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sexta-feira, dezembro 12, 2014

Boas Festas e Bom Ano!

O Menino e o sapatinho

(Presépio de Cervães)

O Menino e o sapatinho
Do Natal figuras são:
Uma, sinal de caminho,
Outra, fonte de ilusão.
Leia mais um poucochinho
A fim de tomar lição.

O Menino nasceu pobre
Para exemplo universal.
Quem o seu valor descobre
E o pratica por sinal,
Tenha pouco ou seja obre,
Nunca mais procede igual.

Reza a lenda que o sapato
Recheou-se em recompensa
De ajudar, sem aparato,
A pobreza mais intensa.
Desde aí se tornou facto
Que o presépio não dispensa.

Quem põe sapato deseja
Que lho encham, pois então!
Não falta agora quem veja
No sapato a ambição
Da riqueza que sobeja
E pode mudar de mão.

Se o Menino aconselha
A gente a cuidar de ser,
O sapatinho espelha
Vontade de tudo ter.
Com uma história tão velha
Muito se pode aprender

Não se deixe o sapatinho
Levar por mérito falso
No mundo, qualquer caminho
Se pode fazer descalço.

E quem assim perceber
O berço da divindade
Sapatinho deve querer
Recheado de humildade


José Machado / Braga / 2014

(Que as mensagens desta quadra festiva nos enriqueçam social e individualmente, de modo a podermos tomar-nos como recursos das soluções para os nossos problemas pessoais e colectivos)

domingo, novembro 30, 2014


Em crise…

Em crise nos dizemos e, a contrário
Do rumo natural que era suposto
Seguirmos como povo bem-disposto,
Fazemos um percurso de calvário.

Não faltam os profetas de promessas,
Já sobram juros claros e omissos!
E cedem as funções e os serviços
Às ânsias de atropelos e de pressas.

As culpas, as deitamos como certas
A quem servindo mostra andar servido
Por contas descuidadas e encobertas.

E assim se vai cavando a nossa cova!
Natal, era quem manda desse a prova
De estar pelo bem comum comprometido.


José Machado / Braga / 2014

segunda-feira, novembro 24, 2014

50 anos depois...

Esta série de fotografias remete para um encontro de antigos alunos do seminário espiritano de Godim, Peso da Régua. Este encontro foi no dia 4 de Outubro, para lembrar o mesmo mês, improvavelmente o mesmo dia, óbvio, em que entrei com mais sessenta colegas no seminário, por opção, pois tinha feito também o exame de admissão ao liceu e à escola técnica de Vila Real e tinha passado com distinção. É evidente que esta opção ou vocação andaria ligada às possibilidades económicas de meus pais, mas que minha mãe tinha gosto em ter um filho padre foi aconchego de meus ouvidos. Tínhamos na família, afastada, um missionário, o padre Manuel Magalhães de Três Minas, a quem minha mãe costurara todo o enxoval quando ela fora para o seminário. O meu enxoval foi marcado com o número 560.

Nesta primeira fotografia, tirada na sala de entrada do seminário de Godim, onde fora uma sala de aula do 2º ano,  vê-se o padre Afonso Duarte, então nosso professor de desenho, hoje pároco em São Brás de Alportel. A este padre, ao tempo um jovem missionário esbelto, dinâmico, absolutamente capacitado no domínio do desenho e da expressão musical, fiquei sempre devedor por todo o interesse que tive e tenho pela arte contemporânea. O que ficamos a dever aos nossos professores nestas idades de formação do gosto e do carácter ainda se mantém como bússola orientadora da minha perspectiva docente.


Estes encontros ou este género de reuniões entre condiscípulos, privilegiando o regresso aos lugares iniciais e reunindo o maior número possível de testemunhas ainda vivas, mas acrescentando as famílias entretanto formadas, com um sentido evidente de mostrar os frutos que os novos caminhos entretanto seguidos após a saída do seminário determinaram, estes encontros, dizia, são de paciente organização, quase sempre sem êxito total na reunião dos convocáveis. Mas fazem-se e bem, são sempre uma fresta de saudade. Com um sentido de catarse ou com um sentimento de dever e de agradecimento pelos anos de formação, ou que seja até com algum sentimento de culpa por não se ter seguido o outro fulgor vocacional, este ajuntamento de nós que vivemos um tempo juntos e partilhámos currículos formativos e esquemas de sobrevivência pessoal e solidária, faz todo o sentido no tempo presente, mas vem já com essa tradição de ter de ser assim que uma sociedade mantém e valida processamentos de informação para se manter e se avaliar.


Eu saí do seminário em 1971/72, já andava na Faculdade de Filosofia, em Braga, numa fase em que a dessintonização vocacional culminava em rupturas de fé ou de orientação religiosa e política. Curiosamente, eu saí do seminário quando tinha como director o mesmo sacerdote que fora meu director na Régua, nesses dois anos iniciais de frequência. Em 1974 eu concluí o que então se chamava o bacharelato e em Janeiro de 1975 fui leccionar para a Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão, já de candeias às avessas com Deus, militante de um partido radical, o MRPP, convencido de que tinha de mudar o mundo pela via revolucionária, a favor de um comunismo puro e ainda não experimentado em lugar nenhum, desconfiado activo de quantos partidos comunistas e facções ML se propunham fazer o mesmo.


O interesse destes encontros é precisamente esta exposição de franquezas entre amigos: quando em 77/78 eu entrei em ruptura com todo o ideário revolucionário marxista-leninista-maoísta, tendo saído e simultâneamente sido expulso do pequeno partido em que militara. Quando hoje confesso a estes amigos e antigos mestres que fizera tudo o que pudera para tirar Deus da minha vida e não o tendo conseguido, a Ele regressara, eles recordam-me uma identidade de crítica e de rebeldia que já andava inscrita naqueles dias de estudo e de cumprimento da regra. Nessa direcção, eu descobri que toda a minha tergiversação ideológica fora marca no berço e nesses primeiros anos de estudo pelo caldo de uma cultura missionária toda ela de impulso voluntarioso, de desafio de poderes e de atrevimento de pastoral: em Angola ou em cabo verde ou na América latina, os horizontes da missão já tinham todas as influências de uma doutrinação ideológica que então o ecumenismo favorecia e recomendava e que no terreno dava frutos evidentes de mobilização.


Estas considerações ficam aqui por respeito à cor das camisas de meus colegas: não fosse a vermelha do Guedes e eu não confessaria minhas diatribes na extrema esquerda, e não fora a branca do Casalta e eu não lavaria deste modo as palavras. O facto de eu a esse encontro ter ido de camisa preta e fraldiqueira é que me deu consistência libertária a esta ilustração fotográfica, obra de meu condiscípulo Estevinho, moço que não via há 48 anos.

quarta-feira, outubro 22, 2014

VIII jornadas nacionais do PROSEPE

UM OLHAR SOBRE O PROSEPE

1. O PROSEPE foi e é a iniciativa escolar com mais piada depois do 25 de Abril. A favor desta tese junto não só a preservação de muitos clubes e a concretização de muitos projectos, mas sobretudo a direcção que as coisas estão a levar, seja pela necessidade de definir a continuidade do seu financiamento, seja pela reflexão que as memórias acumuladas já suscitam, como ficou demonstrado nestas VIII Jornadas Nacionais realizadas em Braga no pretérito dia 19 de Outubro, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. 

Mais forte que a questão dos programas curriculares, na escola pública pós 25 de Abril, foi a questão dos métodos pedagógicos, abrindo-se longos debates em torno das correntes pedagógicas que então dominavam o espaço escolar, as quais se polarizavam então entre correntes directivas e não directivas, por outras palavras, entre correntes pedagógicas passivas e activas. Com base na psicologia do desenvolvimento, fosse de inspiração americana, behaviorista, ou de inspiração Piagetiana, ou Vigostkiana, procurou-se encontrar a pedra angular do ensino e da aprendizagem, o mais centrada possível no aluno e nas suas capacidades, mas sempre desejosa de uma ideia força ou tema ou projecto de trabalho que envolvesse a comunidade e determinasse o sucesso escolar de um maior número. Recordemos métodos identificados pelo nome de seus praticantes ou de suas escolas de iniciação: Decroly, Freinet, Montessori, Pietralata, Summerhill, radicais de Hamburgo. Recordemos igualmente identificadores comuns de práticas pedagógicas;: pioneiros e novos pioneiros, mocidade portuguesa, oficinas de S. José, obra do padre Américo, campos de trabalho, etc. Tenhamos também presente a longa divisão existente na organização escolar do Estado Novo entre escolas técnicas e liceus e na variedade de cursos que aquelas então ministravam aos alunos.


Nos finais da década de setenta, depois de a Revolução de Abril ter concretizado a reforma escolar iniciada por Veiga Simão de unificar o ensino técnico e o ensino liceal criando um tronco básico comum, a formação dos professores integrou,  via universidades suecas, as metodologias de projecto, a dinâmica de grupos, entre outras novidades, abrindo-se os programas a conteúdos programáticos não disciplinares, informais, oficinais. Os anos oitenta são atravessados por um movimento de reforma que problematiza a urgência de se retomar o ensino técnico e profissional e uma abertura das escolas aos problemas do meio, acabando por ver nascer um projecto denominado Escola Cultural, concebido pelo professor Manuel Patrício, apelando à organização escolar de clubes de todo o género. 

É nesta sequência de «invenções ou propostas» que em 1993/94 se lança o Prosepe, decorrente do Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais, o qual se estrutura também com uma dimensão de sensibilização da população escolar. Sob a direcção e coordenação geral do professor Luciano Lourenço, este projecto acaba por se mostrar ao grande público em Santarém, com um formato verdadeiramente aparatoso, quer em termos de enquadramento visual dos clubes (todos de T-shirt personalizada, lenço de pescoço a lembrar os movimentos de pioneiros, e boné), quer em termos de simbologia, com os estandartes e as mascotes, quer em termos de envolvimento transversal de serviços públicos, instituições e organismos do Estado: bombeiros, polícias, militares, forças de segurança, sapadores, serviços florestais, serviços agrícolas, etc.


As questões da floresta depressa congregaram vontades nas escolas, até porque o financiamento disponibilizado permitiu aparatos de organização como nunca se tinham visto. Todavia não foi esse o aspecto que contribuiu para o êxito deste projecto, foi a sua transversalidade temática em relação aos programas curriculares e foi a sua articulação com múltiplos serviços do Estado, tendo chegado muito depressa às autarquias, por força dos esquemas organizativos que se implementaram para concretizar encontros nacionais e regionais. A transversalidade temática foi assegurada não só pela diversidade de professores envolvidos nas lideranças dos clubes, mas sobretudo pela dinâmica formativa que o Prosepe lançou de imediato com figuras intelectuais de primeira água, como o professor Jorge Paiva, o engenheiro Eugénio Sequeira, o arquitecto Caldeira Cabral, para só citar estes com quem fiz formação. 



O Prosepe depressa se tornou uma pedagogia activa, uma forma interactiva de trabalhar com os alunos, um processo de operacionalizar as unidades de ensino, os conteúdos disciplinares, a partir de conceitos e conhecimentos provenientes de várias ciências, todos eles conducentes à concretização de um projecto local, de clube ou de escola. Mais livre ideologicamente do que outras intencionalidades anteriores, mais aberto em termo de abordagens técnicas e teóricas, mais polémico em termos de concretização no local, por requerer apoios, espaços, materiais, horas de trabalho, mais articulador dos conhecimentos e sobretudo mais ligado à vida prática, quotidiana, O Prosepe consubstanciou-se, então, após estes 20 anos, após estas oito jornadas nacionais, como ferramenta escolar, como recurso pedagógico, paradigma em si da metodologia de projecto generalista que se divulgou enquanto conteúdo formativo. E a prova provada disto é a sua fácil migração para os programas de ATLs, para os programas das autarquias e para os programas de museus, parques temáticos, zonas de protecção ambiental. 



Está na hora de o Prosepe se privatizar enquanto angariador de fontes de financiamento e está na hora de o Prosepe migrar para outras esferas, nomeadamente para as autarquias e outras esferas da gestão pública ou privada.

2. Neste projecto de sensibilização da população escolar para as questões da floresta, a animação cultural tornou-se muito cedo uma pedra de toque, questionando-se muitos, logo ao princípio, se este movimento se poderia ligar a alguma ideia de festival musical ou de parada etnográfica ou de encontro de representações ou desempenhos pluri-artísticos. A experiência de dotar os clubes de boné, lenço e t-shirt coloridos e garridos, com todas as semelhanças a movimentos juvenis de propaganda nacionalista, passados e presentes, foi intensamente vivida. A experiência musical também ficou registada em discos, com a ideia dos hinos dos clubes. Em muitas escolas consolidaram-se movimentos pragmáticos de animação: arboretos, parques, viveiros, aquários, estufas, hortas, museus. Noutras escolas despontaram iniciativas: teatros, coreografias, grupos de percussão, grupos de folclore e de outros géneros musicais. Nos encontros regionais e nacionais, não faltou a programação de animação, mobilizando instituições a «mostrarem-se» de outra forma, como os bombeiros, os corpos de intervenção, os serviços públicos. E também não faltou a vontade de mobilizar a classe política, desde a presidência da República aos diversos ministérios e secretarias do Governo. O grande objectivo de consolidar a escola como sujeito de uma animação cultural essencialmente temática requer a boa resolução de dois velhíssimos problemas: o das lideranças - as causas comuns requerem sujeitos criadores, e o da tradição de estudo e cuidado – o conhecimento patrimonial e a capacitação de recursos.


3. No resumo que enviei para o secretariado afirmo: «O grande objectivo de consolidar a escola como sujeito de uma animação cultural essencialmente temática requer a boa resolução de dois velhíssimos problemas: o das lideranças - as causas comuns requerem sujeitos criadores -, e o da tradição de estudo e cuidado – o conhecimento patrimonial e a capacitação de recursos».

Fui fundador de um Clube na minha escola, estive no primeiro grande momento de apresentação pública dos clubes em Santarém, tenho sido animador de palco de algumas jornadas regionais, o que julgo suficiente para sustentar a perspectiva que aqui vos trago. O Prosepe é em sua essência um caso de animação cultural, vive de todos os recursos que esta dimensão espectacular da comunicação de massas requer: mobiliza recursos que recorrem a técnicas de animação específicas e espelha-se através de técnicas mediáticas. O Prosepe tem como vector de sua própria comunicação a liberdade criativa dos seus agente vários, considerando que todas as técnicas e recursos podem ser aproveitados em benefício de causas.

Os meios disponíveis têm sido aproveitados: a gravação áudio e vídeo, a edição de revistas e livros, a produção de prospectos, o registo fotográfico, a página web. Os clubes têm tirado partido de técnicas de exposição e animação variadas: o teatro, a canção, a dança, a instalação, a exposição, o poster…


Torna-se muito evidente, nos vários momentos públicos de intervenção, que a animação cultural depende essencialmente do grau de iniciativa e criatividade dos clubes e de suas lideranças no contexto escolar. O contexto escolar e as suas circunstâncias são inibidores ou potenciadores de liberdade criativa, umas vezes demonstrando grande operacionalidade, outras vezes limitando a mesma. Todavia, quer muita, quer pouca, é no palco que se verifica a eficácia comunicativa e nesta área evidenciam-se com frequência factores que diminuem o impacto das apresentações: falta de som, pouco ensaio, condições técnicas limitadas, tempo de intervenção condicionado, etc. Uma palavra para um aspecto que em palco falhou algumas vezes: a resposta mediática que a classe política, desde as entidades centrais até ás regionais, dá em hora de apresentação em palco nem sempre prima pela boa comunicação, quando não prima pela ausência pura e simples.

Os resultados são positivos, mesmo que muitas vezes tudo pareça demasiado improvisado. O fácil e o improvisado e o descuidado são superáveis, todos sabemos. A progressão qualitativa que se deseja vai dependendo das lideranças e vai também precisando de conteúdos, de uma tradição de estudo e de produção.

Quer se trate de um teatro, quer de uma dança, quer de uma cantiga, quer de uma exposição, a mensagem requer eficácia: deve ser evidente, breve, intensa. Ora todos sabemos que estas qualidades requerem sínteses criativas em termos de texto, como requerem o treino intensivo de movimentos e o correto desempenho dos indivíduos participantes. Com miúdos ou com adolescentes ou com adultos, a mensagem em palco requer a fórmula adequada.


4. Uma palavra final para um dos rostos do Prosepe a nível nacional, mas sobretudo regional, o professor Jorge Lage, o homem que tem mobilizado montanhas para se verem nelas todas as florestas do país e todas as suas necessidades. Os coordenadores regionais e os coordenadores dos clubes são um exemplo da categoria de agentes profissionais que se especializaram neste projecto pedagógico de trabalho chamado Prosepe, agentes que, mesmo que atinjam a reforma, ficam com muita experiência de trabalho apara serem recursos de empresas e de autarquias, reservas capacitadas da sociedade civil. 





quinta-feira, outubro 09, 2014

À terra onde minha mãe nasceu...

...volto eu a cada passo agora, por ali andar com umas plantações de castanheiros, amendoeiras, figueiras, diospireiros, oliveiras e nogueiras, para já, coisa que parece muita, mas não é se eu disser a quantidade que não vou dizer, claro. Os trabalhos ocupam os dias, mas ocupam também esse lugar que a saudade teima em alimentar como factor identitário e nos prende a um berço, a um clima, a uma residência, a uma terra, a uma gente. 

Pois minha mãe saiu de sua terra para Campo de Jales casada com meu pai que era de Nogueira, Vila Real, e foram viver para o bairro da Saiça, primeiro no de lá, depois no de quatro casas, se assim se pode ficar a saber como distinguir aqueles aglomerados de habitações para os trabalhadores, feitos ao estilo inglês, construídos por um empreiteiro de Santa Marta de Portuzelo, Viana do Castelo, em cujo cemitério local repousa um dos engenheiros ingleses que terá consolidado estilos de instalação e de organização do couto mineiro, o engenheiro Chapman, bem conhecido de meu pai que o tinha como exemplo de líder. Próxima da casa, no nosso caso, estava a horta, uma leira de terra, uns cem metros quadrados mais ou menos, mas meus pais tinham mais umas territas em raiz do Monte, por herança de minha mãe.

Ora foi precisamente num desses bocados, onde quase todos os irmãos fizemos tirocínio de lavoura, o Agro, que eu fiz a plantação das árvores, em terreno luzidio para uns, pedregoso para outros, nem bom nem fraco, ruim de todo para quem diz mal de tudo. 
  

...se chama Raiz do Monte e eu já ouvi dela a hipótese de ser a terra dos reis do monte (ainda hoje os de Raiz do Monte dizem que são de reis do monte), com referência a cartas de povoamento que a deram a povoadores intrépidos; de qualquer modo o topónimo capta a base da montanha como berço da aldeia, não obstante haver no alto da mesma a memória de Presandães, hoje apenas vestígios de casas, mas ainda lugar da nascente das águas, a serra da Presa, onde depois a empresa Minas de Jales construiu uma barragem de captação de águas para os seus serviços de abastecimento, incluindo a produção de energia. 

Aqui nasceu minha mãe, filha de Maria das Dores Gomes (1897-1980) e de Hermínio Afonso Costa, ela costureira, filha de tecelã, a Ti Ana do Rio, ele alfaiate, homem que haveria de fazer a campanha de Moçâmedes e depois integrar o corpo expedicionário português na I grande guerra mundial, da qual trouxe os males que o levariam a finados.

 

...apareceu nas amendoeiras este bichinho camaleão de suas folhas, que vozes avisadas me aconselharam a combater à mão, tirando e devolvendo à terra, que o dito larga cheiro intenso, pois o inverno vem aí e encarrega-se de os eliminar deste circuito de pastagem. Agora vem o tempo de aumentar a plantação e vamos a ver.


...saiu para o cemitério da freguesia, em Vreia de Jales, a pedra tumular que cobre o repouso eterno de minha mãe, um desenho meu de inspiração nas pedras mais velhas do cemitério que data de 1884, ainda de acabamento incompleto. A cruz foi daqui de Braga, da serralharia O Setenta, em aço corten, que agora ficará ao cuidado do tempo patiná-la, vesti-la de ferrugem, lembrando inevitavelmente a quem trabalhou nas minas o cavalete de ferro e as vagonas e as linhas enferrujadas, comidas pela acidez das águas e das chuvas; lembrará à família os ferros espalhados pelo armazém onde meu pai trabalhou muitos anos e de que se tornou um gestor extreme. O trabalho do jazigo saiu das mãos de Domingos Vaz Fontela, um empresário da pedra, natural de Raiz do Monte. 

Terei agora, ou teremos - nunca um homem se dedica só a tanta vida - a missão de seguir o crescimento das árvores e o envelhecimento da cruz... 


quarta-feira, setembro 03, 2014

Inauguração da nova Francisco Sanches

I - Uma exposição diferente para uma escola nova:


MODAS ANTIGAS NA NOVA ESCOLA FRANCISCO SANCHES
Para quê?

Para despertar mais conhecimento sobre o nosso tempo actual: somos diferentes daqueles que nos antecederam, temos outros recursos tecnológicos, acumulámos mais saberes: Como conseguimos isso?

Para educarmos o nosso sentido de pertença a uma nação, a um país, a uma região: temos valores patrimoniais, temos uma língua, temos uma cultura, reconhecemos em nós características que nos distinguem de outros e temos orgulho em «coisas» nossas.

Para conversarmos sobre o nosso desenvolvimento e o nosso progresso ao longo dos tempos: conservamos monumentos e documentos, histórias, trajes, cantigas, danças, imagens, uma lista infindável de objectos e de memórias, e queremos sempre «melhorar» as nossas condições de vida.

Para aprendermos técnicas e saberes, para fazermos por nossas próprias mãos, aumentando a nossa criatividade e a nossa autonomia.

A exposição etnográfica - «METADE DE NÓS» - propõe uma viagem de conhecimento a partir de duas peças do vestuário: a camisa de homem e o colete da mulher. Estas peças foram feitas com um elevado sentido artístico, dentro de uma tradição de vestir e de estar em sociedade. Hoje conservam-se e reproduzem-se não só para testemunharem a progressão e a mudança sociais, mas também para afirmarem uma identidade cultural regional.

O folclore é a sabedoria de um povo manifestada através de práticas de vestir, de falar, de cantar, de dançar e de viver que já não são dominantes na vida atual, mas que são inspiradoras de memórias, de valores e de situações de vida que se consideram muito significativas para a formação e a educação das novas gerações.

Aqui ficam algumas propostas para aguçar a curiosidade de ver esta exposição:   

Hoje vestimo-nos de modo mais «primitivo» ou de modo mais elaborado?
A T-shirt veio realizar todas as aspirações de uma camisa folclórica?
O boné e o «cap» herdaram a história do chapéu?
O que terá provocado a falta de uso do colete pelas mulheres?

Sabes bordar? Sabes cuidar de tua roupa?
Interessa-te pelo teu futuro e descobre melhor o teu passado.

Esta exposição foi concebida pela Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», um grupo de pessoas que usa o formato de grupo folclórico para estudar e promover a cultura popular portuguesa ao longo dos tempos. Este grupo foi fundado na Escola Francisco Sanches no ano lectivo de 1978/79, tem a sua sede nesta Escola e alguns professores do Agrupamento e outros já aposentados fazem parte da associação. Para celebrar esta exposição foi feita uma T-shirt especial que se poderá adquirir na reprografia da Escola. Aproveita e participa nas iniciativas que esta exposição vai desenvolver.

A Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» agradece ao senhor Director do Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches, professor Jorge Amado, a iniciativa desta exposição no espaço da Biblioteca da nova escola sede de 1 de Setembro a 15 de Outubro e agradece o trabalho de promoção da mesma à professora Adelaide Abreu e à equipa de informática.

Texto redigido por José Machado, elemento fundador e diretor artístico da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» e presidente do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches.


II - Um poema para a abertura do ano lectivo:

9 quadras – 9 argumentos –  9 conselhos – 9 lições

Se o que é velho tem a sua graça
E o que é novo parece sempre bem,
Então a escola agora tem mais raça
E lança-te o apelo a seres alguém

Que faz da novidade dos espaços
Projectos de melhor cidadania;
Que o novo acalenta os nossos passos
Se nós os renovarmos dia-a-dia.

A entrar e a sair seremos muitos,
Por salas, corredores, campos, serviços;
Com regras se resolvem os assuntos,
Direitos e deveres são compromissos.

A cada um compete a iniciativa
Do zelo, do cuidado, do respeito,
Por bens que a despesa colectiva
Gastou p’ra nosso mérito e proveito.

Os móveis e as paredes não conversam
(e elas têm ouvidos apurados):
Mais servirão os anos que atravessam
Quanto melhor se virem estimados.

O mesmo se dirá de toda a flora
Que envolve o território educativo:
P’ra boa imagem ser de quem cá mora
Requer olhar atento e interventivo.

Pilhérias! – dirão uns – Matéria espúria!
Lançado na voragem do consumo,
O novo será vítima da incúria,
Do vírus do desleixo e desarrumo!

Não! Eu creio que o novo é sedutor:
(Quem estreia coisa nova ganha alento)
É esta a própria essência do amor,
O novo é elixir do pensamento!

Do caos, eu suspeito por princípio!
O sujo, eu combato por missão!
A entropia existe desde início,
Mas a raiz do bem é o coração!

José Machado / Grupo 200 / Braga: ano lectivo 2014-2015

quarta-feira, julho 30, 2014

As pontes de todos os passos

A ponte Carlos IV em Praga marcou os nossos passos na semana que lá passámos. Apresento-a nesta imagem a partir do rio, naquele passeio de barco do penúltimo dia: são 516 tal metros em 16 arcos, sobre o rio Vltava, ou Moldava. É um símbolo: da cidade, do país, da Europa e do mundo. A sua travessia é um espanto de obras de arte, de tipos humanos, de casualidades comerciais, de momentos artísticos, de situações do vivido em todas as linguagens que o expressam. A gente passou lá várias vezes, para ver e para sentir a movida da ponte, para sermos mais dois entre todos, para nos revermos em nosso modo peculiar de ver e de estar no meio de outros: os momentos artísticos impõem mais paragens que os negócios de recordações ou de extravagâncias: ali se exibem bons músicos, com toda a piada performativa que hoje o tempo induz. 


O músico Alex é por si só um espanto de desempenho, de bom humor e de comunicação: um professor de música autónomo, habilidoso em pormenores de fantasia, afável no contacto e nas referências até que faz a memórias de passagem por Portugal. 


A gente demora na ponte porque os séculos que a sustentam contêm demasiadas histórias sobre nós. Dali vê-se um metrónomo na colina, num lugar que a guia do barco, uma jovem absolutamente possuída de jovialidade e de uma inocência atractiva, identificou como sendo a colina onde em 1955 fora inaugurado um monumental conjunto escultórico a José Estaline, monumento este destruído à bomba em 1962 como recusa do culto da personalidade, monumento este que fez a guia evocar Jan Palach, o jovem que se imolou pelo fogo em protesto contra a invasão da Checoslováquia pela URSS em 1968/69 e sobre cuja memória existe uma cruz entalada no passeio em frente ao grande museu nacional da cidade. Na relação que fiz destas datas com a minha vida, senti-me envolvido na história da cidade: aquele jovem marcara bem os meus 15 anos e as minhas vivências do ano 68/69.


Em Praga, não saberei dizer bem porquê, talvez por influência daqueles programas de TV que busquei no hotel e que se referiam constantemente aos conflitos actualmente em curso pelo mundo fora, talvez pelo excesso de juventude que ocupava as ruas da cidade velha, talvez pelo volume de turistas sossegadamente espalhados pelos sítios de visita guiada, talvez pela frequência de reparo em gente idosa que integrava os grupos da parada folclórica, talvez pelo facto de as narrativas dos monumentos e dos lugares repisarem percursos da cristianização, talvez pela fugacidade de reparo aos anos do comunismo, talvez pela densidade de presença do povo judeu naquelas três sinagogas e naquele cemitério, talvez pelo calor, talvez pelo conforto do hotel, talvez pela qualidade de satisfação geral, achei-me várias vezes a sentir um arrepio de pressentimento de que algo de complicado nos espera e nos vai apanhar desprevenidos... os aloquetes que se deixam nas pontes testemunham um estilo de promessas que nem sempre nos conforta a alma, é verdade, mas eles também foram pensados com angústia, certamente...


Já este cantinho de graça artesanal se refere melhor a todo o clima de festa que anda no ar na cidade. Esta cidade de Praga, eu não a conhecia pela extensão de sua urbanidade artística, fixada em grandiosos edifícios barrocos, renascentistas, rocócós, arte nova, nem pela mobilidade de todas as manifestações de vivência lúdica e livre, nem pelo gosto perfeitamente descomprometido e leve de modos de trajar; conheci-a também pela quantidade de suas igrejas, pela maravilha de seu relógio, pela largueza de vistas de suas torres, por suas redondezas de investimento agrícola e florestal, por seus lugares visitados em passeio orientado: o castelo de Karlstein, a cidade de Hutna Hora e suas minas medievais de prata e a cidade de Karlovy Vary. Viemos de lá com saudades, viemos de lá confortados...

sábado, julho 05, 2014

Sob candeias de pavio breve

1. Meu pai e meu irmão fazem anos este mês de Julho, o segundo dia 3 e o primeiro dia 6, com a diferença entre eles a ser maior que a minha dois anos apenas, que meu pai contava 26 quando eu nasci. Mais uns dias, a 18, fará anos minha irmã Conceição. Somos 9 os filhos  do senhor João Maria Machado e da senhora Ana Maria Gomes da Costa, falecida em Outubro do ano passado, ele natural de Nogueira, Vila Real, ela de Raiz do Monte, lugar onde é esta propriedade em que temos casa. O momento da fotografia reporta-se à semana anterior à Páscoa deste ano e ali, perto do coberto da lenha, do galinheiro e de outros arrumos, nos sentámos a conversar, com proveito casual de merenda. Meu irmão João é médico no Curry Cabral, em Lisboa, é pai de três filhos, tem a sabedoria das especializações em que se esgota diariamente. Meu pai agora está em Lisboa, em casa da Conceição, tendo por perto mais duas filhas, a Maria das Dores e a Maria Adelaide, esta a mais velha de nós, que o não parece nunca. Que os anos pesem a ambos na proporção dos proveitos que lhes dão, é o que tenho de lhes desejar, ainda que saiba que a meu pai todo o peso foi sempre a triplicar.

  

2. Esta janela tem as mossas da pedraça que caiu na véspera de S. João em Raiz do Monte e arredores. Virada a nascente, exibe as pedradas que o mau tempo descarregou sobre os as árvores, os campos de feno e de batatas e as hortas. Tudo se foi e ao mais não era muito. Foi breve a lição de dependência, suficiente para lágrimas e esconjuros. Que esta vá e outra não venha, foi o rifão de cortesia que mais ouvi na terra, dirigido ao céu.  


3. Os castanheiros do Agro, plantados em terra que loze, nas palavras do senhor Benjamim, só terão a minha esperança ingénua de crescimento e por isso os estimo. 


4. Neste acumulado de toros de giesta, aproveitadas do Agro, sobrepuseram-se as pontas mais tenras do velho castanheiro que se vê na fotografia de cima, cortadas pela pedraça. Se as houver no outono, as castanhas terão o sabor de uma reparação.


5. Sob candeias de pavio breve / me exponho à paciência de cuidar / que o tempo espevita e circunscreve /
as palavras que nos hão-de explicar / ora em sombras diluídas pela rede / ora em sulcos cavados num lugar.

segunda-feira, junho 09, 2014

METADE DE NÓS - EXPOSIÇÃO ETNOGRÁFICA


METADE DE NÓS - EXPOSIÇÃO ETNOGRÁFICA
camisas de homem e coletes de mulher


Metade de Nós é uma expressão da identidade que toma a parte pelo todo com o propósito de fazer concentrar a conversação e o olhar em duas peças da indumentária folclórica regional: a camisa de homem e o colete de mulher. Cada peça representa a metade da pessoa que a veste, na sua plenitude de objecto singular e social: as marcas que tem, a função que realiza e o conjunto em que se insere traduzem a imagem cultural que possuem: são peças do trajar popular, camponês, minhoto; são criações de autor (o bordador, a bordadeira) feitas a partir de um inventário há muito estudado e referenciado a esta região de Portugal (Baixo-Minho) em que Braga se toma como lugar, centro e capital; são produções para a função de trajar à moda tradicional, numa expressão festiva predominante; são o resultado de um entusiasmo cultural e estético pelos materiais, as técnicas e os motivos com que são executadas.

A Associação Cultural e festiva «OS SINOS DA SÉ», sucedânea do grupo Folclórico de Professores de Braga, fundado no ano lectivo de 1978/79 na Escola EB 2/3 Dr. Francisco Sanches, dedica-se ao estudo e divulgação da cultura portuguesa, privilegiando as manifestações musicais e coreográficas.

Os trajes usados pelos seus elementos definiram-se a partir de dois paradigmas consolidados, o do Grupo Folclórico Dr. Gonçalo Sampaio e o do Grupo Folclórico das Lavradeiras de Parada de Gatim, mas resultam também de uma investigação própria, quer entre as gentes dos mais variados lugares da região, quer nos mais variados arquivos e documentos. Em termos metodológicos, os princípios que orientam a pesquisa e a produção dos trajes desta associação são a fidelidade a modelos e técnicas, o gosto pela variação padronizada, o enriquecimento estético plausível e a valorização de significados implícitos.

Metade de Nós são os outros, na variação de género, número e pessoa que melhor conjuguem a importância estética deste acumulado cultural com que nos representamos. Os outros, as mulheres, usam coletes de rabos ou sem eles, têm a vistosidade como regra, mas contêm-na recatadamente, demonstrando, na aprendizagem interiorizada das técnicas, a sua criatividade e sensibilidade estética face a variações, a influências e a aproveitamentos de recursos. Os outros, os homens, usam camisas feitas a partir desse ancestral rectângulo têxtil, talhado em linho, bordando-as eles próprios ou entregando-as em mãos de bordadeiras experientes, suas mães, ou companheiras, ou amigas, ou artífices de nomeada. As peças de metade de nós interiorizam o desejo da outra metade e nesse jogo de sedução está o compromisso de trajar bem, dentro de um cânone que serve à contemporaneidade de espelho sobre usos e costumes sociais.

A diversidade de origem dos vários elementos da Associação Cultural e Festiva «OS SINOS DA SÉ» constituiu sempre uma predisposição natural à apropriação das estéticas etnográficas que envolvem os diversos tipos de bordado habitualmente aplicados em camisas e em coletes. Uma viagem no interior do Minho (Braga, Vila Verde, Aboim da Nóbrega, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Barcelos, Guimarães) dará conta de uma variedade de modelos e de aplicações do bordado, a cujo efeito dificilmente se resiste quando se reproduzem modelos de trajar que dignificam a memória social de usos e costumes representativos de uma região.

O público receptor desta exposição é desafiado a pensar na conjugação dos factores que tornam estes objectos manipuláveis: a problemática das origens estará sempre presente a procurar os fios que nos trouxeram até aqui: as invasões e migrações de povos, o sistema matriarcal, a corte e a casa senhorial, os movimentos comerciais internos e externos, os tempos livres e ocupados do ciclo agrícola, os grupos domésticos e os grupos mercantis, os ofícios e os oficiais, os lavores femininos e os masculinos, os papéis de homens e de mulheres, os criadores de modelos, as modas, as revoluções, os poderes políticos e os poderes religiosos, os ritos e os rituais, as permissões e as proibições, os gostos, os estilos, o permanente e o efémero, enfim, a época, a região, a moda do lugar e o gosto pessoal. Depois das datas possíveis e dos espaços dominantes, depois da arte numa economia de sobrevivência e da arte nos engenhos da indústria, depois do original e da cópia, o leitor há-de fazer uma ideia mais lúcida do que nos trouxe até onde nos expomos. 


A curiosidade levará o observador atento a querer saber da arte de bordar um tecido decorando-o de motivos por meio de uma agulha enfiada com uma linha branca, preta ou de outra cor, em pontos variados, como pé de flor, ponto de cruz, ponto cheio, ponto de cadeia, ponto de cordão, ponto lançado, veludo, recorte, canutilho, margarida, espinha, formiga, ilhós, bainha aberta, gradinha, crivo, juntando ainda o recurso a outros fios como o “soutache” e a outros materiais como vidrilhos, contas, missangas, lantejoulas. 

Mas a curiosidade maior estará em o observador se deixar conduzir pela natureza e distribuição dos motivos, interpretando-os na sua naturalidade de ser e parecer, procurando-lhes uma leitura simbólica: ligue-os ao corpo e veja-os funcionais, ligue-os ao espírito e descubra-lhes a transcendência. 

Nos coletes, o circular ou redondo impõe-se como fio de leitura, contribuindo para o pleno sentido da mesma a abertura dos braços que satisfaz o desempenho coreográfico. Nas camisas de homem, o bordado estende-se pelo peito com a respectiva ratoeira, pelo colarinho, pelos ombros e pelos punhos, alcançando um simbolismo de pontos cardeais numa extensão que exprime os valores associados ao património, à propriedade, à família e à pessoa.

Foram bordadores de camisas: José Machado (1953), António Castanheira (1949), Fernando Rei (1973) ; foram bordadeiras: Albertina Fernandes (1956), Sílvia Malheiro (1944), Rosa Ferreira (1951), Manuela Meira (1949-2011). Os coletes saíram das mãos de: Cecília de Melo (1934-2009), Conceição Tinoco (1940), Áurea Marques Pereira (1945) e Albertina Fernandes (1956).

Metade de Nós é uma exposição que se completa com uma exibição do trajar da professora Maria Cecília Barros da Costa Melo (Braga: 1934-2009), fundadora desta associação cultural, um caso singular de dedicação ao estudo, à divulgação e à preservação dos trajares e das suas técnicas de confecção e produção, juntando no seu espólio excelente documentação da tradição popular, rural ou burguesa, camponesa ou urbana, participante que foi de tempos e de movimentos sociais muito contrastivos. 

Em torno de Metade de Nós dispõem-se algumas fotografias em três andamentos: o primeiro é o da natureza incontornável em que nos inserimos, com os seus apelos contínuos de uso e usufruto, salvaguarda e sustentação; o segundo é o da nossa vivência cultural dos compromissos vários que vamos assumindo; o terceiro é o da elevação a que nos sentimos levados, seja por ansiedade de influência, seja por merecimento de resultados: há sempre um céu onde nos projectamos e onde se refugiam as memórias.

Sugestão de leituras:
Bordado de Guimarães. Coordenação de Isabel Maria Fernandes. Campo das Letras. S/d
Bordados e Rendas nos Bragais de Entre Douro e Minho. Coordenação de Carlos Laranjo Medeiros, AOT, Grupo BFE, 1994.
O Traje Regional Português e o Folclore. Madalena Braz Teixeira. http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap7.pdf
O Trajo Regional em Portugal. Tomaz Ribas. Inatel. Difel. 2004.

Texto de José Machado / Braga / 2014

domingo, maio 25, 2014

No banco dos suplentes


(Fotografia tirada por meu irmão António no terceiro piso do Café A Brasileira em Braga, espaço onde brevemente a Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» de Braga irá instalar uma exposição com algumas apropriações da estética etnográfica presente no modo de trajar tradicional que os grupos folclóricos assumem como seu espelho de apresentação.)

Na semana em que começaram os exames, eu lá estive num deles a vigiar os alunos e noutro fui para a sala dos suplentes, à espera de ser chamado, caso alguém adoecesse ou se indispusesse subitamente. A espera foi sempre ofício de alguma gente, portanto desta vez tocou-me experimentá-la. Estar de serviço na expectativa de que alguém adoeça ou morra ou se indisponha ou simplesmente não compareça ao serviço e daí não possa prosseguir o trabalho previsto é afinal a função de todos nós, a gente prepara-se para substituir alguém e é bom que se capacite disso. Os suplentes às vezes nunca jogam, é certo e deve custar-lhes imenso ficar no banco. 

Sempre que fui suplente nos jogos da regional, um de três campeonatos que disputei como atleta federado, experimentei aquela sensação de vir a ser o factor decisivo do jogo caso o treinador me desse ordens para entrar, mas também senti bem na pele a ideia de estar ali mas não ser preciso para nada, desejando mesmo que ninguém se aleijasse ou fosse excluído pelo treinador. Recordo-me dos tempos em que também fui responsável pela orientação de uma equipa, na minha terra, nos campeonatos do Inatel e de ter de aturar a birra dos suplentes sobretudo depois de passarem dois ou três jogos sem pôr o pé na bola, acabavam sempre por discutir comigo e ameaçavam desistir de comparecer caso não os pusesse a jogar pelo menos o último quarto de hora. Suplentes houve que ficaram célebres por serem a arma secreta do treinador e ainda hoje se fala assim. 

O nosso tempo declarou formalmente a insubstituibilidade dos suplentes, hoje o banco dos suplentes é a montra da equipa, ter um bom banco é ter meio jogo ganho e não é raro haver surpresas e reviravoltas no jogo quando se mobilizam os suplentes. Na política, a figura dos suplentes progride na proporção directa do argumento de que não há insubstituíveis, ditando a lógica dos interesses a providência das substituições, chegando-se ao ponto de ter de legislar contra a falta de descaramento neste jogo. O hoje eu, amanhã tu, agora este e depois aquele, faz parte das estratégias de quem faz listas para o que quer que seja: os suplentes ali estão numa de generosidade, uma espécie de resposta ao cumprimento de um favor, como se toda a generosidade se exprimisse em ser o último. Isto é mesmo assim, não há volta a dar-lhe, todos temos de estar na mira de sermos precisos. Esta disponibilidade é o nosso sustento: como viveríamos se não soubéssemos que alguém vigia por nós e que alguém está pronto para entrar em acção? É esta a lógica do dar o lugar e não estar apegado a ele. 

Existem todavia algumas contrariedades que também merecem a reflexão: os suplentes têm de ocupar o tempo com alguma coisa, têm de estar ali à espera e precisam de se manter em actividade. Ora neste caso concreto que me coube de ser suplente as instruções foram as de nada fazer que não fosse estar sentado numa sala cumprindo o horário de esperar. Bem me preveniram que levasse um livro para ler, testes para corrigir, conversação em tons menores, piadas e reparos sem som: a discrição é a estratégia dos suplentes e eu procurei cumpri-la, digo procurei, mas não consegui, acabei por me entreter com a escrita desta crónica, com algumas diatribes verbais com os colegas e com uma ou outra passeata pela sala em estilo de vigia aos outros colegas: todos estavam entretidos com o mesmo ofício de esperar a vez de entrarem em acção. A correcção de estes foi de facto a actividade mais escolhida e bem fizeram aqueles que assim passaram o tempo. Felizmente ninguém morreu, ninguém se indispôs, ninguém faltou e ninguém desistiu de estar em forma no seu lugar de ofício. Foram duas horas bem passadas, sem aquela vontade de querer mudar o mundo ou alterar o estado da nação.

segunda-feira, abril 28, 2014

Por causa dele voltei a ler diferente


Vasco Graça Moura (1942-2014)

Estou-lhe grato, por tudo quanto li dele e por tudo quanto me inspirou a ler. O último livro que estou a ler por sua directa influência é Alfabetos, de Claudio Magris, Quetzal, Lisboa, 2013. Nem por acaso, posto que a sua obra é outro lançamento de alicerces na cognição verbal. Em sua frontalidade lúcida e ilustrada colhi uma lição de humildade cada vez mais necessária, obrigando-me a ler e a deixar na exposição, oral ou escrita, uma vontade de ser mais virtuoso e mais consistente. Desafiador, tomei-o como mestre. Até pelo ar de rústico aristocrata em que mergulhava a sua representação de homem do douro. Um dia que saiba hei-de tocar-lhe em meu clarinete em dó uma melodia chã e falarei dele com todo o agrado. 

quarta-feira, abril 02, 2014

De há 40 anos para cá...


(Fotografia da minha pessoa numa espadelada em Marrancos, Vila Verde)

Aguardo a leitura dos livros de Maria Filomena Mónica, uma socióloga crítica, muito crítica, do actual estado da educação e do ensino em Portugal, sobretudo das políticas definidas para a dita escola pública. Pela aragem da imprensa deu para intuir que ela encontrou razões que a deixaram nesse estado de deitar as mãos à cabeça e exigir mudanças mais decisivas.

Presumo qual seja o seu sentido de futuro, mas como não li os livros dela, terei de explicitar o meu estado de espírito. Eu sempre acreditei no que fazia, quer dizer, eu sempre andei motivado para ensinar o máximo aos jovens que me aparecem pela frente, o máximo, ou seja, aquela substância de conteúdos que o programa estabelece e que eu adequo aos alunos e pela aprendizagem da qual os avalio.

A 40 anos do 25 de Abril, se tivesse de descrever sumariamente as reformas em que me vi metido e a que aderi sempre com o meu espírito crítico, mas que nunca deixei de aplicar, diria assim: logo nos primeiros anos, a preocupação dos programas foi essencialmente pedagógica, aderindo em força aos métodos não directivos, à motivação entusiasmante dos jovens, à quebra dos autoritarismos , às vantagens de uma didáctica mais libertária de constrangimentos: favorecer a livre interpretação, soltar a língua dos alunos, levá-los a verbalizar os estados de alma, descobrir um sentido emancipador nos textos, alargar horizontes de conhecimento, pôr fim a uma avaliação rígida e anular as vantagens de qualquer classificação.

«Camarada, este teste não tem por objectivo apanhar-te», escrevia eu num teste aos meus alunos em 1974-75 e propunha-lhes situações de reflexão com textos variados, lá metia a gramática, mas dava também as definições para eles descobrirem os casos a que elas se aplicavam. 

Depois houve uma segunda investida em programas mais apelativos, mais direccionados para a vida quotidiana, mais abrangentes de autores não canónicos, mais ao encontro dos interesses contemporâneos, menos directivos em termos de memorização, mais apelativos a métodos de auto-construção dos saberes. 

Progressivamente este caudal da pedagogia não directiva reuniu-se ao caudal da didáctica construtivista, essencialmente baseada na ideia de que a criança ou o aluno constroem as suas próprias aprendizagens a partir de métodos mais livres, menos assentes na memorização, mais baseados em problemas do seu quotidiano. 

A implementação nas universidades de cursos de formação de professores, com mais peso nas ciências da educação, pedagogia e didáctica, do que nas matérias da ciência curricular de cada disciplina ou área do saber, foi a coroa de glória desta junção das correntes que atrás referi. Esta dinâmica instalada da formação de professores foi sendo sucessivamente questionada e tudo quanto ela representou foi integrado naquele conceito de «eduquês» que Nuno Crato elaborou e que lhe rendeu mais tarde o lugar de ministro do actual governo, com o perfil de mudar o estado de sítio das coisas. 

As correntes anteriores hoje encontram-se em reformulação em termos institucionais, com o modelo de formação de professores em revisão, mas a nível individual são lugares comuns de experiência individual; nos casos em que funcionam bem, ficaram segredo de cada um, e delas se tira o melhor partido quando os alunos estão para ali virados. 

Com a entrada da Troika, tudo parecia que iria mudar e que iríamos entrar num sistema de maior exigência, de mais sistemática avaliação, de mais procura de eficiência e controle; fizeram-se mudanças curriculares, alteraram-se metodologias de ensino, reintroduziram-se os exames mas a coisa foi-se empurrando com a barriga. 

Há quem clame que se está a desinvestir na escola pública, há quem clame contra o maior dirigismo instalado, há quem braceje e há quem se sinta defraudado com tão poucas mudanças afinal. Veio ao de cima o que se estava a ver que viesse: não se pode estar de bem com todos, não se pode introduzir exames em duas áreas e deixar seis ou oito à deriva, não se pode fiscalizar aqui e deixar andar à vontade ali, não se pode exigir cumprimento a uns e gestão livre a outros. A coisa ficou a meio gás, mas como a crónica já vai longa terei de a terminar e continuá-la depois.

quarta-feira, março 19, 2014

Para este dia do Pai!




De meu pai digo quanto penso
ser meu dever
e minha obrigação
por seu amor intenso
todo se rever
em minha criação

De meu pai ficarei aquém
em meus caminhos
e minhas veleidades
sabendo-me refém
de seus espinhos
e suas qualidades.

terça-feira, março 04, 2014

A gente vai aos lugares e não vê tudo...


(S. Bento da Porta Aberta - Terras de Bouro - queda de água no lago do parque - fotografia tirada por telemóvel - Janeiro 2014)

O melhor fica sempre por ver, como fica por fazer, como fica por pensar, mas o que se vê, o que se faz e o que se pensa é o que a gente tem por melhor no momento e no sítio em que está. Depois a gente sempre tem a desculpa ou a culpa de não ter visto, nem ter feito, nem ter pensado à altura e é dessa insatisfação que se faz o caminho de uns lados para os outros. 

Nesse dia, o cerimonial religioso era dedicado à abertura das comemorações dos 50 anos de proclamação de S. Bento como padroeiro da Europa, mas também se assinalavam os 400 anos da fundação de um mosteiro naquele lugar. Todas as bandeiras dos países da Europa ficaram a espanejar os pós do tempo. Da função cumprida se saberá ao longo destes dias futuros que são de prenunciamentos ameaçadores. Ninguém em lado nenhum parece estar bem consigo próprio e com os seus, sejam pessoas, territórios, empregos, países ou mesmo ideias de suporte, mas a tudo e a todos se continuam a propor as leituras fundadoras: voltar à ideia de princípio, à ideia de fundação, à ideia de começo, ao livro de raiz, à bíblia, ao «génesis» dos sistemas que nos explicam e que nos insatisfazem (esta é para imitar a geração do «inconseguimento»). 

No aparato cerimonial que foi preciso instalar ou que era pressuposto que se instalasse deu-se pela falta de um coro adequado ao momento e às obrigações do cantado. A falha de gentes para a função foi explicada sucintamente: são de longe e nem todos têm vida que lhes permita estar. Pouco a pouco a gente dá-se conta de que somos cada vez menos para o que já fizemos e para o que vamos precisar de fazer. Num instante a gente está sempre a bater no mesmo: falta gente.

O parque de S. Bento, como as esplanadas da igreja velha, como as larguezas da nova, tudo foi pensado para multidões que ali fossem peregrinar, rezar, folgar e piquenicar em dias de celebração, festa ou passeio. No coração da serra, no barulhar persistente das águas correntes, as imposições da natureza completam as mazelas de alma. Há lugares que nos podem motivar a ver melhor...