na forma de energia é a nossa sobrevivência.
sábado, dezembro 07, 2019
quarta-feira, novembro 27, 2019
Poema de Natal 2019
A história de Natal ocupa
a gente,
Gerando invulgares
assimetrias,
Reconfigurações e
fantasias,
Conforme a partilhamos no
presente.
Qualquer pretexto a torna
pertinente
Nas redes sociais, com
mais-valias
Em lojas, em museus, em
galerias,
Até em contentores de
expediente.
Natal é nascimento de
criança:
Quem conta o caso escolhe
a perspectiva
E dá-lhe um fundamento
integrador;
Sem vida é que uma
história não avança!
Ocupa espaço e tempo a narrativa
Da mais humana dádiva de
amor.
José Hermínio da Costa
Machado / 2019
Eu e minha esposa desejamos aos nossos amigos
um feliz Natal e um Ano Novo cheio de prosperidade.
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quarta-feira, novembro 20, 2019
O Estado Novo e a cultura popular (2)
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/m/museu-de-arte-popular/
Este é o segundo artigo e visa responder à questão das relações entre o Estado Novo e a cultura popular. Já sabe o leitor que estes artigos têm ponto de partida na leitura da obra de Maria BARTHEZ, Memória de Francisco Lage, da prática à teoria, Gradiva, Braga, 2019. A questão de saber determinar como e até que ponto o Estado Novo definiu os caminhos da cultura popular, em termos de propostas conceptuais ou protocolos metodológicos de procedimento, tem de se compreender à luz dos pressupostos ideológicos do poder dominante e dos pressupostos ideológicos das forças de oposição ou de resistência ao exercício desse poder. Correndo o risco de simplificar, sabe-se que o Estado Novo tem um projecto para a sociedade portuguesa e que o vai exercer através de mecanismos institucionais de controle, numa criação de burocracia corporativa, com recurso a instâncias policiais e de censura. As forças de oposição dividem-se em dois campos, um de inspiração totalitária também, mas comunista, digamos, outro de inspiração mais social-democrata, sem adesão ideológica ao modelo dos países então ditos socialistas. O que há de comum entre o poder instituído e as forças de oposição é uma espécie de «ódio à américa» ou à liberdade concebida segundo um modelo de sociedade capitalista. É neste quadro de tomadas de posição, com a criação de movimentos culturais ora na defesa de um nacionalismo mais integrista e personalizadamente renovador ou de outro mais internacionalista e socialmente revolucionário que devemos procurar o esclarecimento da questão supra colocada. Todas as forças em presença investem simultaneamente na defesa de valores identitários que resultam do estudo das ciências sociais e que beneficiam, ao tempo, de um caudal imenso de estudos comuns a todos os países da Europa e do mundo, podemos dizer. Neste quadro, saber o que resulta do acumulado cultural, antropológico, literário, artístico, etnográfico, etc., e o que resulta da inspiração ou criação local dos mecanismos implementados pelo Estado Novo, é um desafio investigativo. O livro que tenho estado a analisar não o faz, a meu ver, de modo adequado e esclarecido; cai na tentação fácil de considerar que aquilo que o regime apoia e mobiliza é de sua invenção. Passemos ao caso das paradas, desfiles, museus, grupos de folclore, gabinetes de estudo, feiras, exposições, etc. Por exemplo, a interpretação da parada agrícola como caso sintomático de invenção de tradições por parte do Estado Novo não me parece adequada; o conceito de parada industrial ou agrícola estava estabelecido em muitos países, alguns avançavam já para a criação de reservas étnicas ou preservação de costumes típicos em ambientes permanentes; nem mesmo acho bem que se atribua ao Estado Novo a invenção dos eventos que vão enquadrar as tradições nessas paradas ou exposições ambulantes e efémeras: o palco e as circunstâncias em que se vai fazer a representação do uso ou costume, como, por exemplo, a apresentação e desfile do boi bento, a exibição do modo de namoro, a cavalgada dos feirantes, a lavagem da roupa, a cultura do linho, etc., estavam inventados. Classificar a «Parada» como invenção, como vai ser depois o «desfile etnográfico», ou o «cortejo de oferendas», ou a «feira das colheitas», é, em relação aos estudos que então já circulavam (a maior parte dos quais consta da biblioteca pessoal de Francisco lage, como a autora explica), uma interpretação abusiva. O controle político e cultural e ideológico dos conteúdos exibidos, o controle das gentes envolvidas, com o medo de que possam manifestar-se em sentido diferente, aí, sim, concordo que se possa e deva falar, mas não é o que a autora Maria Barthez faz. Sintomático, é por exemplo, que a autora não confronte fontes de informação que se avançavam sobre as manifestações populares, dentro do campo semântico do Estado Novo e dos seus mecanismos, como, por exemplo, as posições do Conde da Aurora que descreve os carros da Parada como «teorias»: a teoria das vessadas, a teoria do pão, as teorias dos frutos das espadeladas de todo mister do linho… (In Revista Ilustrada de Cultura literária scientífica e artística, vol II nº 10, Porto, 1929. Dizer também que estas experiências de apresentação das teorias na Parada são uma antecipação do que vai ser a «etnografia do regime» do Estado Novo depois de 1935 também não me parece correcto, dado que estas representações eram frequentes e comuns nas festas, nos teatros; a espectacularização das tradições e dos momentos rústicos regionais já andava feita na literatura, entrou para a fotografia, era uma prática comum desde o século XIX em toda a Europa; a representação de quadros de costumes estava já institucionalizada em alguns países, em museus… (a continuar)
Este é o segundo artigo e visa responder à questão das relações entre o Estado Novo e a cultura popular. Já sabe o leitor que estes artigos têm ponto de partida na leitura da obra de Maria BARTHEZ, Memória de Francisco Lage, da prática à teoria, Gradiva, Braga, 2019. A questão de saber determinar como e até que ponto o Estado Novo definiu os caminhos da cultura popular, em termos de propostas conceptuais ou protocolos metodológicos de procedimento, tem de se compreender à luz dos pressupostos ideológicos do poder dominante e dos pressupostos ideológicos das forças de oposição ou de resistência ao exercício desse poder. Correndo o risco de simplificar, sabe-se que o Estado Novo tem um projecto para a sociedade portuguesa e que o vai exercer através de mecanismos institucionais de controle, numa criação de burocracia corporativa, com recurso a instâncias policiais e de censura. As forças de oposição dividem-se em dois campos, um de inspiração totalitária também, mas comunista, digamos, outro de inspiração mais social-democrata, sem adesão ideológica ao modelo dos países então ditos socialistas. O que há de comum entre o poder instituído e as forças de oposição é uma espécie de «ódio à américa» ou à liberdade concebida segundo um modelo de sociedade capitalista. É neste quadro de tomadas de posição, com a criação de movimentos culturais ora na defesa de um nacionalismo mais integrista e personalizadamente renovador ou de outro mais internacionalista e socialmente revolucionário que devemos procurar o esclarecimento da questão supra colocada. Todas as forças em presença investem simultaneamente na defesa de valores identitários que resultam do estudo das ciências sociais e que beneficiam, ao tempo, de um caudal imenso de estudos comuns a todos os países da Europa e do mundo, podemos dizer. Neste quadro, saber o que resulta do acumulado cultural, antropológico, literário, artístico, etnográfico, etc., e o que resulta da inspiração ou criação local dos mecanismos implementados pelo Estado Novo, é um desafio investigativo. O livro que tenho estado a analisar não o faz, a meu ver, de modo adequado e esclarecido; cai na tentação fácil de considerar que aquilo que o regime apoia e mobiliza é de sua invenção. Passemos ao caso das paradas, desfiles, museus, grupos de folclore, gabinetes de estudo, feiras, exposições, etc. Por exemplo, a interpretação da parada agrícola como caso sintomático de invenção de tradições por parte do Estado Novo não me parece adequada; o conceito de parada industrial ou agrícola estava estabelecido em muitos países, alguns avançavam já para a criação de reservas étnicas ou preservação de costumes típicos em ambientes permanentes; nem mesmo acho bem que se atribua ao Estado Novo a invenção dos eventos que vão enquadrar as tradições nessas paradas ou exposições ambulantes e efémeras: o palco e as circunstâncias em que se vai fazer a representação do uso ou costume, como, por exemplo, a apresentação e desfile do boi bento, a exibição do modo de namoro, a cavalgada dos feirantes, a lavagem da roupa, a cultura do linho, etc., estavam inventados. Classificar a «Parada» como invenção, como vai ser depois o «desfile etnográfico», ou o «cortejo de oferendas», ou a «feira das colheitas», é, em relação aos estudos que então já circulavam (a maior parte dos quais consta da biblioteca pessoal de Francisco lage, como a autora explica), uma interpretação abusiva. O controle político e cultural e ideológico dos conteúdos exibidos, o controle das gentes envolvidas, com o medo de que possam manifestar-se em sentido diferente, aí, sim, concordo que se possa e deva falar, mas não é o que a autora Maria Barthez faz. Sintomático, é por exemplo, que a autora não confronte fontes de informação que se avançavam sobre as manifestações populares, dentro do campo semântico do Estado Novo e dos seus mecanismos, como, por exemplo, as posições do Conde da Aurora que descreve os carros da Parada como «teorias»: a teoria das vessadas, a teoria do pão, as teorias dos frutos das espadeladas de todo mister do linho… (In Revista Ilustrada de Cultura literária scientífica e artística, vol II nº 10, Porto, 1929. Dizer também que estas experiências de apresentação das teorias na Parada são uma antecipação do que vai ser a «etnografia do regime» do Estado Novo depois de 1935 também não me parece correcto, dado que estas representações eram frequentes e comuns nas festas, nos teatros; a espectacularização das tradições e dos momentos rústicos regionais já andava feita na literatura, entrou para a fotografia, era uma prática comum desde o século XIX em toda a Europa; a representação de quadros de costumes estava já institucionalizada em alguns países, em museus… (a continuar)
terça-feira, novembro 12, 2019
Chamadas de Santa Cruz 6
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Em Santa Cruz o confronto é com a vida e com o acumulado dela que se extasia nos olhos das pessoas, seja quando se mostram a si próprios, seja quando olham na direcção dos outros ou das coisas e coisas são a arte, são as casas, são os carros, são as paredes, é o comércio, é o bulício urbano.
Entro no lar e os olhos de quem vejo têm uma vida para contar, alguns não contarão mais que não têm voz, ou se a têm já diz deles o que duvidamos que tenham vivido, vá lá a gente entender um cérebro que deu em voar noutras direcções. Mas há palavras ainda suficientes e as há também em excesso até, se as pensarmos como provas de um vivido que se achou limitado pela doença ou pela impossibilidade extemporânea de algum órgão.
Esta semana foi dia de magusto e as castanhas cozidas celebraram duplamente a tradição, fez-se o magusto e fez-se no Lar que teve forma própria de acontecer, como é natural, numa entreajuda permanente de quem pode, numa presença fulgurante dos miúdos do pré-escolar, nas cantigas populares de quatro amigos, no ensaio de passos de dança. Comemos as castanhas naquela lentidão de estarmos juntos.
Mas os os lhos também se viram para fora em Santa Cruz e todo o bulício do Largo diz da cidade o suficiente para se reparar com a indiferença de um costume de ver, de um cansaço de saber que foi sempre assim, pessoas a ir e vir, carros a passar, gente parada à espera. Andar na cidade com uma pessoa em cadeira de rodas é um trabalho de tracção completo, um esforço de pernas e de braços, um contorcionismo de atenção. A gente empurra a cadeira e fala para a pessoa transportada e ela para nós de um jeito que não tem razão alguma de ser, contrariado que é pelas circunstâncias, o frente-a-frente da conversa é agora da frente para trás e de trás para a frente, num esforço de audição sempre exigente. Mas pára-se e atende-se. Tudo tem a paciência.
Andei a semana inteira de livro na mão, com quase nenhum tempo de leitura persistente, toda ela pontual, frase agora, frase logo, uma aqui e outra ali, deixando para casa a consumição inteira dos textos. O livro era de António Cabral, uma reedição dos seus Poemas Durienses, 56 anos depois da primeira edição, com as ilustrações do pintor Nuno Barreto, já falecido, naquele estilo figurado, estampado em linóleo. Os trabalhos em linóleo resultam dessa técnica de escavar numa placa específica, como se fosse madeira, uma imagem invertida daquela que vai sair quando se imprimir numa folha; é uma técnica que se usa nos carimbos, para o ouvinte ficar esclarecido. Pois bem, Nuno Barreto, de quem me lembro bem por ter trabalhado com ele na Casa Museu Nogueira da Silva e por ter escrito algumas páginas sobre a sua pintura, fez para este trabalho poético de António Cabral cinco linóleos significativos da vida social e laboral no douro: o da capa revela o pintor e a sua esposa, em novos, depois, integrados nos poemas, uma imagem referencia o jogo da malha, outra o lavrador contemplando a vinha, outra dois cavadores e na última vemos a oliveira e o pássaro, esta com uma cercadura de grade de igreja ou cemitério ou promontório, geradora de um sentimento de pertença eclesial ou paroquial ou aldeã.
Eu conheci António Cabral, lembro-me dele ainda padre, era eu jovem, e lidei com ele enquanto professor, já casado e com filhas, dava ele aulas em Vila Real no Magistério e eu fora colocado na Escola Diogo Cão, no ciclo preparatório, como então se dizia, onde fiquei dois anos. Nesses dois anos encontrávamo-nos com regularidade no café Pompeia, eu não era íntimo dele, mas ele acabou por ser a pessoa que eu ouvia com atenção e a quem cheguei a mostrar poemas que então escrevi.
Colaborámos depois no primeiro número da revista Tellus, juntamente com Pires Cabral. Li as suas obras, interessei-me particularmente pelos seus livros dedicados aos jogos tradicionais, apresentei obras suas na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga. E hoje, que é sábado, vou apresentar os seus Poemas Durienses, uma obra poética que vai ter como ouvintes muitas pessoas da região duriense e que conheceram muito bem o douro enquanto região vinícola que o António Cabral usou como inspiração. O livro de poemas termina assim: «Paraíso! Paraíso! Oh cântico de pedra à esperança!» É desta esperança que vou falar, para saber até que ponto se concretizou e como, e que orgulho poderá ela ter na obra do poeta que a cantou.
Em Santa Cruz o confronto é com a vida e com o acumulado dela que se extasia nos olhos das pessoas, seja quando se mostram a si próprios, seja quando olham na direcção dos outros ou das coisas e coisas são a arte, são as casas, são os carros, são as paredes, é o comércio, é o bulício urbano.
Entro no lar e os olhos de quem vejo têm uma vida para contar, alguns não contarão mais que não têm voz, ou se a têm já diz deles o que duvidamos que tenham vivido, vá lá a gente entender um cérebro que deu em voar noutras direcções. Mas há palavras ainda suficientes e as há também em excesso até, se as pensarmos como provas de um vivido que se achou limitado pela doença ou pela impossibilidade extemporânea de algum órgão.
Esta semana foi dia de magusto e as castanhas cozidas celebraram duplamente a tradição, fez-se o magusto e fez-se no Lar que teve forma própria de acontecer, como é natural, numa entreajuda permanente de quem pode, numa presença fulgurante dos miúdos do pré-escolar, nas cantigas populares de quatro amigos, no ensaio de passos de dança. Comemos as castanhas naquela lentidão de estarmos juntos.
Mas os os lhos também se viram para fora em Santa Cruz e todo o bulício do Largo diz da cidade o suficiente para se reparar com a indiferença de um costume de ver, de um cansaço de saber que foi sempre assim, pessoas a ir e vir, carros a passar, gente parada à espera. Andar na cidade com uma pessoa em cadeira de rodas é um trabalho de tracção completo, um esforço de pernas e de braços, um contorcionismo de atenção. A gente empurra a cadeira e fala para a pessoa transportada e ela para nós de um jeito que não tem razão alguma de ser, contrariado que é pelas circunstâncias, o frente-a-frente da conversa é agora da frente para trás e de trás para a frente, num esforço de audição sempre exigente. Mas pára-se e atende-se. Tudo tem a paciência.
Andei a semana inteira de livro na mão, com quase nenhum tempo de leitura persistente, toda ela pontual, frase agora, frase logo, uma aqui e outra ali, deixando para casa a consumição inteira dos textos. O livro era de António Cabral, uma reedição dos seus Poemas Durienses, 56 anos depois da primeira edição, com as ilustrações do pintor Nuno Barreto, já falecido, naquele estilo figurado, estampado em linóleo. Os trabalhos em linóleo resultam dessa técnica de escavar numa placa específica, como se fosse madeira, uma imagem invertida daquela que vai sair quando se imprimir numa folha; é uma técnica que se usa nos carimbos, para o ouvinte ficar esclarecido. Pois bem, Nuno Barreto, de quem me lembro bem por ter trabalhado com ele na Casa Museu Nogueira da Silva e por ter escrito algumas páginas sobre a sua pintura, fez para este trabalho poético de António Cabral cinco linóleos significativos da vida social e laboral no douro: o da capa revela o pintor e a sua esposa, em novos, depois, integrados nos poemas, uma imagem referencia o jogo da malha, outra o lavrador contemplando a vinha, outra dois cavadores e na última vemos a oliveira e o pássaro, esta com uma cercadura de grade de igreja ou cemitério ou promontório, geradora de um sentimento de pertença eclesial ou paroquial ou aldeã.
Eu conheci António Cabral, lembro-me dele ainda padre, era eu jovem, e lidei com ele enquanto professor, já casado e com filhas, dava ele aulas em Vila Real no Magistério e eu fora colocado na Escola Diogo Cão, no ciclo preparatório, como então se dizia, onde fiquei dois anos. Nesses dois anos encontrávamo-nos com regularidade no café Pompeia, eu não era íntimo dele, mas ele acabou por ser a pessoa que eu ouvia com atenção e a quem cheguei a mostrar poemas que então escrevi.
Colaborámos depois no primeiro número da revista Tellus, juntamente com Pires Cabral. Li as suas obras, interessei-me particularmente pelos seus livros dedicados aos jogos tradicionais, apresentei obras suas na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga. E hoje, que é sábado, vou apresentar os seus Poemas Durienses, uma obra poética que vai ter como ouvintes muitas pessoas da região duriense e que conheceram muito bem o douro enquanto região vinícola que o António Cabral usou como inspiração. O livro de poemas termina assim: «Paraíso! Paraíso! Oh cântico de pedra à esperança!» É desta esperança que vou falar, para saber até que ponto se concretizou e como, e que orgulho poderá ela ter na obra do poeta que a cantou.
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terça-feira, outubro 29, 2019
As contas que vão ficando por fazer: o Estado Novo e a cultura popular (1)
Está na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, uma exposição que deveria passar por Braga, assim deixo esta recomendação às autoridades da cultura municipal local. Trata-se da exposição «Sarah Affonso e a Arte Popular do Minho», a artista modernista (1899-1983), casada com Almada Negreiros, cujos trabalhos decorrem dessa fonte de inspiração que denominamos o folclore , o qual terá marcado profundamente a sua vivência em Viana do Castelo entre 1904 e 1915.
(Foto de: Sarah Affonso, Estampa Popular (Casamento na Aldeia), 1937
Óleo sobre tela, Museu Calouste Gulbenkian, tirado de: https://www.pontedelimacultural.pt/actualidade-subpag.asp?t=paginas&pid=2038)
Na mesma data de Sarah Affonso, nasceu em Braga Francisco Martins lage, cuja memória de vida é lembrada e estudada em livro da autoria de Maria Barthez, editado neste corrente ano pela Gradiva, com o título Memória de Francisco Lage, da prática à teoria.
https://www.fnac.pt/Memoria-de-Francisco-Laje-Maria-Barthez/a7142680 |
O que poderá haver
de comum entre as duas obras que acabei de referir é tudo de quanto hoje se
ocupam os animadores culturais que tomaram o folclore como fonte inspiradora ou
como recurso temático ou como representação cultural.
No cruzamento das duas
obras vai ficar durante 41 anos o Estado Novo e as suas políticas culturais,
como também continua a estar a democracia que já leva 45 anos de regime, ou
seja, Sarah Affonso e Francisco lage são assuntos paradigmáticos para nos
percebermos e para nos considerarmos, nós os do Minho ou que aqui vivemos, uns
privilegiados enquanto objectos de estudo, de pintura, de representação.
Quem
vir a exposição e quem ler o livro de Maria Barthez há-de, certamente,
questionar-se sobre, pelo menos, cem anos do nosso desenvolvimento cultural.
Uns irão ficar com muitas certezas, outros com muitas dúvidas, especialmente os
que lerem o livro acerca das dinâmicas culturais de Francisco Lage e das suas
relações com o SPN/SNI (Secretariado da Propaganda Nacional / Serviço Nacional
de Informações), onde esteve quase sempre integrada a sua acção enquanto
profissional da animação cultural institucionalizada.
Vou dedicar alguns
artigos a este assunto. Francisco Martins Lage nasceu em Braga, na freguesia de
São Lázaro em 19 de Dezembro de 1899, filho natural de Maria Angelina de Sousa
Machado, empregada, serviçal, de José António Martins Lage; são referidos os
avós maternos (Joaquim Sousa Machado e Maria Teresa Gonçalves), mas não são
referidos os paternos. Estudou no Liceu Sá de Miranda, fazendo a quarta classe
em 1907, com 8 anos, e em 1911 foi para Lisboa estudar teatro, terminando o
curso de arte dramática em 1913 com elevada classificação. Em 1920 Lage casou
com Grácia da Purificação Pedreira de Almeida, sem descendência. O pai era
capitalista e foi sócio da empresa A
Bracarense (empresa de tecelagem de paramentos, mas que em 1926 o filho
orientou para a tecelagem civil; a empresa encerrou em 1930). O primeiro artigo
de Francisco Lage foi publicado em 1916 na revista Terra Portuguesa sobre «cobertas estampadas». Afirmou-se como
dramaturgo, autor de peças com temática regionalista, sobre o mundo rural, sobre história, e como etnógrafo, sendo
considerado à época «uma das pessoas que mais sabia, entre nós de folclore e
etnografia».
Em Braga, a partir de 1926 escreveu para o Correio do Minho; exerceu o cargo de vogal da Comissão
Administrativa da CMB. Em 1929 relacionou-se com António Ferro e neste mesmo
ano organizou a parada etnográfica e agrícola no âmbito das festas de S. João
(3 mil figuras, duzentos carros, 2 quilómetros de ruas da cidade) e o III
Congresso do Minho e Feira das Amostras da Província, em Viana do Castelo. A
parada foi considerada espectáculo de
grandeza comovedora e teve representação de usos e costumes ligados à vida
rural, segundo o calendário agrícola. Exemplos de carros: o carro das podas, o
carro da pruma, o carro do tojo, o do sargaço, o do pão, o da casa, o do linho,
o da lã…
Em 1929, Francisco Lage estava apostado em «tornar Braga uma cidade
moderna» (p. 27); ora é precisamente sobre este desiderato que se deve colocar
a questão: porquê mobilizar os quadros da sociedade rural para tornar uma
cidade mais moderna? Porquê mobilizar para a modernidade a entrada de todas as
obras entretanto elaboradas no âmbito da etnografia e da antropologia como
valor patrimonial, como arquivo, como «objectos a salvaguardar? Porque era
assim que procediam as cidades modernas pelo mundo fora? Lage queria fazer o
que de mais progressivo se fazia no estrangeiro e vai daí… fez como sabia que
se fazia: mobilizar a sedimentação cultural do mundo rural e despejá-la na
modernidade desejada. Como? Em Museus, em Paradas, em Desfiles, em Exposições,
em Indústrias Culturais…
(a continuar)
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sábado, outubro 19, 2019
Viagens de ida e volta
Viaja pelo país e viaja pelos países, aprenderás e cansarás, reterás o que te for útil em tempo breve, recordarás mais tarde quando te presumires conhecedor de relatividades. Ulisses andou vinte anos por fora e tudo terá visto e conhecido, não disse a história de quanto tempo precisou para contar tudo e de quanto terá precisado para saber o que se passou em sua ausência. Desde aí ficámos com a ideia de que a viagem é que interessa, o ficar no mesmo lugar por anos assume-se como redutor e da curiosidade de quem partir é que se faz conversa. Não serão bem assim as voltas da viagem, quem ficou a cuidar de terras e bens e pessoas muito terá a contar a quem partiu e regressou para o saber. De quem parte e não regressa mais, é que importará sempre prevenir, e ir ao encontro das razões que o não fizeram retomar a origem. Mas pode ser que a ideia de vir saber o que deixou, um dia o traga. Acontece que viajam também as ideias, e essas têm quem nas leve e quem nas traga, seja por necessitados de caminho, seja por curiosos e aventureiros. As ideias e as histórias, essas e estas é que precisam de viagem. Mesmo à volta de nosso quarto, seja o mesmo que dizer à volta de nossa própria cabeça. Se calha é mesmo por isso que temos o ouvido da leitura, que o da conversa também nos recolhe recursos, mas o outro é um acelerador de tempêros. Daqui a pouco estou que concluirei até, saindo ou não saindo, andando com leituras em mão, sempre se viaja o que é preciso. Mas os olhos é que precisam de paisagem, dirás e eu aceito.
quarta-feira, outubro 16, 2019
Retomar caminho
Sempre a prometê-lo e a dizê-lo aos amigos, que aqui viram caminhos trilhados com algum interesse, acho que este ano vou cumprir, ou seja, vou retomar esta escrita de têmpera, para treinar a mão e desencadear a sedimentação das emoções. Este ano escolar vou exercê-lo sem componente lectiva e espero não o terminar porque entretanto virá da Caixa Geral de Aposentações a minha alforria docente, espero bem. Manterei na escola, na Rádio Francisco Sanches uma colaboração com crónicas dispersas, ainda que reunidas sob o título de Chamadas de Santa Cruz, explicação que darei depois. Para já, deixo aqui a 3ª crónica.
Chamadas de Santa Cruz 3 - a escola de meu pai - programa de 19 de Outubro de 2019
Todos os dias, comunico, de Santa Cruz, por telefone, com meu pai que
está em Lisboa, integrado num lar, muito perto de seus filhos, que o visitam e
assistem. Tem 92 anos, nasceu em Nogueira, Vila Real, terra que tem, entre
outras instituições, uma antiga e afamada Banda de Música, onde tocou um irmão
seu e mais tarde um sobrinho, hoje maestro da Banda da Ericeira, se não me
engano.
O meu pai tem da escola, que fez só até à quarta classe, uma visão exponencialmente positiva, e digo exponencialmente porque a sua admiração pelo seu professor primário, assim ele diz e se dizia, já falecido, cresce sempre que recorda os tempos da escola e sobretudo os conhecimentos que lhe ficou a dever pela vida fora. Foi o professor Ramos, natural de Celorico de Basto, esteve em Nogueira alguns anos, hospedado na casa da tia Maria dos Anjos, boa cozinheira.
Meu pai criou 9 filhos, cinco raparigas e quatro rapazes, com a ideia arreigada de que a escola faria por eles, por nós, um complemento de formação e de educação que ele não teria podido obter na sua infância. Meu pai nasceu em 1927, andou na escola dos sete aos dez, portanto de 1934 a 1937, tempos que é preciso ir ler à história como foram e que acontecimentos os marcaram, não só para confirmar e ampliar as memórias que meu pai narra, mas sobretudo para calcular melhor o horizonte das suas vivências escolares. Aprendeu a ler, a escrever e a contar, com conhecimentos de matemática e de história que hoje nos provocam a estupefacção: meu pai aprendeu até ao fim da quarta classe tudo quanto lhe fez falta para ser ajudante de comércio no Porto numa drogaria, depois escriturário e fiel de armazém e director dos escritórios nas Minas de Jales. Na tropa fez um brilharete ao que conta sobre ajudas e esclarecimentos que prestou às mais variadas patentes superiores.
Na escola primária, a partir da terceira classe, meu pai foi professor de adultos, é verdade, conta ele e eu ainda ouvi pessoas da sua aldeia a confirmarem-no, que o professor lhe entregava uma classe de adultos, uma classe nocturna, para ele os ensinar a ler e lhes aplicar as contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir, além dos ditados e da correcção e erros de escrita.
Mas o que mais me surpreendeu sempre na narrativa escolar de meu pai foi ele dizer, e localizar o púlpito de onde o fazia, que lia o jornal «O Primeiro de Janeiro» em voz alta para toda a aldeia, ali no muro da botica. «João, lê as notícias da guerra, lê alto». E ele era um papagaio, lia tudo, corria então a guerra civil espanhola. Pois foi esse mesmo jornal que meu pai assinou diariamente durante a minha infância, foi nele que aprendi a ler, foi nele que tive contacto com os quadradinhos, com a banda desenhada do Príncipe Valente. Minha mãe não perdia notícias sobre as famílias reais por essa Europa fora e meu pai lia o jornal à mesa, enquanto comia, ao jantar, sempre atento a nós e aos outros, como dizia a minha mãe.
Que a sua escolaridade foi de papaguear conhecimentos, tabuadas, rios e serras, fórmulas de cálculo, classes de palavras e funções sintácticas?, isso verifiquei eu, depois, que ele tudo integrou na sua memória, e de tudo fez proveito.
Meu pai comprou e instalou na sala de costura de nossa casa em Jales um quadro preto, de dimensões mais reduzidas que o quadro escolar, mas com o mesmo giz e o mesmo pano apagador. Nesse quadro fiz eu centenas de contas e meus irmãos também; meu pai entrava no quarto e punha uma conta no quadro, eu ia e fazia, ele verificava e punha outra; à tarde, antes de jantar, ditava problemas e assistia à resolução. Meu pai tinha uma caligrafia escorreita, muito certinha, inclinada para a frente, escrevia com velocidade e sem gatafunhar, ideias claras, pontuação adequada. Guardo as cartas que me escreveu a partir da minha saída da aldeia, para continuar estudos.
A preparação escolar de meu pai era assunto falado na empresa e muita gente o apontava como instruído e homem de discurso, prova que deixou feita no clube desportivo, nas festas, nos casamentos, nas cerimónias de ilustração que havia a cada passo na empresa e na nossa terra.
Chamadas de Santa Cruz 3 - a escola de meu pai - programa de 19 de Outubro de 2019
O meu pai tem da escola, que fez só até à quarta classe, uma visão exponencialmente positiva, e digo exponencialmente porque a sua admiração pelo seu professor primário, assim ele diz e se dizia, já falecido, cresce sempre que recorda os tempos da escola e sobretudo os conhecimentos que lhe ficou a dever pela vida fora. Foi o professor Ramos, natural de Celorico de Basto, esteve em Nogueira alguns anos, hospedado na casa da tia Maria dos Anjos, boa cozinheira.
Meu pai criou 9 filhos, cinco raparigas e quatro rapazes, com a ideia arreigada de que a escola faria por eles, por nós, um complemento de formação e de educação que ele não teria podido obter na sua infância. Meu pai nasceu em 1927, andou na escola dos sete aos dez, portanto de 1934 a 1937, tempos que é preciso ir ler à história como foram e que acontecimentos os marcaram, não só para confirmar e ampliar as memórias que meu pai narra, mas sobretudo para calcular melhor o horizonte das suas vivências escolares. Aprendeu a ler, a escrever e a contar, com conhecimentos de matemática e de história que hoje nos provocam a estupefacção: meu pai aprendeu até ao fim da quarta classe tudo quanto lhe fez falta para ser ajudante de comércio no Porto numa drogaria, depois escriturário e fiel de armazém e director dos escritórios nas Minas de Jales. Na tropa fez um brilharete ao que conta sobre ajudas e esclarecimentos que prestou às mais variadas patentes superiores.
Na escola primária, a partir da terceira classe, meu pai foi professor de adultos, é verdade, conta ele e eu ainda ouvi pessoas da sua aldeia a confirmarem-no, que o professor lhe entregava uma classe de adultos, uma classe nocturna, para ele os ensinar a ler e lhes aplicar as contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir, além dos ditados e da correcção e erros de escrita.
Mas o que mais me surpreendeu sempre na narrativa escolar de meu pai foi ele dizer, e localizar o púlpito de onde o fazia, que lia o jornal «O Primeiro de Janeiro» em voz alta para toda a aldeia, ali no muro da botica. «João, lê as notícias da guerra, lê alto». E ele era um papagaio, lia tudo, corria então a guerra civil espanhola. Pois foi esse mesmo jornal que meu pai assinou diariamente durante a minha infância, foi nele que aprendi a ler, foi nele que tive contacto com os quadradinhos, com a banda desenhada do Príncipe Valente. Minha mãe não perdia notícias sobre as famílias reais por essa Europa fora e meu pai lia o jornal à mesa, enquanto comia, ao jantar, sempre atento a nós e aos outros, como dizia a minha mãe.
Que a sua escolaridade foi de papaguear conhecimentos, tabuadas, rios e serras, fórmulas de cálculo, classes de palavras e funções sintácticas?, isso verifiquei eu, depois, que ele tudo integrou na sua memória, e de tudo fez proveito.
Meu pai comprou e instalou na sala de costura de nossa casa em Jales um quadro preto, de dimensões mais reduzidas que o quadro escolar, mas com o mesmo giz e o mesmo pano apagador. Nesse quadro fiz eu centenas de contas e meus irmãos também; meu pai entrava no quarto e punha uma conta no quadro, eu ia e fazia, ele verificava e punha outra; à tarde, antes de jantar, ditava problemas e assistia à resolução. Meu pai tinha uma caligrafia escorreita, muito certinha, inclinada para a frente, escrevia com velocidade e sem gatafunhar, ideias claras, pontuação adequada. Guardo as cartas que me escreveu a partir da minha saída da aldeia, para continuar estudos.
A preparação escolar de meu pai era assunto falado na empresa e muita gente o apontava como instruído e homem de discurso, prova que deixou feita no clube desportivo, nas festas, nos casamentos, nas cerimónias de ilustração que havia a cada passo na empresa e na nossa terra.
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