Está na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, uma exposição que deveria passar por Braga, assim deixo esta recomendação às autoridades da cultura municipal local. Trata-se da exposição «Sarah Affonso e a Arte Popular do Minho», a artista modernista (1899-1983), casada com Almada Negreiros, cujos trabalhos decorrem dessa fonte de inspiração que denominamos o folclore , o qual terá marcado profundamente a sua vivência em Viana do Castelo entre 1904 e 1915.
(Foto de: Sarah Affonso, Estampa Popular (Casamento na Aldeia), 1937
Óleo sobre tela, Museu Calouste Gulbenkian, tirado de: https://www.pontedelimacultural.pt/actualidade-subpag.asp?t=paginas&pid=2038)
Na mesma data de Sarah Affonso, nasceu em Braga Francisco Martins lage, cuja memória de vida é lembrada e estudada em livro da autoria de Maria Barthez, editado neste corrente ano pela Gradiva, com o título Memória de Francisco Lage, da prática à teoria.
https://www.fnac.pt/Memoria-de-Francisco-Laje-Maria-Barthez/a7142680 |
O que poderá haver
de comum entre as duas obras que acabei de referir é tudo de quanto hoje se
ocupam os animadores culturais que tomaram o folclore como fonte inspiradora ou
como recurso temático ou como representação cultural.
No cruzamento das duas
obras vai ficar durante 41 anos o Estado Novo e as suas políticas culturais,
como também continua a estar a democracia que já leva 45 anos de regime, ou
seja, Sarah Affonso e Francisco lage são assuntos paradigmáticos para nos
percebermos e para nos considerarmos, nós os do Minho ou que aqui vivemos, uns
privilegiados enquanto objectos de estudo, de pintura, de representação.
Quem
vir a exposição e quem ler o livro de Maria Barthez há-de, certamente,
questionar-se sobre, pelo menos, cem anos do nosso desenvolvimento cultural.
Uns irão ficar com muitas certezas, outros com muitas dúvidas, especialmente os
que lerem o livro acerca das dinâmicas culturais de Francisco Lage e das suas
relações com o SPN/SNI (Secretariado da Propaganda Nacional / Serviço Nacional
de Informações), onde esteve quase sempre integrada a sua acção enquanto
profissional da animação cultural institucionalizada.
Vou dedicar alguns
artigos a este assunto. Francisco Martins Lage nasceu em Braga, na freguesia de
São Lázaro em 19 de Dezembro de 1899, filho natural de Maria Angelina de Sousa
Machado, empregada, serviçal, de José António Martins Lage; são referidos os
avós maternos (Joaquim Sousa Machado e Maria Teresa Gonçalves), mas não são
referidos os paternos. Estudou no Liceu Sá de Miranda, fazendo a quarta classe
em 1907, com 8 anos, e em 1911 foi para Lisboa estudar teatro, terminando o
curso de arte dramática em 1913 com elevada classificação. Em 1920 Lage casou
com Grácia da Purificação Pedreira de Almeida, sem descendência. O pai era
capitalista e foi sócio da empresa A
Bracarense (empresa de tecelagem de paramentos, mas que em 1926 o filho
orientou para a tecelagem civil; a empresa encerrou em 1930). O primeiro artigo
de Francisco Lage foi publicado em 1916 na revista Terra Portuguesa sobre «cobertas estampadas». Afirmou-se como
dramaturgo, autor de peças com temática regionalista, sobre o mundo rural, sobre história, e como etnógrafo, sendo
considerado à época «uma das pessoas que mais sabia, entre nós de folclore e
etnografia».
Em Braga, a partir de 1926 escreveu para o Correio do Minho; exerceu o cargo de vogal da Comissão
Administrativa da CMB. Em 1929 relacionou-se com António Ferro e neste mesmo
ano organizou a parada etnográfica e agrícola no âmbito das festas de S. João
(3 mil figuras, duzentos carros, 2 quilómetros de ruas da cidade) e o III
Congresso do Minho e Feira das Amostras da Província, em Viana do Castelo. A
parada foi considerada espectáculo de
grandeza comovedora e teve representação de usos e costumes ligados à vida
rural, segundo o calendário agrícola. Exemplos de carros: o carro das podas, o
carro da pruma, o carro do tojo, o do sargaço, o do pão, o da casa, o do linho,
o da lã…
Em 1929, Francisco Lage estava apostado em «tornar Braga uma cidade
moderna» (p. 27); ora é precisamente sobre este desiderato que se deve colocar
a questão: porquê mobilizar os quadros da sociedade rural para tornar uma
cidade mais moderna? Porquê mobilizar para a modernidade a entrada de todas as
obras entretanto elaboradas no âmbito da etnografia e da antropologia como
valor patrimonial, como arquivo, como «objectos a salvaguardar? Porque era
assim que procediam as cidades modernas pelo mundo fora? Lage queria fazer o
que de mais progressivo se fazia no estrangeiro e vai daí… fez como sabia que
se fazia: mobilizar a sedimentação cultural do mundo rural e despejá-la na
modernidade desejada. Como? Em Museus, em Paradas, em Desfiles, em Exposições,
em Indústrias Culturais…
(a continuar)
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