UM OLHAR SOBRE O PROSEPE
1. O PROSEPE foi e é a iniciativa escolar com mais piada depois do 25 de Abril. A favor desta tese junto não só a preservação de muitos clubes e a concretização de muitos projectos, mas sobretudo a direcção que as coisas estão a levar, seja pela necessidade de definir a continuidade do seu financiamento, seja pela reflexão que as memórias acumuladas já suscitam, como ficou demonstrado nestas VIII Jornadas Nacionais realizadas em Braga no pretérito dia 19 de Outubro, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.
Mais forte que a questão dos programas curriculares, na escola pública pós 25 de Abril, foi a questão dos métodos pedagógicos, abrindo-se longos debates em torno das correntes pedagógicas que então dominavam o espaço escolar, as quais se polarizavam então entre correntes directivas e não directivas, por outras palavras, entre correntes pedagógicas passivas e activas. Com base na psicologia do desenvolvimento, fosse de inspiração americana, behaviorista, ou de inspiração Piagetiana, ou Vigostkiana, procurou-se encontrar a pedra angular do ensino e da aprendizagem, o mais centrada possível no aluno e nas suas capacidades, mas sempre desejosa de uma ideia força ou tema ou projecto de trabalho que envolvesse a comunidade e determinasse o sucesso escolar de um maior número. Recordemos métodos identificados pelo nome de seus praticantes ou de suas escolas de iniciação: Decroly, Freinet, Montessori, Pietralata, Summerhill, radicais de Hamburgo. Recordemos igualmente identificadores comuns de práticas pedagógicas;: pioneiros e novos pioneiros, mocidade portuguesa, oficinas de S. José, obra do padre Américo, campos de trabalho, etc. Tenhamos também presente a longa divisão existente na organização escolar do Estado Novo entre escolas técnicas e liceus e na variedade de cursos que aquelas então ministravam aos alunos.
Nos finais da década de setenta, depois de a Revolução de Abril ter concretizado a reforma escolar iniciada por Veiga Simão de unificar o ensino técnico e o ensino liceal criando um tronco básico comum, a formação dos professores integrou, via universidades suecas, as metodologias de projecto, a dinâmica de grupos, entre outras novidades, abrindo-se os programas a conteúdos programáticos não disciplinares, informais, oficinais. Os anos oitenta são atravessados por um movimento de reforma que problematiza a urgência de se retomar o ensino técnico e profissional e uma abertura das escolas aos problemas do meio, acabando por ver nascer um projecto denominado Escola Cultural, concebido pelo professor Manuel Patrício, apelando à organização escolar de clubes de todo o género.
É nesta sequência de «invenções ou propostas» que em 1993/94 se lança o Prosepe, decorrente do Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais, o qual se estrutura também com uma dimensão de sensibilização da população escolar. Sob a direcção e coordenação geral do professor Luciano Lourenço, este projecto acaba por se mostrar ao grande público em Santarém, com um formato verdadeiramente aparatoso, quer em termos de enquadramento visual dos clubes (todos de T-shirt personalizada, lenço de pescoço a lembrar os movimentos de pioneiros, e boné), quer em termos de simbologia, com os estandartes e as mascotes, quer em termos de envolvimento transversal de serviços públicos, instituições e organismos do Estado: bombeiros, polícias, militares, forças de segurança, sapadores, serviços florestais, serviços agrícolas, etc.
As questões da floresta depressa congregaram vontades nas escolas, até porque o financiamento disponibilizado permitiu aparatos de organização como nunca se tinham visto. Todavia não foi esse o aspecto que contribuiu para o êxito deste projecto, foi a sua transversalidade temática em relação aos programas curriculares e foi a sua articulação com múltiplos serviços do Estado, tendo chegado muito depressa às autarquias, por força dos esquemas organizativos que se implementaram para concretizar encontros nacionais e regionais. A transversalidade temática foi assegurada não só pela diversidade de professores envolvidos nas lideranças dos clubes, mas sobretudo pela dinâmica formativa que o Prosepe lançou de imediato com figuras intelectuais de primeira água, como o professor Jorge Paiva, o engenheiro Eugénio Sequeira, o arquitecto Caldeira Cabral, para só citar estes com quem fiz formação.
O Prosepe depressa se tornou uma pedagogia activa, uma forma interactiva de trabalhar com os alunos, um processo de operacionalizar as unidades de ensino, os conteúdos disciplinares, a partir de conceitos e conhecimentos provenientes de várias ciências, todos eles conducentes à concretização de um projecto local, de clube ou de escola. Mais livre ideologicamente do que outras intencionalidades anteriores, mais aberto em termo de abordagens técnicas e teóricas, mais polémico em termos de concretização no local, por requerer apoios, espaços, materiais, horas de trabalho, mais articulador dos conhecimentos e sobretudo mais ligado à vida prática, quotidiana, O Prosepe consubstanciou-se, então, após estes 20 anos, após estas oito jornadas nacionais, como ferramenta escolar, como recurso pedagógico, paradigma em si da metodologia de projecto generalista que se divulgou enquanto conteúdo formativo. E a prova provada disto é a sua fácil migração para os programas de ATLs, para os programas das autarquias e para os programas de museus, parques temáticos, zonas de protecção ambiental.
Está na hora de o Prosepe se privatizar enquanto angariador de fontes de financiamento e está na hora de o Prosepe migrar para outras esferas, nomeadamente para as autarquias e outras esferas da gestão pública ou privada.
2. Neste projecto de
sensibilização da população escolar para as questões da floresta, a animação
cultural tornou-se muito cedo uma pedra de toque, questionando-se muitos, logo
ao princípio, se este movimento se poderia ligar a alguma ideia de festival
musical ou de parada etnográfica ou de encontro de representações ou
desempenhos pluri-artísticos. A experiência de dotar os clubes de boné, lenço e
t-shirt coloridos e garridos, com todas as semelhanças a movimentos juvenis de
propaganda nacionalista, passados e presentes, foi intensamente vivida. A
experiência musical também ficou registada em discos, com a ideia dos hinos dos
clubes. Em muitas escolas consolidaram-se movimentos pragmáticos de animação:
arboretos, parques, viveiros, aquários, estufas, hortas, museus. Noutras
escolas despontaram iniciativas: teatros, coreografias, grupos de percussão, grupos
de folclore e de outros géneros musicais. Nos encontros regionais e nacionais,
não faltou a programação de animação, mobilizando instituições a «mostrarem-se»
de outra forma, como os bombeiros, os corpos de intervenção, os serviços
públicos. E também não faltou a vontade de mobilizar a classe política, desde a presidência da República aos diversos ministérios e secretarias do Governo. O grande objectivo de consolidar a escola como sujeito de uma
animação cultural essencialmente temática requer a boa resolução de dois velhíssimos
problemas: o das lideranças - as causas comuns requerem sujeitos criadores, e o
da tradição de estudo e cuidado – o conhecimento patrimonial e a capacitação de
recursos.
3. No
resumo que enviei para o secretariado afirmo: «O grande objectivo de consolidar
a escola como sujeito de uma animação cultural essencialmente temática requer a
boa resolução de dois velhíssimos problemas: o das lideranças - as causas
comuns requerem sujeitos criadores -, e o da tradição de estudo e cuidado – o
conhecimento patrimonial e a capacitação de recursos».
Fui fundador de um Clube na minha escola, estive no
primeiro grande momento de apresentação pública dos clubes em Santarém, tenho
sido animador de palco de algumas jornadas regionais, o que julgo suficiente
para sustentar a perspectiva que aqui vos trago. O Prosepe é em sua essência um
caso de animação cultural, vive de todos os recursos que esta dimensão
espectacular da comunicação de massas requer: mobiliza recursos que recorrem a
técnicas de animação específicas e espelha-se através de técnicas mediáticas. O
Prosepe tem como vector de sua própria comunicação a liberdade criativa dos
seus agente vários, considerando que todas as técnicas e recursos podem ser
aproveitados em benefício de causas.
Os meios disponíveis têm sido aproveitados:
a gravação áudio e vídeo, a edição de revistas e livros, a produção de
prospectos, o registo fotográfico, a página web. Os clubes têm tirado partido
de técnicas de exposição e animação variadas: o teatro, a canção, a dança, a
instalação, a exposição, o poster…
Os resultados são positivos, mesmo
que muitas vezes tudo pareça demasiado improvisado. O fácil e o improvisado e o
descuidado são superáveis, todos sabemos. A progressão qualitativa que se
deseja vai dependendo das lideranças e vai também precisando de conteúdos, de
uma tradição de estudo e de produção.
Quer se trate de um teatro, quer
de uma dança, quer de uma cantiga, quer de uma exposição, a mensagem requer
eficácia: deve ser evidente, breve, intensa. Ora todos sabemos que estas
qualidades requerem sínteses criativas em termos de texto, como requerem o
treino intensivo de movimentos e o correto desempenho dos indivíduos
participantes. Com miúdos ou com adolescentes ou com adultos, a mensagem em
palco requer a fórmula adequada.
4. Uma palavra final para um dos rostos do Prosepe a nível nacional, mas sobretudo regional, o professor Jorge Lage, o homem que tem mobilizado montanhas para se verem nelas todas as florestas do país e todas as suas necessidades. Os coordenadores regionais e os coordenadores dos clubes são um exemplo da categoria de agentes profissionais que se especializaram neste projecto pedagógico de trabalho chamado Prosepe, agentes que, mesmo que atinjam a reforma, ficam com muita experiência de trabalho apara serem recursos de empresas e de autarquias, reservas capacitadas da sociedade civil.
1 comentário:
Professor/a é um(a) verdadeiro(a)artista!(ás vezes um(a) artista sem valor...
é importante lembrar que cada aula é um verdadeiro ensaio "pedagógico"... letras, notas!
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