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quarta-feira, abril 29, 2020

AUGUSTO CANÁRIO

Augusto Canário lançou recentemente, por essa via de confinamento COVID19 que este começo de ano 2020 se tornou viral em termos de organização do que quer que seja que precise de público e de ser publicamente partilhado a História Biográfica do Cantador ao Desafio Augusto Canário. Já um pouco antes lançara um folheto de cordel VIA SACRA - «VIA CRUCIS». Qualquer leitor calculará que estas obras estão produzidas em verso, numa organização estrófica que vai da quadra à décima. Para a primeira obra, a sua biografia em quase duzentas páginas, escrevi um texto sobre o poeta e cantador. Aqui fica:

AUGUSTO CANÁRIO  é um sujeito da criação cultural instrumental e poética, seja na qualidade de artista individual, seja na de líder de um grupo, seja na de colaborador ou convidado de projectos múltiplos. A demonstração das suas capacidades de repentista, ou improvisador, tem já mais que suficientes provas dadas, na modalidade formal do desafio ou desgarrada, na composição estrófica da tirada tradicional, na criação poética de texto ou livreto, na assimilação de modelos diferenciadores da poética popular na lusofonia, na de animador cultural de eventos, na de jurado de concursos, na de cidadão comprometido com momentos conviviais, momentos festivos e momentos religiosos. 

Este homem assumiu a continuidade de processos culturais já sedimentados na longa tradição, mas sempre requerentes de um refazer cultural que assegure a sua dinâmica criativa e a sua actualização repertorial, conforme ao tempo e às suas circunstâncias. Nos caminhos da cultura portuguesa e das suas manifestações várias - no interior de uma escala que pode balizar-se entre o chão de terra batida e o altar, entre a linguagem do quotidiano e a expressão erudita, entre o discurso de sobrevivência e o da intervenção política - Augusto Canário concebe a sua produção artística na consciência plena das suas capacidades, sem recear a intromissão em formas e modos de maior exigência de composição. As suas quadras, sextilhas, sétimas, oitavas e décimas que constam deste folheto de cordel ficarão a servir uma biografia de conveniência etária, sem dúvida, mas completamente exposta a um sentimento de orgulho no tempo que é o seu e o nosso, de gratidão aos muitos países já percorridos para testemunhar uma representação lusíada, de compromisso com os auditórios e de lealdade a valores civilizacionais que o configuram como sujeito criador. 

Bem-haja e longos anos lhe acrescentem motivos para, em feiras, festas, romarias, livrarias e palcos, pendurar em cordas as suas impressões de alma.
Créditos da Foto

quarta-feira, abril 22, 2020

Em tempo de COVID19 - a invenção dos dias II


1. Largo Carlos Amarante em Braga: aqui estão concentradas as nossas obrigações de cuidado com os mais velhos, que são três pessoas, os pais e a tia de minha esposa, os nossos mais queridos. Estão no Lar da Irmandade de Santa Cruz, ali ao lado da Igreja com o mesmo nome, que se encontra em ligação interior com o próprio Lar. A Irmandade foi fundada em 1581, tem o estatuto de instituição hospitalar e o seu Lar de Idosos é dos maiores e mais antigos da cidade. Foi o Lar que escolhemos para, primeiro, assistir a minha sogra que deixou de andar e começou a apresentar necessidades de cuidados de saúde específicos. Um ano depois, uma tia nossa, irmã de minha sogra, viúva, sem filhos, à nossa guarda por relação de amizade e de família e de vontade própria, começou a apresentar um quadro de saúde a exigir muitos cuidados. Qualquer pessoa que nos pergunte por que razão não podemos assistir os nossos familiares em nossa casa, como seria nossa vontade, os nossos argumentos esclarecem e justificam. Entretanto meu sogro, ainda com muita autonomia, que vivia sozinho em sua casa e que conseguia resolver o seu quotidiano, manifestou sinais de perturbação de movimentos e de orientação de vida. Caiu em casa e acelerou uma tomada de decisão. Foi para o Lar, para junto de sua esposa e geria bem a sua autonomia de movimentos: saía para a cidade, para tomar o seu café e conversar. Nós íamos ao Lar todos os dias, disponibilizávamos o nosso apoio aos familiares e a outros utentes do Lar, eu próprio iniciei um programa de animação ou de entretenimento. Tudo interrompido a 7 de Março, à noite, pois dia 8 já não pudemos entrar e desde aí nos mantemos à distância de um telemóvel e de contactos com o provedor e com os técnicos de enfermagem. Não temos queixas senão as do afastamento de visitas e de apoios pessoais. Compreendemos todas as razões, mas do que lemos e cuidamos saber, algumas alterações deveriam ser exequíveis. Aguardamos.
2. Destes dias intensos nas redes sociais, com indicação estatística de uma média de 3 a 4 horas diárias - o que nos parece pouco pelo que sabemos de outros próximos - tudo nos tem preocupado e pouco nos tem servido de alívio, a não ser o nosso «neto» sobrinho que passa quase todo o dia connosco. Não fosse a sua vitalidade de crescimento e penaríamos a tristeza como condição imposta. Assim, entre brincar e cuidar e alimentar e adormecer a criança, tudo se abrilhanta em termos de esperança futura. Vou inventando tons e dons de o entreter e levar ao sossego de sonos temperados:

Meu menino é pequenino
Tem soninho quer dormir
Vou chamar pelos anjinhos
Para o virem assistir
Para o virem assistir
P'ra lhe virem dar a mão
Meu menino é pequenino
Precisa de dormição

(saiu-me a palavra e já fui pelo seu contexto etimológico e cultural e a surpresa da dormição de Nossa Senhora apareceu no caminho do sentido, depois a dormição de S. João, e a de S. José e, porventura a de outros que tenham tido o sono como revelação) 


Meu menino é pequenino
Tem soninho quer nanar
Vou chamar pelos anjinhos
Para o virem sossegar
Para o virem sossegar
P'ra lhe virem dar a mão
Meu menino é pequenino
Precisa de dormição.

Meu menino é pequenino
Ele quer adormecer
Vou chamar pelos anjinhos
Para o virem entreter
Para o virem entreter
P'ra lhe virem dar a mão
Meu menino é pequenino
Precisa de dormição

(canto isto em várias melodias e por improviso de cadências. Afinal, qualquer melodia tem uma função de induzir o sono, assim se repita e se module expressivamente a voz ou o assobio. Cantando, o rapaz sossega e deixa-se levar para os braços de Morfeu)

3. Nas redes sociais, marcamos presença no Facebook, em postagens de cronologia, em comentários, em leituras de curiosidade, na gestão de páginas. Mas que ocupação é esta e de que natureza decorre? É a da conversa entre amigos e deriva da mesma função que lhe dava o encontro pessoal nas ruas, nos lugares de trabalho, nos momentos de surpresa, nas efemérides e celebrações, nos telefonemas e nas cartas. A rede virtual une e congrega, enche o tempo, seduz a curiosidade e a necessidade de informação, espevita o comentário e a participação cívica, entretém e ajusta conveniências de sentido. Por falar em rede virtual, sugiro ao leitor a poesia de João Luís Barreto Guimarães. Gosto de ler e de comentar os poemas. Também sugiro os textos de um padre missionário, o padre Tony Neves, o leitor que goste de pensar numa perspectiva que inclua o religioso como valor só terá a ganhar. E sugiro os textos críticos e pertinentes de António Mota, meu amigo de longa data.

4. O texto já vai longo. As irritações com a gestão política do Covid 19 marcam os dias, não por gerarem aquele mínimo de informação credível que se consegue descortinar, mas por serem comunicadas numa ansiedade de quanto pior, melhor, resumindo a coisa que é a angústia de ouvir e de esperar resultados. No contexto das vivências da pandemia impostas a todo,s sobressaiu a questão da celebração do 25 de Abril naquele figurino de quem acha que é dono e senhor da data e vai daí corre os opositores à violação do regrado geral dos cidadãos a golpes de inimigo absoluto. A emergência de discursos de moralismo violentamente antidemocrático e de orientação social-fascista - para usar um conceito que me ficou da militância revolucionária que vivi e abandonei cedo - parece estar a querer tirar frutos desta árvore estranha que ainda não amadureceu de todo, mas já deu a indicar que veio para perturbar a ordem local e global das nações, o coronavírus COVD19. A que é que precisamos de resistir nesta calma perturbada dos dias? É o que escreverei de seguida.

sexta-feira, abril 03, 2020

Em tempo de COVID19, a invenção dos dias

 1. No dia 8 de Março ficamos impedidos de visitar os nossos familiares residentes no Lar. Este acontecimento, hoje devidamente integrado na nossa compreensão do fenómeno COVID19 toma-se como início de uma quarentena dos laços mais íntimos e mais comprometidos que nos sustentavam os dias. Três dias mais tarde, decidimos a quebra dos laços sociais com a associação cultural a que pertencemos e desde aí passamos a permanecer no chamado isolamento ou quarentena de reacção pública ao Covid 19. Mantemos a ligação familiar que já trazíamos de uns meses a esta parte, somos nós e mais os pais do Francisco, nosso sobrinho neto que nasceu a 23 de Outubro passado.

2. Uma das minhas tarefas é adormecer o Francisco, cantando-lhe o que me vem à cabeça, num acumulado de melodias que vão e vêm, consoante me inscrevo num ritmo mais lento ou mais vivo que o desperte ou o adormeça, que o entretenha ou o sossegue. Vou criando poéticas à medida que repito os embalos. Aqui deixo uma poética que criei ao estilo alentejano, homenageando nela as influências de Chico Rato, um alentejano de Évora e da Barrada, terra onde meu grupo cultural já se deslocou várias vezes para celebrar a festa à Imaculada Conceição, a 8 de Dezembro.

Levo o meu menino ao colo
P'ra lhe mostrar as estrelas
Que eu quero que ele mais logo
Saiba como acendê-las.
Saiba como acendê-las
E dar-lhes brilho maior
Levo o meu menino ao colo
P'ra ele dormir melhor

Levo o meu menino ao colo
P'ra lhe mostrar o jardim
Que eu quero que ele mais logo
Colha ramos de alecrim
Colha ramos de alecrim
P'ra trazer à sua mãe
Levo o meu menino ao colo
Para ele dormir bem

Levo o meu menino ao colo
Que é o meu divertimento
Que eu quero que ele mais logo
Dê por merecido o meu tempo
Dê por merecido o meu tempo
E colha no chão firmeza
Levo o meu menino ao colo
Já tenho um estrela acesa

3. Nos intervalos, uma vez por dia e normalmente de manhã, saio para as compras do pão e dos legumes, aqui no prédio, em café e em mercadinho que se mantêm abertos e com a melhor das disponibilidades e dos cuidados. Uma vez por semana, vou com a esposa ao supermercado. Telefonamos para o Lar e mantemo-nos informados, crescendo a pena e a tristeza no fim de cada chamada. Ao meu pai telefono frequentemente, ele que também está num Lar em Lisboa, embora agora estivesse previsto regressar a casa de uma filha, o que se fará logo que as condições externas se possam executar. De leituras e consultas nas redes virtuais deixo as marcas nesse território em comentários e em reflexões, em fotografias e em ícones de ocasião. Mantenho uns exercícios de escrita à volta de estudos e de trabalhos que já andavam começados. De minha esposa tenho tido todas as preocupações partilhadas. O menino é a nossa centralidade e os pais dele são a nossa companhia compensadora.

4. Estamos a 3 de Abril e há ainda muito que dizer do que vivemos e do que havemos de esperar.