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segunda-feira, dezembro 17, 2007

Considerações sobre os dias menos felizes

Ceia de Natal na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga

A imagem é de antes, mas ilustra a ideia geral do que pretendo dizer: somos menos e cada vez mais numa perspectiva de curiosidade sobre quem pode estar a chegar. Porque, apesar de tudo, achamos que alguém vai chegar, pensamos que é quase certo, mais tarde ou mais cedo, chegar alguém. Estaremos todos mais velhos e os novos não aparecem ou estão-se a demorar. A Casa também não pode mudar para a gaiteirice das novidades, ainda que o quisesse fazer, porque os recursos são muito limitados. Mas resiste-se e este movimento de resistência precisa de persistências. A Ceia de Natal foi um desses momentos. Éramos 33, crescemos até aos 38 e fizemos a ceia. E lá mostrámos os nossos modos de ser e de estar: curiosos, observadores do que se come e bebe, conversadores, pegulhentos e impliquentos nos apartes, corrosivos em relação aos ausentes, perdoadores dos esquecidos, enfim, de bem com todos. Por muitos anos que tenhamos de cidade, o melhor e o pior de nós é como água nos campos, corre para lá e rega. Este ano encomendámos as batatas com o bacalhau ao restaurante vizinho, não tivemos quem cozinhasse, desculpámo-nos com a idade e com as dores de costas e com o sermos poucos, mas sentimos a falta dos cuidados que só temos quando as panelas nos queimam os dedos. Nos outros dias, a sueca ocupa as mesas e nem sempre enche as disponíveis. Os panos verdes estão a precisar de arejo.

Actuações do Grupo Folclórico - Fomos no dia 8 de Dezembro a Barrada, Reguengos de Monsaraz, Évora. Pelo terceiro ano, com intervenção na missa, na procissão e no baile. Este ano levámos um canto «alentejano» e resolvemos adaptá-lo, mas saiu-nos apressado e nós que o cantámos lento, lento, O padre, a seguir, entoou-o à moda da terra e deu-se mal com a nossa pressa. A lentidão até como andamento musical precisa de passar pelo corpo para sair na voz, precisa de muita vida, fora os ensaios. Valeu pela experiência da adaptação, coisa de somenos, mas significativa sob o ponto de vista cultural e religioso. Um Grupo precisa de cantares ou então repete os que sabe. É suposto que os repita, porque é suposto que o repertório de um Grupo Folclórico seja limitado. Mas é suposto, quando a memória de três anos se parece com a de três dias, que alguma coisa se desloque e é aqui que pode estar a graça. A tempo a encontrarei. Em Barrada vive-se a festa com um prazer de comunidade. A aldeia é pequena e parece não ter a gente que faz a missa ou a procissão, mas dá-se o caso que cresce para lá dos seus limites e o povo vê-se. Depois sume-se outra vez e volta à noite para o baile. Os novos são poucos, mas os mais velhos são entusiasmados. É mais um espelho do que somos e de como estamos, mas a Banda dos Bombeiros do Alvito tem muitos jovens, ensaia-se com arranjos de novidade e empenha-se. A comida foi de encher e o chá de limão esteve a queimar.

Outras intervenções: leituras e histórias - Voltar a Torga implica mergulhar no nosso presente. Andei por escolas a recontar os contos, alguns, e convenci-me do que já estava certo: requer-se uma aproximação de Torga ao imaginário contemporâneo, que tem os mesmos sarilhos e problemas do tempo dele, agora com outras exigências de luz: ler é interpretar e interpretar é recriar e recriar é ouvir a linguagem: as palavras de Torga requerem a semântica dos dias que passam. Aproximo Torga de Tarantino e acho que resulta: há em Torga a mesma urgência de compreneder a violência social, há em Torga um apelo cinéfilo ao fluir dos problemas humanos, há em Torga uma tipificação metafórica de casos humanos. Aproximo os problemas de hoje aos que Torga encheu de narratividade: leiam o repouso e o caçador e o Natal e digam-me onde é que se pode meter a violência urbana, a gestão dos afectos e os caminhos dos sem-abrigo, se as palavras de Torga não forem alavanca de serviço? Problematizar Torga sem problematizar o que vemos, ouvimos e lemos e não podemos ignorar, é entediar a literatura!

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