Estamos quase a chegar ao S. Martinho e já caíram muitas
castanhas nos soutos, muitas delas nos próprios ouriços de que o calor, e a
falta de chuva, as não deixou sair. Vão com menos qualidade este ano as
castanhas à mesa, mas vão e assim manterão o perfil do mês e da festa que as
celebra, esta de S. Martinho, o santo que deu metade da sua capa a um pobre e
que ficou na memória como exemplo de todos quantos se dão para que outros
tenham as suas necessidades e aspirações satisfeitas. Vistas aqui da escola, as
castanhas são tema de conversa e de literatura, mas sempre como referência de
ocasião, sazonais ao fim e ao cabo, exemplares da passagem do tempo e do correr
dos dias. Logo a seguir há-de vir outra festa e outro fruto temporão ou outro
assunto de conversa e assim vamos e assim estamos. Foi sempre assim. O que vai
variando mesmo é a força da corrente, agora distendida por falta de água, mais
logo abrupta por força de enxúrrios e precipitações anormais, mais tarde
equilibrada que é o que sempre se deseja. Pois de equilíbrios é que o tempo vai
variando e aí é que lhe está a graça. Afinal a regularidade do que quer que
seja não existirá nunca, a menos que as longas durações a redefinam no
tormentoso correr de nossas vivências. Assim acabo por chegar à escola de longa
duração, ou seja, já a ocupar em minha vida quase seis dezenas de anos,
descontando os primeiros daquela infância absoluta de liberdade na família. Pois
então, com esta arcatura de contemplação, cá estou para afirmar a escola como
tempo gerador de intranquilidades e de ansiedades, sua característica singular,
umas por serem geradas pelos pais ansiosos na educação e aprendizagem de seus
filhos, outras por andarem entranhadas nos professores apreensivos com sua
formação e ensaio de perspectivas de ensino, outras ainda porque fazem parte do
crescimento dos mais novos, estão inerentes aos seus ímpetos de contrariedade e
de afirmação, aos seus impulsos de curiosidade e às suas investidas de
experimentalismo. Não há história da escola que não tenha páginas corridas de
lamentação de tempo desperdiçado com aprendizagens efémeras, como não há escola
que não tenha assegurada a sua função vital de confirmação do mundo no
conhecimento. Assim vamos com esta missão de fazer parte do caminho das coisas,
das instituições e das relações de ser e de parecer. Sim, porque umas vezes
somos e outras vezes parecemos que somos, matéria que já daria para extensões
reflexivas de muita variação. Na voz de muitos, somos cada vez mais ligeiros de
ser e mais ciosos de ter, na voz de outros estamos em riscos de desaparecimento
tais são as evidências da degradação. Mas depois, reflectimos melhor, traçamos
uma linha de mediania, e concluímos que o trabalho é um recurso e um método e
que as dimensões positivas de construção e manutenção do vivido ainda superam
as deficiências e ajudam mais a reparar e controlar do que a deitar fora e a
perder. É deste convencimento que me vou fazendo, a de que há-de haver sempre
um aluno que me vai superar e que vai manter a chama viva deste trabalho
persistente na renovação das condições de vida. Os jovens hão-de chegar a tempo
aos seus reparos de infortúnio e os superarão com a mesma capacidade com que
antes disseram mal ou apoucaram os exemplos de outros. É certo que muitas
realidades, como a da família e a das relações sociais, parecem esboroar-se ou
reconfigurar-se, mas hão-de ser os que as experimentam os primeiros a dar-se
conta das vantagens de as confirmarem sempre pelos mesmos velhos processos, os
do amor, os da dedicação, os da persistência no trabalho de conhecimento.
quinta-feira, novembro 02, 2017
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1 comentário:
Tu escreves muito mas que bem que sabe ler-te.
Estas amostras e filões já mereciam estar perpetuadas num livro para ter...assim mais à mão, pois nunca sabemos até quando estes "gigantes tecnológicos" nos as deixaram acessíveis...
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