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quarta-feira, abril 22, 2020

Em tempo de COVID19 - a invenção dos dias II


1. Largo Carlos Amarante em Braga: aqui estão concentradas as nossas obrigações de cuidado com os mais velhos, que são três pessoas, os pais e a tia de minha esposa, os nossos mais queridos. Estão no Lar da Irmandade de Santa Cruz, ali ao lado da Igreja com o mesmo nome, que se encontra em ligação interior com o próprio Lar. A Irmandade foi fundada em 1581, tem o estatuto de instituição hospitalar e o seu Lar de Idosos é dos maiores e mais antigos da cidade. Foi o Lar que escolhemos para, primeiro, assistir a minha sogra que deixou de andar e começou a apresentar necessidades de cuidados de saúde específicos. Um ano depois, uma tia nossa, irmã de minha sogra, viúva, sem filhos, à nossa guarda por relação de amizade e de família e de vontade própria, começou a apresentar um quadro de saúde a exigir muitos cuidados. Qualquer pessoa que nos pergunte por que razão não podemos assistir os nossos familiares em nossa casa, como seria nossa vontade, os nossos argumentos esclarecem e justificam. Entretanto meu sogro, ainda com muita autonomia, que vivia sozinho em sua casa e que conseguia resolver o seu quotidiano, manifestou sinais de perturbação de movimentos e de orientação de vida. Caiu em casa e acelerou uma tomada de decisão. Foi para o Lar, para junto de sua esposa e geria bem a sua autonomia de movimentos: saía para a cidade, para tomar o seu café e conversar. Nós íamos ao Lar todos os dias, disponibilizávamos o nosso apoio aos familiares e a outros utentes do Lar, eu próprio iniciei um programa de animação ou de entretenimento. Tudo interrompido a 7 de Março, à noite, pois dia 8 já não pudemos entrar e desde aí nos mantemos à distância de um telemóvel e de contactos com o provedor e com os técnicos de enfermagem. Não temos queixas senão as do afastamento de visitas e de apoios pessoais. Compreendemos todas as razões, mas do que lemos e cuidamos saber, algumas alterações deveriam ser exequíveis. Aguardamos.
2. Destes dias intensos nas redes sociais, com indicação estatística de uma média de 3 a 4 horas diárias - o que nos parece pouco pelo que sabemos de outros próximos - tudo nos tem preocupado e pouco nos tem servido de alívio, a não ser o nosso «neto» sobrinho que passa quase todo o dia connosco. Não fosse a sua vitalidade de crescimento e penaríamos a tristeza como condição imposta. Assim, entre brincar e cuidar e alimentar e adormecer a criança, tudo se abrilhanta em termos de esperança futura. Vou inventando tons e dons de o entreter e levar ao sossego de sonos temperados:

Meu menino é pequenino
Tem soninho quer dormir
Vou chamar pelos anjinhos
Para o virem assistir
Para o virem assistir
P'ra lhe virem dar a mão
Meu menino é pequenino
Precisa de dormição

(saiu-me a palavra e já fui pelo seu contexto etimológico e cultural e a surpresa da dormição de Nossa Senhora apareceu no caminho do sentido, depois a dormição de S. João, e a de S. José e, porventura a de outros que tenham tido o sono como revelação) 


Meu menino é pequenino
Tem soninho quer nanar
Vou chamar pelos anjinhos
Para o virem sossegar
Para o virem sossegar
P'ra lhe virem dar a mão
Meu menino é pequenino
Precisa de dormição.

Meu menino é pequenino
Ele quer adormecer
Vou chamar pelos anjinhos
Para o virem entreter
Para o virem entreter
P'ra lhe virem dar a mão
Meu menino é pequenino
Precisa de dormição

(canto isto em várias melodias e por improviso de cadências. Afinal, qualquer melodia tem uma função de induzir o sono, assim se repita e se module expressivamente a voz ou o assobio. Cantando, o rapaz sossega e deixa-se levar para os braços de Morfeu)

3. Nas redes sociais, marcamos presença no Facebook, em postagens de cronologia, em comentários, em leituras de curiosidade, na gestão de páginas. Mas que ocupação é esta e de que natureza decorre? É a da conversa entre amigos e deriva da mesma função que lhe dava o encontro pessoal nas ruas, nos lugares de trabalho, nos momentos de surpresa, nas efemérides e celebrações, nos telefonemas e nas cartas. A rede virtual une e congrega, enche o tempo, seduz a curiosidade e a necessidade de informação, espevita o comentário e a participação cívica, entretém e ajusta conveniências de sentido. Por falar em rede virtual, sugiro ao leitor a poesia de João Luís Barreto Guimarães. Gosto de ler e de comentar os poemas. Também sugiro os textos de um padre missionário, o padre Tony Neves, o leitor que goste de pensar numa perspectiva que inclua o religioso como valor só terá a ganhar. E sugiro os textos críticos e pertinentes de António Mota, meu amigo de longa data.

4. O texto já vai longo. As irritações com a gestão política do Covid 19 marcam os dias, não por gerarem aquele mínimo de informação credível que se consegue descortinar, mas por serem comunicadas numa ansiedade de quanto pior, melhor, resumindo a coisa que é a angústia de ouvir e de esperar resultados. No contexto das vivências da pandemia impostas a todo,s sobressaiu a questão da celebração do 25 de Abril naquele figurino de quem acha que é dono e senhor da data e vai daí corre os opositores à violação do regrado geral dos cidadãos a golpes de inimigo absoluto. A emergência de discursos de moralismo violentamente antidemocrático e de orientação social-fascista - para usar um conceito que me ficou da militância revolucionária que vivi e abandonei cedo - parece estar a querer tirar frutos desta árvore estranha que ainda não amadureceu de todo, mas já deu a indicar que veio para perturbar a ordem local e global das nações, o coronavírus COVD19. A que é que precisamos de resistir nesta calma perturbada dos dias? É o que escreverei de seguida.

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