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quinta-feira, novembro 19, 2020

Vou contar a minha vida de professor

 Chamadas de Santa Cruz – Programa de 15 de Novembro de 2020

(A Rádio Francisco Sanches, uma iniciativa do Agrupamento de Escolas Francisco Sanches, em Braga, passou a ser quinzenal; corre na Antena Minho, ao sábado, das 11:00 ao meio-dia. Colaborador desde o início, continuarei a participar com esta rubrica) 

Aceito de bom grado continuar presente na Rádio Francisco Sanches, enquanto a direcção do programa assim o entender, dando continuidade à forma e ao estilo de crónica, agora quinzenal, e mantendo a identidade de Chamadas de Santa Cruz. Para quem começar a ouvir-me a partir deste programa, faço notar que ando nesta rádio desde a fundação da mesma, primeiro comecei com a crónica Cascas e Aparas e depois com as Chamadas de Santa Cruz, que vou manter. O objectivo desta crónica é manter uma reflexão escolar e educativa a partir das minhas vivências e do meu investimento na formação docente, como a vivi ao longo de 44 anos, até me aposentar desde Janeiro deste ano. O facto de me encontrar aposentado diminuiu a carga das preocupações disciplinares, mas redobrou a das reflexões e a das memórias escolares. 

Comecei no ensino em Janeiro de 1975, tinha 22 anos. A revolução e Abril fora em 1974, eu era então um aluno da Faculdade de Filosofia de Braga, escola da Universidade católica, tinha já o grau de bacharel, o que permitia concorrer para o ensino, estava no quarto ano de um curso de cinco anos e já pensava na tese a apresentar em final de licenciatura. Fui colocado em Vila Nova de Famalicão na Escola Industrial e Comercial, hoje com outro nome, dando aulas de português a alunos mais velhos do que eu, de um modo geral, pois, no ensino nocturno de alguns cursos estavam matriculados estudantes trabalhadores, muitos deles já casados e com família constituída. Comecei a carreira docente como professor provisório, sem fazer a ideia do que era um professor efectivo ou do quadro, coisa que pedi que me explicassem numa assembleia-geral, processo então corrente de gerir e estar na escola. 

O ambiente que então se vivia nas escolas era de contestação permanente, de revolução em acção, de discussão crítica, de experimentação, de debate continuado sobre tudo e mais alguma coisa. Eu, na altura, era militante de um célebre partido político, situado e identificado na extrema-esquerda por todos os outros partidos. A mudança de regime político em Portugal, passando-se de uma ditadura para uma democracia, estava em construção e tudo se estava a aprender a fazer. Discutir, reivindicar, exigir, contestar as ideias feitas e já experimentadas em tempo de ditadura, cortar com tradições de ser e de estar. Reinventar o homem novo, tal era o espírito de missão que se vivia nas escolas. Toda a atmosfera das aprendizagens sociais e culturais se fazia em bolhas políticas, sempre em colisão no espaço escolar: conservadores eram desafiados pelos revolucionários, reformadores eram contestados pelos conservadores e pelos revolucionários, revolucionários eram contestados por todos. Os consensos obtinham-se muitas vezes em cansaço de discussão e o bom senso que acabava por imperar era sempre de transição. Nas salas de aulas, tudo era invadido pela política, o marxismo ou o que dele se pensava que fosse, estava na ordem do dia como metodologia de estudo e de abordagem do que quer que fosse. Em Janeiro de 1975 os meus alunos ficaram a saber que tinham um professor identificado na extremidade do espectro político, mas ficaram também a saber que tinham um professor disponível para dialogar, ouvir, debater, aceitar as divergências e ensinar do modo mais objectivo e sustentado possível. 

Hoje, à distância, só posso reforçar a conclusão que na altura tomei: nunca se está preparado para ser professor, ser professor requer a formação continuada, a busca de técnicas e de saberes que auxiliem a progressão diária, que ajudem a consolidar um método de estudo e de aprendizagem. Eu vou-vos falar das minhas aprendizagens ao longo de uma carreira que dediquei com todo o entusiasmo aos alunos. 

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