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quarta-feira, dezembro 12, 2007

Um assunto de consoada














(Fotografia de Miguel Louro, da série Sente-se. É um banco nos Jardins de Belém, ali na Praça do Império, em frente aos Jerónimos. Um banco propício)

Esta primeira quinzena de Dezembro trouxe-nos mais que falar, foi prenda de Natal que nos chegou antecipadamente, oferecida de mão beijada pelo senhor Primeiro-Ministro, em sede de Parlamento, mas levitada pelos meios da comunicação social para todo país, país que ficou a saber que as escolas vão passar a ter lideranças fortes, personalizadas, sujeitas ao escrutínio de um corpo eleitoral formado pelas forças vivas da comunidade escolar, professores e pais, certamente também alunos e funcionários, mais que certo também os representantes das forças económicas e culturais e autárquicas e espirituais, que todos são bem precisos para dar ao acto da candidatura e ao acto da escolha um ritual de participação inusitada, de esperança no futuro. Vamos passar a ter nas escolas uma liderança com programa, com currículo, com perfil, com definição de objectivos, alguém que se candidata para poder escolher livremente uma equipa de trabalho, alguém que se candidata a um poder e a um salário que o farão ser exigente de compromissos e de resultados. Ah, Jorge, anda agora ver o meu país de marinheiros que finalmente vai sair para o mar com capitão a bordo! É desta surpresa que se faz espectáculo, é deste prometer que se faz colheita, é deste falar que se faz conversa. Já dizem uns que vai ser uma política de regresso à autoridade, de regresso a compadrios subliminares, de regresso a jogadas de bastidores, de regresso a tempos de autoritarismo policial e policidado. Há sempre quem veja o velho onde aparece o novo e há sempre quem veja o medo antes de ver a vinha. Já dizem outros que agora é que vai ser a mudança que não foi, mas que esteve quase para ser. Já dizem outros que vai ficar tudo na mesma e eu sou desses. Tem a democracia parido bons líderes como os tem dado à luz com destravo de senso e de jeito, tem a democracia de uns feito o desconsolo de outros, tem havido lideranças para todos os gostos e feitios. A conclusão que se tem tirado é que o sistema educativo custa a mobilizar para melhores resultados, mas que mesmo assim tem havido progressos em algumas áreas. Aliás quando é para discutir resultados esquecem-se as lideranças e quando é para falar destas esquecem-se aqueles. Todavia, governar é reformar e a reformar é que se ganha vida e se faz ganhar a quem precisa de viver. Recordo-me da minha vida escolar no ensino primário: eu via chegar a professora e depois o professor e sempre pensava que eles eram senhores do seu próprio nariz, que estavam ali para ensinar e que eram eles que mandavam neles e que toda a vida da escola começava ali e terminava ali, certamente com um salário que alguém lhes pagaria, mas que eu nunca vira entregar em mão. Mais tarde soube que havia um inspector na sede do concelho e que a professora e depois o professor tinham que falar com ele de vez em quando. Esta organicidade de gestão, com director primeiro, depois com conselho directivo, depois com comissão de gestão, depois com comissão instaladora, depois com direcção executiva, qualquer dia com líder, tem sido uma aprendizagem de regime, uma prática da democracia. Assim vai continuar, não tenho dúvidas, que o povo não se cala e a falar é que a gente se entende e depois há sempre quem precise de governar a vida, sem precisar de se governar com a dos outros, assim o espero. Mas se eu continuasse a fazer do sistema educativo a mesma ideia que tive dele no ensino primário, que os professores estão na escola para dar aulas e que o salário se lhes põe na conta, porque também nunca o recebi em mão, estou que não seria um professor diferente do que sou, provavelmente até viveria mais concentrado em mim próprio e na tarefa de ensinar. Ou seja, fruto que também colhi na minha vivência democrática, cada vez separo mais as tarefas de quem ensina das tarefas de quem manda ou de quem gere a escola. Fico então mais contente com esta temática que o Primeiro-Ministro José Sócrates me ofereceu em vésperas de Natal para ter conversa na noite de consoada? Nem me aquenta nem arrefenta, para usar um coloquialismo infantil, ou deturpado propositadamente para o parecer, quando a ingenuidade se quer sobrepor à crítica mais consistente. Experimentem lá, se não der volta-se a reformar a ideia e volta-se a propor outra para debate, em sede parlamentar e de preferência em véspera de Natal, para arreigar nas escolas esta ideia tão linda de prenda no sapatinho.

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