Pesquisar neste blogue

segunda-feira, março 27, 2006

Avaliação crónica

Os alunos precisam de estudar mais

O aluno precisa de estudar mais – eis o chavão mais empregado nos conselhos de turma, eis a receita mais vezes induzida nas conversas sobre os resultados escolares dos alunos. Esta frase feita é aquela que melhor traduz o que pensamos e aquela que mais esconde o que achamos que queremos dizer, mas tão cedo não arranjaremos outra, a menos que mudemos de estilo e de perspectiva de análise. Quando dizemos que o aluno precisa de estudar mais estamos a dizer que ele precisa de dedicar mais tempo à escola, que precisa de levar a sério as tarefas escolares, que precisa de estar mais atento, que precisa de realizar mais exercícios, enfim, que precisa de saber aquilo que lhe perguntamos quando lho perguntamos e da forma que o queremos saber; mas estamos também a dizer que o aluno precisa de demonstrar um comportamento escolar adequado ao nosso estilo de ensinar: o aluno precisa de estudar mais, quer dizer que nos deve dar mais atenção, que deve comportar-se melhor em aula, que não deve falar a torto e a direito, nem a despropósito nem a divertir os outros, que deve acatar as recomendações docentes, que deve cumprir os trabalhos de casa, que deve modificar atitudes de rebeldia ou de exibicionismo, enfim, que deve possuir uma atitude escolar, que deve mostrar-se imbuído do «método escolar», entendendo-se por «método escolar» o conjunto das atitudes e dos comportamentos que revelam as práticas de aprendizagem, desde o uso das terminologias disciplinares até à demonstração de um interesse continuado pelo seu desenvolvimento e pela sua progressão. Então o que é que fazemos depois aos alunos que precisam de estudar mais? Arranjamos-lhes, está bom de ver, mais tempo de estudo, normalmente organizando-lhes um horário de apoios escolares disciplinares, ou organizando-lhes um serviço de apoio em regime de tutoria com um professor, ou indicando-lhes uma consulta ao psicólogo escolar. Este sistema instalado dá alguns resultados, melhora os comportamentos de alguns alunos, implica mais tempo de contacto com as matérias disciplinares, portanto, intensifica a frequência de uso dos conceitos e das terminologias. Este método está esgotado? Nem digo que sim nem que não, mas não lhe auguro grande futuro, nem lhe gabo as potencialidades. Ao fim e ao cabo, esta técnica é a velhinha técnica do recurso às explicações, tem portanto algumas vantagens e alguns defeitos desta. «Mais do mesmo» - eis em que consiste este recurso escolar que aconselhamos a quem não tira os resultados positivos.
Num contexto de diversão e de entretenimento, num contexto de aula em turbilhão e em rebuliço, num contexto de horários saturantes, num contexto de mistura de áreas disciplinares e não disciplinares, num contexto de agora a sério daqui a pouco a brincar, num contexto de truques e subterfúgios para evitar a concentração e a atenção, num contexto de desculpas e fuga aos trabalhos de escrita e de produção pessoal, esta técnica de recomendar mais estudo acaba por ter o mérito de ser ao fim e ao cabo uma espécie de castigo sob a capa generosa da recomendação ou do conselho. Já estamos tão viciados na fórmula que nem pensamos nos vícios que ela tem e basta acoplar-lhe essa outra fórmula da maior responsabilização dos pais e encarregados de educação para nos sentirmos de consciência tranquila: a bola está sempre do outro lado, cabe ao aluno o ónus da prova, tudo o que falta é ele que o deve restituir. Há neste jogo uma espécie de regresso aos terrenos primitivos do merecimento pessoal, aos hábitos puros do trabalho e da dedicação, aos cumprimentos honestos de tarefas e obras, à dignificação da luta pela sobrevivência, ao esforço individual, tanto mais nobre quanto mais físico, como meio de ascensão social.
Em terrenos minados pela abundância de distractores, este regresso à pureza do método ganha o estatuto de mergulho na dureza do trabalho e afasta-se a passos largos dos apelos do prazer, do lúdico, do gozar a vida, do curtir a festa. Só que este método começa também a não dar para todos, pois dentro dele repetem-se os vícios de forma e voltamos, nós, os professores, a recomendar a alguns alunos que fazem parte do grupo daqueles que precisam de estudar mais que eles ainda precisam de estudar mais um pouco. E se os deixássemos em paz? E se lhes déssemos a liberdade de jogar com as regras que jogam todos? Vão já dizer: estás a falar de exames? Estás a falar de provas específicas? Estás a falar de trabalhos pessoais? Estás a falar de trabalhos orientados? Estou.

quarta-feira, março 22, 2006



Desenho de Artur Bual que fui buscar à Net, ao site www.circuloarturbual.com/

Para ilustrar o texto que escrevi sobre a exposição de pintura «Cristo(s) e a Transcendência» que fui ver à sala do Recibo do Mosteiro de Tibães e que aconselho a ver.

Vi e gostei

«Cristo(s) e a Transcendência» - Exposição de Pintura de Artur Bual.

Também estive na inauguração da exposição de pintura e desenho de Artur Bual, sob o título de «Cristo(s) e a Transcendência», na Sala do Recibo do Mosteiro de São Martinho de Tibães, organizada pela Paróquia de Mire de Tibães, pelo Mosteiro de São Martinho de Tibães e pelo Museu Pio XII.
Uma pessoa que tenha recebido o postal de convite não vai a contar pisar o quadro que o mesmo postal reproduz, uma pintura que representa a «piétá», a Mãe com seu Filho nos braços, descido da cruz, em posição rígida de cadáver estendido, num equilíbrio precário de corpo abandonado, completamente exposto na sua nudez de sacrificado até à exaustão de sangue e de formas. Os apagamentos voluntários dos rostos, quer de Maria, quer de Jesus, estão no contexto figurativo de construção gestualista e visceral da pintura, com sobreposição caótica de manchas e de traços, mas onde predomina a vermelhidão sanguínea, coagulante e saturante, progredindo lentamente para um brilho luminoso e dourado que encima o quadro como zona de libertação visual.
É este quadro que se pisa, em reprodução, claro está, na subida dos poucos degraus que dão para a Sala do Recibo. Creio que este calcamento foi propositadamente provocado, como medida indutora de reflexão, mas a posteriori, ou seja, o visitante passa e pisa a pintura, pode sair até sem se aperceber que o fez, mas se se der conta cai noutra conta maior e reflecte, entrando muito provavelmente na dimensão pastoral que a paróquia, por ser organizadora, quis investir nesta exposição: o sentimento de culpa ganha alguma densidade narrativa e mergulha na história que se conhece, trazendo para a memória as tradições narrativas que encheram a infância e que fazem ainda parte do imaginário da Quaresma e da Semana Santa: a ideia de Cristo ter sido e ser continuamente espezinhado por todos nós.
Aqui lembrei-me da minha inibição infantil de perfurar a terra durante a Semana Santa, fosse com piões, fosse com sachos ou com os pés.
Todavia não é só nesta dimensão pastoral e catequética que o investimento museológico pretende ganhar, mas na própria construção estética da exposição: o visitante visita-a num percurso marcado a vermelho e dourado, o tal vermelho sangue e o tal dourado solar que, potenciados pela iluminação cuidada, configuram os arquétipos do sacrifício e da ressurreição cristãs, mas que são também os meios extremos de todo o imaginário religioso: a carne e o céu, a terra e o sonho, o sujo e o limpo, o desejo e a acção, a morte e a vida.
Que a exposição destes quadros de Artur Bual, pintor, escultor e ceramista nascido em Lisboa em 1926 e falecido na Amadora em 1999, tenha o título que tem «Cristo(s) e a Transcendência», com aquele «s» metido ali para referir as pinturas e os desenhos, é outra dimensão que mistura as funções estéticas e as funções religiosas num propósito de abrir perspectivas de conversa e de reflexão: os Cristos não variam assim tanto de aspecto ou de posição ou de enquadramento, mas variam de perspectiva pictural, ou seja, mudam em função da organização do quadro, sendo este diversamente trabalhado num estilo modernista de traços e manchas caóticos, de orientações incisivas e agressivas, conflituantes e perturbadoras, recorrendo a processos de colagem e a processos de saturação.
Meti aqui a palavra «modernista» no sentido de pintura gestual, ainda que figurativa nos seus princípios, mas sobretudo expressionista de estados de espírito, tradutora de conflitos interiores e de pulsões inconscientes ou não verbalizáveis, mas sobretudo porque este termo contrasta nitidamente com um desenho e um quadro que estão nesta exposição e que são datados de 1943, teria o pintor os seus 17 anos, revelando um outro estilo, o clássico, na tradição da pintura hierática, balizada pela naturalidade de construção, numa sugestão do Cristo humano demasiado humano como nós.
E é dentro destes dois estilos em confronto que a exposição ganha leitores, estou certo, até porque é esta mudança radical da representação que precisamos de re-interpretar, trazendo à liça as mudanças que vivemos desde os anos quarenta, quer nos quadros mentais do conhecimento, quer nos próprios percursos individuais dos artistas.
É muito fácil trazer para esta exposição o filme ainda bem presente de Mel Gibson sobre a paixão de Cristo.
As palavras de apresentação do padre Adelino Ascenso, que conviveu muito de perto com Artur Bual, e que já as pensara e escrevera para a exposição destes mesmos quadros na Igreja Matriz da Amadora em 2005, reforçaram também estas duas vertentes que a exposição, em contexto da Semana Santa Bracarense, quer abordar: a pastoral libertadora da fé cristã e a liberdade da criação artística, vertentes estas que se conseguem tomando ambas a liberdade de incomodar quem vê e quem ouve e quem segue e quem acredita.
Que Artur Bual se revela como artista ávido de sempre mais liberdade criadora, ganha sentido neste tempo e nestes dias de marcados fundamentalismos, até gráficos. Aqui lembrei-me de um quadro, de uma pintura de Nuno Barreto, em que o Cristo na Cruz está guardado pela polícia de choque, sim, a nossa, e lembrei-me também da recente e ainda não resolvida questão dos «cartooms» dinamarqueses sobre Maomé. E fiquei feliz pelo fulgor da liberdade criativa de Bual num tema tão tradicionalmente convergente em termos da representação de Cristo. Como disse o Padre Ascenso, num e noutro caso, numa e noutra vertente, a verdade é o relâmpago que o profeta ou o artista fazem brilhar no escuro, de uma alma, ou de um quadro.

quinta-feira, março 16, 2006

O cantinho do conto na BLCS

Na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva

São 15.30 Horas, estou na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, na hora do conto, simples e directa designação de um entretenimento cultural destinado a animar o interesse dos jovens pela leitura e pelos livros, ou seja, pelas histórias que os livros e a leitura proporcionam e desencadeiam. É meu mister contar histórias aos jovens e alunos que chegarem e ocuparem o espaço, ali aquele cantinho em jeito de anfiteatro suave, com almofadas e pufs convidativos. Chega-se lá num pulinho depois de se entrar na Biblioteca, depois de subir as escadas e depois de cumprimentar a menina Celeste, responsável pela secção infanto-juvenil, secção ampla e luminosa onde os miúdos gostam de estar e de circular, uns nos computadores disponíveis e de ligação directa ao mundo, outros por entre as estantes, os carrinhos e as mesas, com acesso imediato aos livros. Não falta espaço e não falta que ver e quem aqui se entretiver até pode nem ler, rima e é verdade, que vejo alunos a fazer os seus trabalhos de casa e vejo uma mãe a acompanhar o seu filhote, ela tão curiosa quanto ele. Mas ali no meu cantinho ainda não está quem espero e suspeito que alguma coisa se passou, medo à chuva, arrependimento de última hora de sair, encontro de outras histórias pelo caminho, sei lá, talvez esta última hipótese seja a mais provável, que já me aconteceu a mim, ter dito que toda a tarde fora ler e toda a tarde estivera a namorar, mas já eu tinha outra idade e já eu lera alguns livros com toda a arte da sedução. Vou-me daqui disposto a outra história, de fim previsível é certo, mas de miolo variado, ou não estivesse no meio de uma história o melhor de muitos finais possíveis.

segunda-feira, março 13, 2006

Faleceu o Engenheiro Nuno Pacheco Álvares Pereira, natural de Pomar de Rainha, freguesia de Salto, concelho de Montalegre. Engenheiro civil, exerceu nas minas de Arcozelo e de lá veio para a Câmara Municipal de Braga onde esteve largos anos ligado às obras. Foi sócio fundador da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga, da qual era actualmente presidente do Conselho Fiscal. Tinha 63 anos, estava reformado, tinha duas filhas e netos; comprara em tempos uma quinta em Crespos e agora entretinha-se a cultivá-la, cuidando de videiras e de fruteiras como de filhos, esperançado de que os herdeiros e os amigos vissem nesse trabalho um apego aos valores mais nobres da vida, sobretudo a esse princípio sagrado do dever de ganhar a vida com o suor do próprio rosto. A sua esposa, que conheço carinhosamente por Milota, viu e sentiu o tempo breve deste aconchego de projectos e agora não lhe restará senão a memória da grandeza do seu marido, do seu enraizamento à terra, do seu apego ao trabalho, da sua bonomia de espírito. Ficam-me na memória os seus gestos de afago e de simpatia nas reuniões e nos convívios da Casa de Trás-os-Montes, fica-me no ouvido o seu incentivo persistente de «tocar para a frente a nossa Casa» que o dinheiro aparece depois e fica-me na palavra poética a sua última acção, o remate final de um fulgurante arranjo de rosas vermelhas para oferecer à esposa. Nem eu soubera até esse momento em que ele ficou doente e foi internado para cuidados intensivos no Hospital de S. Marcos quanto lhe devia, quanto ele me apreciava e quanto eu e minha esposa nos sentíamos agarrados ao seu testemunho de homem simples e afável. Choramo-lo como nosso.

quinta-feira, março 09, 2006

Leitura de livros

As Palavras sabem a terra, poesia de Fernando Aldeia, pseudónimo literário de Ferreirinha Antunes, transmontano radicado em Braga mas nascido e criado em Vinhais e Bragança, editora ausência, Vila Nova de Gaia, 2006.

Este livro foi lançado formal e publicamente na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva em Braga há três semanas, mas vai agora ser lido e reinterpretado transmontanamente na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga no próximo dia 11 de Março, às 17.30, numa sessão cultural que será orientada crítica e literariamente pelo Doutor José Cândido Martins, da Universidade Católica, com leituras de textos e com música clássica ao vivo, para despertar sentidos, avivar memórias e fomentar entusiasmos – tudo em nome da vida, antes de mais, que o livro é um testamento de valores e de apreciações éticas e poéticas sobre o nosso tempo e sobre a evolução dos nossos hábitos de o viver.
A reinterpretação transmontana é um acto de leitura possível como qualquer outro e que, no caso desta obra, favorece um pouco mais a sua intenção cosmopolita de atravessar fronteiras e de aproximar imaginários. Até porque o autor nos conduz por espaços muito divergentes: a aldeia interior, a cidade marítima, o solo africano. Mas este tipo de reinterpretação escuda-se em linhas de sentido que o poeta mantém acesas ao longo de todo o livro: a consideração do tempo, enquanto clima, e a consideração da terra, do terreno e do território, enquanto força motriz. Não há quase poema em que não esteja presente a criação poética sobre o clima, e não há quase poema em que não se apele à superação dos constrangimentos territoriais. Que um transmontano não vive sem a variação verbal contínua sobre a repetição destes dois factores, só quem lá nasceu o sabe dizer melhor.
Dispõe-se o poeta, um intensivo praticador da «palavra adjectivada» a partilhar connosco, com os leitores, o entusiasmo pelo sonho, pela utopia de a nossa terra, o nosso lugar, ser o centro irradiador de sentido humano, espiritual, gerador de transcendência e de superação de limitações economicistas, bélicas ou politicamente oportunistas.
O poeta fez-se homem, socializou-se num ambiente físico e humano de constrangimento de recursos, mas amadureceu na companhia de outros poetas sonhadores como ele, Sophia de Mello, Eugénio de Andrade, Miguel Torga, Fernando Pessoa, entre outros que são citados e referidos, e esta companhia aumentou-lhe os argumentos da esperança numa terra mais digna e mais compensadora.
O poeta mobiliza-nos para uma linguagem de sabores primitivos, iniciáticos, rituais, quase sempre provados na infância, também renovados na idade adulta e sempre presentes numa memória de sensações genuínas, incorruptas, geradoras de uma percepção do mundo e da terra como sítios de criação: as fragas, o vento, a chuva, os pássaros, o rio, o restolho, o mosto, os socalcos, o olival, a serra, o mar, o céu, o vinho, o pão.
A que lugares regressamos na hora de um balanço sobre as nossas vidas? À casa dos pais, ao pai, à mãe, à fonte, ao rio, à terra, aos seus sabores. Se há um paraíso como ponto de partida, há-de por força haver um paraíso de chegada. O poeta faz-nos crer que sim, mesmo quando carrega numa adjectivação crua sobre os negócios do mundo e as situações mais angustiantes do homem. Pode retardar-se a ressurreição, mas alguém acredita que ela será inevitável.
Fernando Aldeia é um poeta cantante dos afectos imprescindíveis à vida comum, quotidiana, ciente de que esses afectos se acumularam ao longo da história deste país e nos projectam optimismo, esperança, ânimo. Num tempo de modismos e de insinuações críticas, mergulhadas numa visão contínua de crise e de oportunismo, lemos neste livro um poeta seguro do seu património verbal como valor solar, alegre, azul, livre.
As memórias dos amigos que partiram, Sebastião Alba, mestre José Veiga, e as reflexões sobre os lugares e as situações de fascínio como o rio, o mar, o pão, a margem, o Verão, o Outono, a chuva de Maio, a infância, o Natal, Moçambique, ocorrem como criações simultaneamente poéticas e narrativas dos mesmos valores e sentimentos que os poemas deixaram vincados: a gratidão, a esperança, a justiça, o convívio, a partilha, a solidariedade.
Por fim, a palavra do poeta abre para o erotismo como tema recorrente do desejo à felicidade e ao bem-estar pessoais, mas também como tema recorrente do êxtase e da conciliação com a natureza mãe e com os seus elementos primordiais, e ainda como tema recorrente da expressão dessa liberdade criadora que é a essência do poeta enquanto geradora de novas geometrias, portanto de novos espaços e de novos seres. José Machado, Braga, Março de 2006.

CURRICULUM VITAE

José Hermínio da Costa Machado. transmontano, natural de Minas de Jales, concelho de Vila Pouca de Aguiar; 52 anos; casado com Albertina Maria Sequeira Fernandes; residente na Rua Simões de Almeida, 95 Casa 19, 4715-105 BRAGA; licenciado em Filosofia pela UP; Mestre em Literatura e Cultura Portuguesa pela UNL; professor efectivo do Ensino Básico, 2º Ciclo, em Braga, leccionando a disciplina de Português aos 5º e 6º anos; animador cultural como membro da Associação Cultural e Festiva «Os sinos da Sé» e como contador e leitor de histórias; estudioso e investigador das culturas populares, na perspectiva da tradição e da contemporaneidade. Vice-presidente da casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga. Secretário da Mesa da Assembleia geral do Clube de Ténis de Braga. Membro eleito, pela segunda vez, para o Conselho Municipal de Educação de Braga, em representação do Ensino Básico. Sócio da Associação de Professores de Português. Filho de João Maria Machado e de Ana Maria Gomes da Costa, residentes em Raiz do Monte, Vila Pouca de Aguiar. Obras e artigos publicados: Livros: Cancioneiro de Vila Verde; Miguel Louro - Sente-se; artigos sobre folclore e música tradicional e popular na revista da Associação Recreativa e Cultural de Palmeira; artigo no Boletim Cultural de Vila Verde, 1; artigos sobre ensino e educação em revistas especializadas; colaboração nos jornais.

amostras e fil�es

amostras e fil�es
A minha experiência no CONCELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BRAGA
Aproveito este espaço para deixar à reflexão das comunidades escolares e educativas do concelho de Braga algumas ideias resultantes das práticas de participação que ocorreram na primeira formação do CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BRAGA, ao longo dos anos lectivos de 2004 e 2005.
A primeira reunião formal, ordinária, deste Conselho ocorreu em 17 de Dezembro de 2004. Após as diligências de protocolo para mútuo conhecimento dos seus membros, a agenda registou um debate em torno do conceito e da representação da «carta educativa», instrumento de intervenção do planeamento e da gestão autárquica cuja construção vinha a fazer-se de há três anos àquela parte e que implicava o estudo minucioso de todas as necessidades educativas das populações escolarizadas, a gestão dos respectivos recursos físicos e humanos, portanto escolas, professores, alunos, funcionários e encarregados de educação, o planeamento urbanístico das áreas consideradas, o mapeamento demográfico, a rede de transportes, a definição de lideranças, de responsabilidades e de autoridades, articulando os vários planos, do nacional ao local.
As questões levantadas então sobre a «qualidade» de algumas escolas existentes, atendendo aos diferentes parâmetros da sua construção e gestão corrente, foram de molde a suscitar maiores expectativas sobre as vantagens do Conselho Municipal de Educação, apesar da imediata consolidação de algumas limitações de natureza político-administrativa, dada a tradição centralizadora do nosso sistema educativo.
A partir daquele momento e daquela reunião, a Autarquia transmitiu uma apercepção pedagógica de aumento das suas responsabilidades na definição e melhoria das ofertas educativas, estado de espírito decorrente, sem dúvida alguma, do estilo de liderança que o senhor vereador João Nogueira soube demonstrar depois ao longo de outras reuniões.
Tornou-se de imediata evidência, e este trabalho ainda não está de todo garantido em termos de logística, que este órgão requeria uma habilitação documental e até de instalações físicas para poder cumprir as finalidades e os objectivos que dele se esperavam.
Fazendo um salto no tempo, a última reunião do Conselho Municipal de Educação ocorreu em Setembro de 2005, nas instalações da Quinta Pedagógica, em plena arrancada do ano escolar, num cenário de implementação de novas medidas de carácter curricular no 1º Ciclo, nomeadamente com a introdução do Inglês. A agenda, se por um lado registou uma máquina autárquica a procurar responder a tempo às solicitações do Sistema Educativo, em sintonia de decisões com a Associação Nacional de Municípios, mostrou, por outro lado, a fragilidade da autonomia local sobre as adaptações das políticas centrais. Quando hoje assistimos à reivindicação de uma mais adequada integração curricular das ofertas educativas no 1º Ciclo estamos a ir ao encontro de uma discussão já arejada no Conselho Municipal de Educação de BragaNão terá sido frustração para ninguém a discussão inconclusiva de alguns assuntos, nomeadamente a política de formação docente, o apetrechamento informático e a requalificação de algumas escolas, a gestão dos recursos educativos, as complementaridades entre público e privado, a criação de um órgão editorial; os documentos disponíveis foram produzidos pela Autarquia e as suas decisões foram vinculadas, embora com reflexões críticas, até porque todos tiveram a consciência de estar a fazer um caminho novo na participação democrática. O futuro deixará antever ainda mais um desejo de solidez deste órgão como «fórum da educação» no concelho de Braga.

amostras e fil�es

amostras e fil�es
Um incidente escolar
O incidente escolar entre alunos da escola Francisco Sanches e alunos de uma turma da escola de Tadim, que se deslocara a esta escola para ver a exposição de desenho e gravura de Escher, deve fazer-nos reflectir.
Ainda presenciei algumas cenas de desafio verbal e visual, não assisti às cenas de pontapés e outras agressões verbais e gestuais que me disseram ter existido antes, também tive um pequeno momento de diálogo com os alunos dos dois lados, com os de Tadim foi de curiosidade e de alerta, mas com os da nossa escola foi de censura e de reparo, alguns e algumas tinham sido já meus alunos no 5º e 6º anos, censura e reparo que pouco ou nada adiantaram, como pude constatar, ainda que o conflito nessa altura já estivesse quase sanado.
Os alunos do 9º ano das duas escolas encararam-se como rivais e trataram de se desafiar, não importa quem começou nem quem fez o quê ou disse isto e aquilo, mas as duas «tribos escolares», usemos esta terminologia, não viram melhor meio para se conhecerem que não fosse este caminho iniciático e ritual da agressão verbal, gestual, física até, incluindo aqueles tiques de cobra cuspideira.
Recuei à minha infância quando, entre desconhecidos, nos desafiávamos a ver quem era o primeiro a chegar a sua saliva à cara do vizinho, antes de medir forças. Recuei aos meus tempos de passeios escolares por outras escolas e revi-me envolvido em cenas do género, só verbais é certo, mais por razões de tempo e de costumes e menos por razões de educação ou de vontade. Pensei nas claques futebolísticas, pensei nas claques de aplauso e de dinâmica concursiva, pensei até nos partidos que disputam eleições: em todas estas cenas ou filmes de memória verifiquei o clima de desafio e de agressão verbal, gestual e simbólica entre as partes, como que a reviver o mito da superioridade de uns sobre os outros, como que a disputar os territórios de pertença e de visita ou invasão.
Lembrei-me ainda das chegas de bois barrosões, lembrei-me até dos cantadores ao desafio, lembrei-me do hip-hop e por aí fora, separei gente e limpei sangue, acudi a quem pude e a quem não pude, deixei bater, deixei passar. Foi sempre assim, ainda é assim, a educação, ou melhor, a civilização pedagógica não consegue limpar estes rituais de socialização.
Mas o facto é que eu já me esquecera há muito deste tipo de cenas, julgava-o mesmo caído em desuso, por ser considerado bárbaro, resquício de primitividade instintiva e animal, próprio de processos identitários esquizofrénicos ou deturpados. Convencera-me que a moral e a civilidade se teriam ocupado da catarse destes rituais e os teriam já superado pela convivialidade e pela cidadania da tolerância.
Ou seja, ao fim e ao cabo, eu convencera-me de que a escola cumprira o seu papel de educadora, até pela inércia educativa dos programas e das disciplinas e das áreas não disciplinares, já que estas terão vindo para visar até as temáticas da cidadania.
Não obstante, os alunos do 9º ano agrediram-se, intimidaram-se, uns e outros de ambas as escolas alcunharam-se de bonitos e de feios, os de cá mandaram os outros para a terra deles, os outros apelidaram os de cá de convencidos e xenófobos. Xenófobo é precisamente aquele que rejeita os de fora, por estranhos, por invasores do território.
Explicar aos alunos que estes comportamentos preenchem o código instintivo de uma socialização tipicamente defensiva e autista, mas que são a viragem negativa do desejo de conquista e de sedução, impunha-se na minha relação com eles, mas não fui oportuno nem convincente. Ao fim e ao cabo os alunos de uma e de outra escola manifestaram a inveja e o ciúme, jogaram no mais feroz dos egoísmos. Mas o que me fere neste caso é precisamente esta ideia ter sido assim e não ter sido de outra maneira, pelo lado do cumprimento, da saudação, da companhia, da troca de informações, da troca até de telefones e de contactos. Pois é precisamente de contactos e de trocas culturais que estamos a precisar, é de encontros amigáveis, é de abertura de janelas. Mas as coisas nunca são como a gente as vê, que o prova Escher, o artista que os alunos foram afinal desafiados a ver e a compreender.

terça-feira, março 07, 2006

amostras e fil�es

amostras e fil�es

Coisa ruim - fui ver e gostei. Quando se é principiante, é-se primitivo e quando se é primitivo vai-se directo ao osso, tanto melhor, é claro, quanto mais dominados estejam os processos formais de domínio de técnicas, sejam as de imagem, sejam as de som, sejam as de argumento, de casting e de cenários. Coisa ruim - vi que era afinal a relação de dois irmãos que se trataram de filhos da puta, assumindo-se portanto como verdadeiros cretinos do processo ou do sitema em que viviam e em que foram criados e educados: gente com cama, mesa e roupa lavada, com carro e chave de casa, com acesso aos media sem crédito de horas, com o prazer dos edredões de penas, gente urbanizada até à medula... mas gente que não sabe de si, que não comunica, que não interage. Bem poderão atirar as culpas à casa assombrada, aos padres que bebem bagaço e que sabem o que sabem de teologia, bem poderão brincar com os espíritos e com as memórias dos outros, bem poderão invocar a incompreensão do Portugal profundo, bem poderão acusar o sistema, mas o drama, a coisa ruim, está dentro deles. Excelente argumento sobre a incomunicabilidade urbana, afinal a mesma dos rurais ou dos periféricos. Para já.

quinta-feira, março 02, 2006

Aulas de substituição

As aulas de substituição, que reflexão fazer sobre este novo problema? A mesma que se faz quando os problemas são velhos, relhos e bufelhos, ou seja, quando os problemas subsistem no tempo, incomodam e irritam e falam por si, denunciam situações.
Primeiro explique-se o caso: as aulas de substituição são as aulas dadas por um professor que não pertence ao corpo docente de uma dada turma, e que vai substituir o professor titular de uma dada disciplina num tempo lectivo em que ele faltou, com aviso prévio ou sem aviso prévio. Esta aula de substituição não é uma aula normal, isto é, não tem carácter lectivo de ensino ou de aprendizagem da matéria prevista, é uma ocupação do tempo.
Donde veio esta ideia das aulas de substituição? Veio desde o princípio da escola, vem do mesmo lugar de onde vêm as tarefas de substituição nas empresas ou nos locais de trabalho, só que com uma grande diferença que na escola, e por ser na escola, tinha de ser ao contrário da realidade simples e comezinha de todos os outros lados. Nas empresas, substituir implica fazer o mesmo trabalho, ou seja, quem vai substituir alguém, vai fazer o trabalho que esse alguém tinha de fazer, porque trabalho é trabalho e tem de se fazer. Mas na escola, alguém distorceu o sentido de substituição: substituir é ir para o lugar do outro fazer o que ele não faz.
Um dos problemas do problema começa neste acto arbitrário de inverter o sentido das palavras. Que actividades de ocupação dos alunos desencadeia o professor substituto? As que bem entender, mas que, por pressão dos alunos que não vão ter a aula prevista, irão sempre no sentido do lúdico, do passatempo, da conversa fiada e do crédito de tolerância de assuntos disponível. Logo aqui começa outro problema que é estranho à escola: esta ideia simplória que, não estando o professor da matéria disciplinar, ninguém deve ensinar mais nada ou de outra maneira se não for professor daquela turma e daquela disciplina ou área de saber ou de não saber.
As aulas de substituição apareceram porque os «feriados» dos professores titulares cresceram como cogumelos e o normal funcionamento de uma escola é perturbado pela quantidade de alunos que num determinado tempo lectivo ficam impedidos de ter aula. As aulas de substituição desaparecem se os professores não faltarem, evidentemente. Mas a ideia dos feriados não faz parte da cultura escolar? Claro que faz e toda a história da educação que se preza de o ser não lhes poderá negar relevância: sempre os alunos ansiaram por um feriado, sempre os alunos desejaram que o professor faltasse de vez em quando. Esta vontade de liberdade ou de libertação faz parte da essência da escola, como o faz a vontade de obrigação e de aceitação dos horários lectivos. O feriado é desejado e festejado por ser um tempo livre de educação em ambiente escolar, por o aluno se poder deslocar para onde quiser, com quem quiser e ocupar o tempo de outra maneira.
Portanto esta ideia de ocupar os tempos lectivos dos alunos mesmo quando os professores titulares não estão presentes surgiu como necessidade de produção, digamos assim, dada a frequência de faltas e dada a falta de alternativas escolares à ocupação dos alunos em situação de liberdade pontual: nos recreios ou nos corredores eles prejudicam quem está em aula, no recreio eles envolvem-se em problemas e acidentes. Para além do mais, diga-se, sempre houve alunos que se sentiram lesados com a ideia dos feriados, porque o que eles querem, na escola, é estar com os professores, é ter que fazer.A meu ver, esta ideia das aulas de substituição, tais como estão a ser encaradas, não vai levar a nada. Em seu lugar deveria haver as seguintes medidas: os professores faltarem menos e sempre numa base de previsibilidade, podendo organizar entre eles a substituição ou troca de tempos lectivos; a escola deveria organizar recursos educativos para os alunos frequentarem em caso de falta do professor titular: oficinas didácticas, clubes culturais, ateliês de arte, salas de estudo, bibliotecas e centros de informática; nestes recursos verificar-se-ia sempre a presença de professores interessados e especializados; em caso de feriado, os alunos escolheriam os locais para onde se podiam dirigir. A liberdade de escolha é sempre preferível à obrigação gratuita, a obrigação de liberdade de escolha é um objectivo da filosofia escolar: a escola está cá para incutir nos alunos a obrigação moral de escolherem sempre o que é melhor para eles.

Retrato