Chamadas de Santa Cruz – programa de 14 de Março de 2020 na Rádio Francisco Sanches
O impedimento de entrada dos visitantes nos lares, anunciado
no passado domingo dia 8 de Março, por orientações da Direcção-Geral da Saúde, para
combate ao Corona Vírus, causou-me angústia e perplexidade, um mal-estar íntimo
que de imediato partilhei com os meus mais próximos. Também quase de imediato
aceitei as explicações, mas fiquei pesaroso, apesar de tudo.
Nós reagimos
consoante o que sabemos e o que vemos e experimentamos, mas este tipo de
medidas remete o meu imaginário de leituras para tempos de cólera e de
epidemias socialmente devastadoras que são enfrentadas por mecanismos de
segurança totalitariamente suportados em orientações cegas, sempre com a
justificação de serem provisórias e contra a vontade de quem tem de as aplicar.
Mas dos livros para a nossa realidade vai a distância de dias e noites
conversados, partilhados, na procura das mais razoáveis justificações e na
aplicação de comportamentos e atitudes que mitiguem, suavizem, compensem,
enfim, façam a catarse das nossas contrariedades.
O Norte do país foi considerado zona de risco
maior no perigo de transmissão deste tipo de Corona Vírus, mas agora todo o nosso país está em risco. A leitura de tudo
quanto é informação sobre esta epidemia, sobre como e onde começou, sobre as
medidas que foram implementadas, tem de levar-nos a compreender a perigosidade
e a necessidade de maior conhecimento para uma consequente mudança de
comportamentos e atitudes no dia a dia.
Nós nunca estamos preparados para estes
casos, reagimos mal à militarização dos mecanismos de controle, pensamos de
imediato que há poderes e forças ocultas por detrás destes problemas,
apercebemo-nos facilmente dos aproveitamentos que são feitos para acentuar o
trágico, impor o medo e inventar inimigos. Corremos a falar com quem sabe mais
que nós e na primeira linha estão os prestadores dos cuidados de saúde, os
médicos e enfermeiros: neles encontramos o bom senso de tomar a sério os
problemas, de implementar medidas de vigilância e protecção. Todavia, os
discursos escatológicos tornam-se mais ruidosamente víricos e acabamos por nos
centrar, não já na doença nem na cura, mas no problema em si de a epidemia ser
um sinal ineludível do confronto entre o Bem e o Mal, sejam estes definidos a
partir da fé ou a partir das várias razões que a substituem.
Cresce mais
depressa a asneira do que a verdade, mas esta tenderá a impor-se. É nesta
procura da melhor resolução das proibições que tenho andado ocupado desde a
manhã de domingo passado quando soube do impedimento de visitar os meus
familiares no Lar. O maior obstáculo que acabo por encarar é sempre esta ideia
de que o Vírus pode fazer caminho por outro processo qualquer que não este,
pois há sempre interacção social de prestadores de cuidados, de fornecedores,
de inevitáveis colaboradores. São para esta causa importantes e fundamentais as
redes virtuais e as tecnologias e fico a desejar que de uma próxima vez
deveremos aprender o seu uso mais intenso. Nestes momentos é importante
ouvirmo-nos, sentirmos a proximidade, vermo-nos, acenarmos, estarmos juntos.
Bem sei que é esse o trabalho de psicólogos e de técnicos da saúde e de todos
os prestadores dos serviços, o de nos confortarmos e o de sabermos inspirar
confiança.
Tenho mantido esta conversa amiúde com quem posso e desabafo assim,
afinal, a mesma conversa e o mesmo desabafo que vai pelas redes sociais e pelos
meios de comunicação, jornais, rádios e televisões, sempre numa mistura de tons
e de pareceres, na esperança que seja esta liberdade de expressão o fio
recuperador dos caminhos da informação e da compreensão destes fenómenos
invisíveis. A volta a uma vida normal, mais segura e cuidada, requer sempre
caminhos difíceis e sofredores. Tudo se esvai depressa, é verdade, e de tudo
aprendemos rapidamente a adiar, a cancelar, a desfazer, a reprogramar. Vamos a
ver, espero o melhor. Obrigado e até à próxima.
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