O meu primeiro «insight» ou inspiração para o poema deste ano
foi aquela história do bebé colocado por sua mãe num contentor de lixo,
naturalmente para o abandonar e ele morrer, ou, quem sabe, secretamente, para que
alguém o visse e o criasse. O bebé resistiu catorze horas, até o seu choro ter
alertado uns sem-abrigo e um deles ter chamado as autoridades. A história está
escrita e já se evidenciaram todas as suas componentes. Biblicamente,
repetiu-se, noutro cenário, noutro tempo, o lançamento de Moisés às águas, para
ter a sorte de ser encontrado por alguém mais afortunado.
Eu não sei até que
fundo batem as pessoas e até que fundo batem as histórias das pessoas no
coração da gente. Há um lastro de muita mensagem em toda esta história, não que
tenha sido esse o propósito, mas que tem sido esse o desencontro das situações:
se a mãe quis matar, não matou, se quis abandonar, não o conseguiu de todo, se
quis chamar a atenção para si teve êxito total, mas que atenção é essa que ela
nos pede que não seja a atenção total do seu filho? Cabe a cada um contar a
história e dar-lhe fundamento integrador. Foi o que tentei em meu poema com uma
simples referência, que vai escapar a muitos leitores, ao contentor do
expediente, sendo a natureza deste expediente, neste caso, o lixo
biodegradável, a semente de muita vida se lançado à terra.
Depois inspirei-me
na outra dimensão de ver e acompanhar o nascimento de uma criança em situação
que dizemos normal e natural, com toda a assistência médica, com todas as
relações institucionais e familiares asseguradas; foi o nascimento do filho de
meu afilhado, o Francisco Xavier de seu nome, cujos pais são meus sobrinhos
netos por parte de minha esposa, portanto a criança bem pode aceitar o meu
castigo pessoal de lhe chamar neto, se é castigo o encargo que assumo de o
ajudar naquilo que puder. O Natal é o nascimento de uma criança, em qualquer
circunstância ou pretexto de se originar a vida, o Natal está a ser lembrado e
a ser actualizado na vida de cada um de nós.
É seguro que nós os católicos
atribuímos ao Natal toda a importância histórica e reveladora de uma
transcendência de sentido, mas essa dimensão sempre ocorreu com a sua
humanização total ao longo da história, humanização esta que se representa e se
fixou em arte e se transporta para todas as fases do humano, do vivido, com
dimensões que são ora valorizadas mais ora menos, como as festivas e as
solidárias, como as do afastamento dos maus augúrios ou forças do mal, sendo
mal aqui tudo aquilo que não vai ao encontro de uma ideia de bem universal,
horizontal a todos os credos e presente um pouco em todas as perspectivas de
vida.
O Natal congrega civilizadoramente muitas tradições, a principal das
quais é a de que a criança que nasce é uma esperança de superação e de
consagração da vida para os seus e para todos. O Menino Salvador da religião
cristã concretiza uma ideia presente em todos os povos, a de que a nova vida se
constitua como mais vida para todos, podendo mesmo ser a luz orientadora , como
me parece ser a ideia de que o guia espiritual de um povo reencarna e assume-se num novo ser e que estaremos sempre à espera que esse ser
último nos conduza a um estádio de felicidade plena. Até a tradição do
consumismo contemporâneo está enraizada na história do Natal a par da sua
contrapartida que é a partilha ou solidariedade: muitos povos celebram a festa
da vida com a produção de inúmeros presentes, com a distribuição de inúmeras
prendas, tal como se todos fôssemos Reis Magos; e a partilha é a da
solidariedade de pastores que levaram ao menino seus pertences e produtos de
sobrevivência. E até a ecologia ou sustentabilidade ambiental está presente no
imaginário de Natal. O fogo, o sol, a luz, na forma de estrela orientadora ou
na forma de energia é a nossa sobrevivência.
sábado, dezembro 07, 2019
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