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segunda-feira, março 27, 2006

Avaliação crónica

Os alunos precisam de estudar mais

O aluno precisa de estudar mais – eis o chavão mais empregado nos conselhos de turma, eis a receita mais vezes induzida nas conversas sobre os resultados escolares dos alunos. Esta frase feita é aquela que melhor traduz o que pensamos e aquela que mais esconde o que achamos que queremos dizer, mas tão cedo não arranjaremos outra, a menos que mudemos de estilo e de perspectiva de análise. Quando dizemos que o aluno precisa de estudar mais estamos a dizer que ele precisa de dedicar mais tempo à escola, que precisa de levar a sério as tarefas escolares, que precisa de estar mais atento, que precisa de realizar mais exercícios, enfim, que precisa de saber aquilo que lhe perguntamos quando lho perguntamos e da forma que o queremos saber; mas estamos também a dizer que o aluno precisa de demonstrar um comportamento escolar adequado ao nosso estilo de ensinar: o aluno precisa de estudar mais, quer dizer que nos deve dar mais atenção, que deve comportar-se melhor em aula, que não deve falar a torto e a direito, nem a despropósito nem a divertir os outros, que deve acatar as recomendações docentes, que deve cumprir os trabalhos de casa, que deve modificar atitudes de rebeldia ou de exibicionismo, enfim, que deve possuir uma atitude escolar, que deve mostrar-se imbuído do «método escolar», entendendo-se por «método escolar» o conjunto das atitudes e dos comportamentos que revelam as práticas de aprendizagem, desde o uso das terminologias disciplinares até à demonstração de um interesse continuado pelo seu desenvolvimento e pela sua progressão. Então o que é que fazemos depois aos alunos que precisam de estudar mais? Arranjamos-lhes, está bom de ver, mais tempo de estudo, normalmente organizando-lhes um horário de apoios escolares disciplinares, ou organizando-lhes um serviço de apoio em regime de tutoria com um professor, ou indicando-lhes uma consulta ao psicólogo escolar. Este sistema instalado dá alguns resultados, melhora os comportamentos de alguns alunos, implica mais tempo de contacto com as matérias disciplinares, portanto, intensifica a frequência de uso dos conceitos e das terminologias. Este método está esgotado? Nem digo que sim nem que não, mas não lhe auguro grande futuro, nem lhe gabo as potencialidades. Ao fim e ao cabo, esta técnica é a velhinha técnica do recurso às explicações, tem portanto algumas vantagens e alguns defeitos desta. «Mais do mesmo» - eis em que consiste este recurso escolar que aconselhamos a quem não tira os resultados positivos.
Num contexto de diversão e de entretenimento, num contexto de aula em turbilhão e em rebuliço, num contexto de horários saturantes, num contexto de mistura de áreas disciplinares e não disciplinares, num contexto de agora a sério daqui a pouco a brincar, num contexto de truques e subterfúgios para evitar a concentração e a atenção, num contexto de desculpas e fuga aos trabalhos de escrita e de produção pessoal, esta técnica de recomendar mais estudo acaba por ter o mérito de ser ao fim e ao cabo uma espécie de castigo sob a capa generosa da recomendação ou do conselho. Já estamos tão viciados na fórmula que nem pensamos nos vícios que ela tem e basta acoplar-lhe essa outra fórmula da maior responsabilização dos pais e encarregados de educação para nos sentirmos de consciência tranquila: a bola está sempre do outro lado, cabe ao aluno o ónus da prova, tudo o que falta é ele que o deve restituir. Há neste jogo uma espécie de regresso aos terrenos primitivos do merecimento pessoal, aos hábitos puros do trabalho e da dedicação, aos cumprimentos honestos de tarefas e obras, à dignificação da luta pela sobrevivência, ao esforço individual, tanto mais nobre quanto mais físico, como meio de ascensão social.
Em terrenos minados pela abundância de distractores, este regresso à pureza do método ganha o estatuto de mergulho na dureza do trabalho e afasta-se a passos largos dos apelos do prazer, do lúdico, do gozar a vida, do curtir a festa. Só que este método começa também a não dar para todos, pois dentro dele repetem-se os vícios de forma e voltamos, nós, os professores, a recomendar a alguns alunos que fazem parte do grupo daqueles que precisam de estudar mais que eles ainda precisam de estudar mais um pouco. E se os deixássemos em paz? E se lhes déssemos a liberdade de jogar com as regras que jogam todos? Vão já dizer: estás a falar de exames? Estás a falar de provas específicas? Estás a falar de trabalhos pessoais? Estás a falar de trabalhos orientados? Estou.

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