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sexta-feira, abril 03, 2020

Em tempo de COVID19, a invenção dos dias

 1. No dia 8 de Março ficamos impedidos de visitar os nossos familiares residentes no Lar. Este acontecimento, hoje devidamente integrado na nossa compreensão do fenómeno COVID19 toma-se como início de uma quarentena dos laços mais íntimos e mais comprometidos que nos sustentavam os dias. Três dias mais tarde, decidimos a quebra dos laços sociais com a associação cultural a que pertencemos e desde aí passamos a permanecer no chamado isolamento ou quarentena de reacção pública ao Covid 19. Mantemos a ligação familiar que já trazíamos de uns meses a esta parte, somos nós e mais os pais do Francisco, nosso sobrinho neto que nasceu a 23 de Outubro passado.

2. Uma das minhas tarefas é adormecer o Francisco, cantando-lhe o que me vem à cabeça, num acumulado de melodias que vão e vêm, consoante me inscrevo num ritmo mais lento ou mais vivo que o desperte ou o adormeça, que o entretenha ou o sossegue. Vou criando poéticas à medida que repito os embalos. Aqui deixo uma poética que criei ao estilo alentejano, homenageando nela as influências de Chico Rato, um alentejano de Évora e da Barrada, terra onde meu grupo cultural já se deslocou várias vezes para celebrar a festa à Imaculada Conceição, a 8 de Dezembro.

Levo o meu menino ao colo
P'ra lhe mostrar as estrelas
Que eu quero que ele mais logo
Saiba como acendê-las.
Saiba como acendê-las
E dar-lhes brilho maior
Levo o meu menino ao colo
P'ra ele dormir melhor

Levo o meu menino ao colo
P'ra lhe mostrar o jardim
Que eu quero que ele mais logo
Colha ramos de alecrim
Colha ramos de alecrim
P'ra trazer à sua mãe
Levo o meu menino ao colo
Para ele dormir bem

Levo o meu menino ao colo
Que é o meu divertimento
Que eu quero que ele mais logo
Dê por merecido o meu tempo
Dê por merecido o meu tempo
E colha no chão firmeza
Levo o meu menino ao colo
Já tenho um estrela acesa

3. Nos intervalos, uma vez por dia e normalmente de manhã, saio para as compras do pão e dos legumes, aqui no prédio, em café e em mercadinho que se mantêm abertos e com a melhor das disponibilidades e dos cuidados. Uma vez por semana, vou com a esposa ao supermercado. Telefonamos para o Lar e mantemo-nos informados, crescendo a pena e a tristeza no fim de cada chamada. Ao meu pai telefono frequentemente, ele que também está num Lar em Lisboa, embora agora estivesse previsto regressar a casa de uma filha, o que se fará logo que as condições externas se possam executar. De leituras e consultas nas redes virtuais deixo as marcas nesse território em comentários e em reflexões, em fotografias e em ícones de ocasião. Mantenho uns exercícios de escrita à volta de estudos e de trabalhos que já andavam começados. De minha esposa tenho tido todas as preocupações partilhadas. O menino é a nossa centralidade e os pais dele são a nossa companhia compensadora.

4. Estamos a 3 de Abril e há ainda muito que dizer do que vivemos e do que havemos de esperar.

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