Miséria havia no meu tempo, que nem tínhamos onde fazer as necessidades, que tínhamos de trabalhar de pequenos, pobres fomos nós, meu filho, agora vós tendes tudo e desaproveitais, por aqui vê-se lá miséria, vê-se lá pobreza, vê-se mas é gente que bem podia trabalhar, vê-se é gente à boa vida, a viver de subsídios, sabeis lá vós o que é ter fome, sabeis lá vós o que é ser pobre.
Estes desabafos de meu pai têm o tempo contra ele, o presente nega-os, o passado recalca-os, o futuro recusa-os, mas que eles são pedradas contra vidros, são, sim senhor, digo a mim mesmo.
O dinheiro tinha de se ganhar e se o pedisse tinha de o pagar, começava-se com vontade de o ter, é certo, mas não se esperava por ele. Fazia-se a horta, criava-se o reco, as galinhas, os coelhos, ia-se ao monte pela ração, a mãe fazia a costura e fazia tudo. E havia a empresa, claro, havia a empresa, que dava a casa, a luz, a lenha, que tinha cantina a crédito com desconto no cartão de vencimento, que tinha tudo, não faltava nada. O salário era tudo o que a empresa dava. Então, aí está, havia trabalho e havia um salário, meio pecúlio, meio recursos, mas havia com o que contar, o resto era o merecimento a fazê-lo, não? Mas tudo num limite apertado, meu filho, que se um homem fosse gastador ou a mulher desgovernada, algum que se ganhava logo se perdia e as dívidas carregavam. Não foi o nosso caso, mas a vida foi toda de trabalho, de segunda a sábado, só ficava o domingo para a missa e para algum descanso.
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