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segunda-feira, dezembro 11, 2017

O poder adolescente

Fui apresentar este livro do adolescente André Lima C. Ferreira à biblioteca Machado Vilela do Município de Vila Verde, no dia 9 de Dezembro, um sábado, à noite, noite fria e ameaçadora de chuva e vento. Obviamente fiz o paralelo rápido com os meus tempos de adolescente, tomando até a isotopia do ódio como carga poética, lembrando tudo quanto se odeia numa idade em que a construção de qualquer sentido aparece sempre como projecto radical. Mas foquei o tempo de crise e de abastança que passa hoje em dia por todos os ecrans ou janelas de oferta e troca de bens móveis, essa rede global de ansiedades que favorece a antecipação das crises de crescimento. Foquei a aprendizagem escolar da escrita, num crescendo de familiaridade com as palavras, tomando-as sempre com o sentido primário e absoluto que parecem ter, ainda sem as redundâncias da idade. Declarei o que ouvi de mestres: a adolescência é uma doença que o tempo cura. Depois foquei-me na escrita sã, não obstante as matérias de carácter formal terem reparos fáceis, essa coisa de concordâncias e de sintaxes, essa coisa de intencionalidade ortográfica e semântica,essa coisa de versos monórrimos, essa coisa de rap com batidas admiráveis e surpreendentes. Por escrita sã quis dizer que as matérias temáticas abordadas me parecem reais, verdadeiras, sintomáticas do crescer individual, da pertença geracional, da familiaridade de tiques e modos de estar e de ser: um, o da contradição continuada, dois, o da relativização de todas as verdades, três, o da experimentação pessoal, quatro, o  da liberdade plena, quinto, o da queda continuada... podia continuar, referindo os medos de perder a segurança familiar e o conforto pessoal instalado, referindo as basófias do eu arrojado e itemerato. O jovem está na linha da problematização do conhecimento, da sua construção e reformulação. Tomem um exemplo: (vou escrever em contínuo, separando os versos por barra)
SEGUIR EM FRENTE
Vou seguir em frente / Como das outras vezes / Em que caí / Mas depressa me levantei / E superei / O que passei. // Vou caminhar com cuidado, / Coisa que não fiz antes, / E seguir o melhor caminho, / Percebendo se vou acompanhado / Ou sozinho. // Vou tirar as pedras das estradas / E combater até ao fim / Pelos meus objectivos / Mostrando as razões / Para os meus motivos. // Aprendemos todos os dias / Como as feridas que aparecem / E desaparecem; / E aparecem novamente, / Como consequência de um passado. // Respeito é o poder de compreender os outros sem duvidar de nós. (pp. 68-69)
O jovem poeta e escritor ensaiou e foi ousado no que fez; hoje, sobretudo nas escolas, as coisas da escrita tendem a não ser levadas tão a sério. Para mim, na linha docente, com todo o tipo de ensaios de sentido nas folhas dos cadernos ou dos testes, o importante é verificar que existe neste filosofar adolescente, ou poetar de iniciado, uma corrente de comunicação e diálogo com o presente, diálogo este que acaba por definir um «Tu» como interlocutor, o da pessoa amada, ou o da ideia determinada, para confessar as dificuldades da sustentação amorosa, que são as mesmas da construção de uma verdade ou de um sentido para a vida. Todo o rasgo na relação amorosa é rasgo na carne, é rasgo no cérebro, é rasgo na aprendizagem. Disse mais, mas aqui basta ficar assim... 

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