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quarta-feira, julho 07, 2021

Na morte de meu pai

 

(Foto da capela mortuária de Raiz do Monte, antiga escola primária, para cuja construção muito contribuiu meu pai, nos anos 50 do século passado, mobilizando vontades e recursos)

Chamadas de Santa Cruz – programa de 19 de Junho de 2021 da Rádio Francisco Sanches

Não participei no último programa, em virtude de estar a fazer o luto pela morte de meu pai, João Maria Machado, nascido em 1927 e falecido a 26 de Maio deste ano, quase a fazer os 94 anos de idade. Quero deixar aqui o meu agradecimento extremo aos colegas e aos funcionários desta escola que me ajudaram, com a sua solidariedade e os votos de pesar, a superar este sofrimento. Fiquei muito sensibilizado com o gesto do Conselho Geral deste Agrupamento por ter enviado uma palma de flores a acompanhar meu pai à sua última morada. 

Meu pai ficou sepultado em Vreia de Jales, freguesia que integra a aldeia de Campo de Jales, lugar onde se instalaram desde os anos trinta do século passado umas minas de ouro que foram exploradas até quase ao final desse século. 

Ficamos mais velhos quando ficamos sem os nossos pais, entramos agora nós, os filhos, na linha de sucessão da finitude da vida. No que me diz respeito, vivi a morte de meu pai com aquela serenidade de o ter como cidadão exemplar, homem dedicado aos seus e aos outros, pai orgulhoso de seus nove filhos, profissional de armazém e de escritório com a dedicação máxima à empresa que o formou e o catapultou para a notoriedade local, cristão praticante. 

Não resisto a trazer para esta crónica um conjunto de referências que tornaram meu pai um educador na acepção que nós os filhos lhe damos, mas também na percepção que nós, os professores, temos da educação. É frequente e comum, distinguirmos ensino de educação, considerando a escola como o lugar do primeiro e a família como o lugar do segundo. Assim foi, com meu pai. O que se quer dizer com isto é que o ensino é um conjunto de actividades que visam dotar-nos de aprendizagens e de metodologias de cognição e linguagem, e que a educação é a sabedoria com que nos desempenhamos pessoal e socialmente. 

A percepção de meu pai como educador foi-me inculcada através da sua presença na família, com os papéis de autoridade, homem de trabalho e de manutenção do sustento da casa, profissional dedicado na sua área de trabalho, homem disponível para as necessidades dos outros, fosse na ocupação e gestão de actividades dos tempos livres, no desporto, no teatro, na vida religiosa e cultural das aldeias em redor da empresa, fosse no cumprimento dos deveres profissionais da pontualidade, da assiduidade e da disponibilidade em período extra-laboral. 

Enquanto filhos, mais pequenos, nós perguntávamos à mãe e ao pai porque agiam de determinadas maneiras, porque procediam assim ou assado com os vizinhos, porque estavam presentes nos acontecimentos, porque não se pronunciaram acerca de certas ocorrências, etc. Este acto de perguntar aos pais as razões dos seus procedimentos é uma chave-mestra da educação: explicar aos mais pequenos o modo de vida era uma dedicação de meus pais, ora através dos relatos diários que meu pai fazia das peripécias que aconteciam na empresa mineira, ora através dos comentário s sobre pessoas, ora através da demonstração dos erros e das insuficiências. Minha mãe dava conselhos e compensava as reprimendas de meu pai, exigia-lhe também as explicações aos filhos. 

Outra faceta de meus pais como educadores era a de serem exemplares nos trabalhos, nas obrigações e nas ocasiões: tomar os adultos como exemplo era uma expectativa dos mais novos e o grau de exigência a que a gente se habitua a esperar que assim seja marca-nos para a vida. Na empresa, era uma exigência que os adultos cumprissem exemplarmente, que fossem educados, que soubessem falar com os outros. Os casos das pessoas não exemplares eram muito mal compreendidos, a menos que fossem casos especiais de entendimento, que os havia. 

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