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segunda-feira, janeiro 16, 2012

Braga capital europeia da juventude: os signos e os símbolos.

Um espectáculo performativo de elevado desempenho multimodal já é recorrente na abertura oficial de grandes eventos. Foi também o caso do espectáculo de abertura de Braga Capital Europeia da Juventude, concebido de raiz, ao que li e ouvi, pelo Dramatical Theatre, grupo ou empresa cuja história lamentavelmente não conheço ainda, salvo um ou outro pormenor, mas cujo desempenho devo reconhecer como elevado, rigoroso e simbolicamente quase paradigmático ou exemplar.

O desempenho artístico deste género de grupos foi uma boa escolha pela primeiríssima razão de toda a sua espectacularidade ser concebida e conseguida a partir de dinâmicas culturais e artísticas que a tradição desenvolveu e motivou, precisamente as do treino, as do trabalho, as do esforço interpretativo. Não são os facilitismos nem os entretenimentos fáceis e volúveis que determinam esta espectacularidade cénica, mas sim o treino, o trabalho ginástico e atlético, o domínio dos ritmos e das coreografias, a elaboração dos movimentos plásticos e luminotécnicos, as concepções estéticas. Tudo foi um trabalho de rigor, a melhor carta que se pode jogar hoje para os jovens, provando-lhes que nada se faz sem trabalho intensivo.

A aproximação circence é hoje um manancial de recursos técnicos e visuais, bem como o domínio da pirotecnia. A execução complexa de batidas e ritmos foi uma obra de engenho percussionista, associando a luz e a dança à cenografia elaborada dos corpos, nas várias dimensões, do clássico ao hip-hop. Gostei particularmente daquelas danças de rua que intervalam hoje as praças globais e que andam sempre associadas a logos de vestuário ou equipamento. Das intervenções plásticas dos corpos, em movimento ou em contenção de equilíbrios ousados, acuso espanto, pele de galinha, aplauso emocionado. Foram a presença dos mitos primitivos, eros e tánatos, ordem e caos, prisão e liberdade, fecundação e perda. A narrativa tinha um fio de ariadne.

As palavras fáceis, os slogans das nossas fantasias, foram projectadas nas paredes, mas a escolha do traço gráfico a preto e branco para patrimónios e objectos e pessoas, foi um contraste carregado de sentidos. Pássaros ou aves bizarras, na tradição imaginária que cruza olharapos e extraterrestres, mais a metamorfose de mulheres aladas em anjos de desejo, juntaram à narrativa as marcas indeléveis que o cinema vem fantasticamente inserindo no nosso quotidiano.

Dois momentos específicos procuraram traduzir a encomenda do recurso a signos da cultura local ou regional, duas «lavradeiras» intérpretes de cantares intemporais, uma em trajo de cerimónia ou de encosta ou de lavradeira, outra em trajo de capotilha ou do cávado ou de Braga. Foi pena que a linha melódica do cantado, ainda que de texto propositadamente imperceptível, não evocasse algum regionalismo, assim como foi pena que a consultadoria de imagem não tivesse alertado para o uso de meia branca e chinela na primeira aparição, marcas que teriam certamente compensado uma simbólica local muito enraizada. Igualmente teria sido boa memória que o tipificado ritmo de malhão que os grupos de zés pereiras pululam por romarias e festas tivesse emergido por momentos breves.

Nesta óptica poderei ainda achar lúdico o carácter militar que o uso de uma espécie de casacão ou sobretudo de abas longas conferia aos músicos de percussão, ainda que esperasse uma representação mais inventiva.

Não são estes reparos para retirar qualquer mérito ao desempenho do grupo, antes para assinalar dimensões de leitura que o diabo, às vezes, coloca nos pormenores, quando o meu juizo dominante foi de adesão entusiástica.

Nota: recolhi a imagem em http://pt-pt.facebook.com/BragaCEJ2012

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