(Fotografia da Net)
Em dia de S. Martinho / Lume, castanhas e vinho/ Então farei meu magusto / por certo aqui pertinho / na Casa dos Transmontanos / Ao toque de um cavaquinho//
E diz-se:
Pelo S. Martinho / mata o porco e prova o vinho / come dele e bebe nele / Vai prà cama mais quentinho / E entrega a tua fortuna / a quem te pedir carinho.//
Ficou-me esta ideia de cantar por ver e ouvir outros que o fazem
quando se lhes solta a língua, mais atentos que ficam os distraídos por se
sentirem provocados com anomalias do género. É o desabitual que leva ao reparo
e assim usei do modo para atrair ouvintes. Se bem ouviram, os provérbios de S.
Martinho andam à roda da comida e da bebida, no seguimento das colheitas e dos
recheios de arca ou de despensa, que é o mesmo que dizer no seguimento dos
trabalhos e canseiras. Da história fica um resumo de generosidade porque o
cavaleiro romano deu metade da capa ao pobre, mas fica também um acumulado de
tradições de reverência ao ciclo agrícola, ao sol e ao tempo, à mulher e ao
homem. As castanhas este ano tiveram falta da chuva e o tempo deixou-as mais
incertas, mas as que derem para satisfazer o convívio hão-de bastar para
consagrar esta festa como partilha de memórias: hoje cada vez mais acentuadas
pela diferença em relação a práticas de ser e de estar de nossos pais e avós,
hoje cada vez mais acentuadas pela diferença entre a aldeia e a cidade, hoje
cada vez mais integradas em movimentos de consumo e de revisitação discursiva
em programas de entretenimento ou de excursionismo temporão. É assim e o S.
Martinho pode muito bem tomar-se pelo cavaleiro andante que o tempo é, o
cavaleiro que vai passando por gentes e lugares e intuindo abastança ou
carência, nesse ritmo diferenciado que a globalização de imagens e de palavras
vai ainda consagrando como variedade: há terras onde tudo se transformou e nada
parece ser igual ao que foi e há terras onde parece tudo estar nos mesmos
moldes de ser, não obstante as modificações de o fazer. Os soutos de
castanheiros andam com a morte declarada, mas vão resistindo, as memórias de
Maria castanha fazem regressar os plantios e as teimosias de muitos tolos hão-de
assegurar ainda muita castanha aos vindouros. Conto a história: andava um homem
de idade a plantar castanheiros quando passou outro por ele com menos anos e
lhe chamou tolo por estar a plantar e já não chegar a tempo de vida para colher
os frutos; o primeiro homem, o plantador, quis saber então se o seu
interlocutor possuía castanhas ao que ele respondeu que sim, muitas e boas pois
tinha castanheiros que lhe bastavam e todo o orgulho de os ter lhe servia agora
para apoucar o trabalho do plantador idoso. Pois se as tem, foi porque outro
tolo como eu as plantou para si, homem de Deus e vá-se lá por elas. O
castanheiro é aquela árvore que desafia a longevidade de gentes e de lugares,
quase mesmo as leis da natureza, pois agente os vê velhinhos e a dar castanhas,
quase a morrer e a despontar galhos novos. E aos que se plantam e morrem o
conselho dado é que se plantem outros e se espere, entretanto a ciência faz
caminho por eles e tudo pode melhorar. Que assim seja, é o que afinal a lenda
de S. Martinho perpetua, esta ideia de vivermos com metade deixando ao futuro a
outra.
A folha do castanheiro / tem biquinhos como a renda / quem tem amores assim / não pode ter melhor prenda // – diz outra cantiga que se contrapõe a essoutra da gabarolice parola de exibição do que não se mereceu:
No alto daquela serra / tem meu pai um castanheiro / dá castanhas em Abril / e uvas brancas em Janeiro. //
Que as castanhas vos sejam de fartura comedida e fique delas a saudade de novos anos.
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