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terça-feira, fevereiro 13, 2007

Carnaval, sempre!

Estamos nas vésperas do Carnaval. Eu gostei sempre de me mascarar no Carnaval. Um dia desfilei na rua com os alunos travestido de professor, levava uns suspensórios nas calças e um dicionário de Português às costas, preso por uma guita de corda de sisal, em cruz, ao jeito dos velhos embrulhos de papel, mas a cair sobre o rabo, dando sempre a ideia de muito peso e de muito custo. Não sei bem o que me ocorreu na altura, talvez a ideia de caricaturar o muito trabalho com a língua, ou a própria dificuldade de pôr ordem na língua dos alunos, aqui neste Minho que é a terra mãe do galaico-português e onde tudo se pode dizer e aparecer como dito por alguém. Nesse desfile ainda me lembro de uma aluna, a Alexandra, inesquecível aluna, hoje professora, mas nem a tenho visto ultimamente, vejo os pais dela, professores também, mas de vez em quando. A Alexandra fizera nas aulas de TM, em pasta de papel, uma máscara com cabeça e barriga ligadas, ambas proeminentes; ela metia-se dentro, os braços saíam pelos ombros da carantonha, o nariz era embiucado, aquilino, a boca escancarada, o cabelo a rarear, seria eu? É curioso, só agora me pergunto se seria eu, mas poderia muito bem ser um outro professor, o Marques se calhar, que era professor de Trabalhos Manuais, então ainda havia esta disciplina, ou o pai, mas não tinha tanta barriga, ou o adulto simplesmente, o mestre afinal, que naquela idade os alunos dos onze anos representam os mais velhos da escola como mestres de qualquer coisa, claro está, na caricatura, no sério serão outros e mais coisas. Do desfile, lembro-me que fomos pela cidade, até à André Soares. Lá fui naquele jeito de andar mascarado com a língua, mas só o baraço me preocupava, que era fino e aleijava-me os ombros; às vezes fazia-o oscilar como pêndulo, outras vezes girava-o pelo ar, a apanhar cabeças distraídas ou braços irrequietos, agora sim, autorizadamente irrequietos, só faltava que o desfile primasse pela ordem, mas tinha-a, ainda não desbundava como agora o parece. A chinfrineira de gaitas e assobios era pouca, era mais o falatório e a correria de uns lugares para outros, até que o resto das máscaras era de pouca solidez para o transporte naquela distância e naquele aparato. Noutros carnavais, já fui de ciclista, já fui de mulher de zona, já fui de neo-primitivo com um pelico branco de carapinha, tipo S. João, mas sem o ser, que o pagode estava em mostrar que pouco mais teria vestido, mas calçado ia; já fui de artista maluco, com umas calças amarelas à boca de sino, enorme, como o grande da Sé e uns sapatos de salto de 15 centímetros, comprados pelo Prata, meu colega, que esse fazia o Carnaval sempre com todos os excesso de caricatura, desde padre a freira, a rufião e a outros que nem digo nem agora sei, mas os sapatos foram comprados naquela sapataria de esquina quase em frente à Sé, na Rua D. Diogo de Sousa, e as calças fora o senhor Machado do Cardoso da Saudade, já falecido, que Deus haja, quem as descobrira como monos, mas sem poder fazer o desconto, vendia-as pelo preço marcado em 74, dada a qualidade da fazenda, fina, mas amarelíssima, a combinar com os sapatos altíssimos cor de laranja, com uma gravata de cornucópias amalucadas que meu sogro me emprestara, e depois deu, e uma camisa de riscas a irritar qualquer tentativa de combinação com a gravata, mas abafada por um casado vermelho vivo, depois uns óculos com uma lente escura só num olho, brilhantina no cabelo a escorrer e chapéu de palha pintado, enfim uma cena para todas as cenas que fiz. E daquela vez em que andei pela escola feito meio árabe, com um daqueles lenços na cabeça, que a Ana Couto me trouxera de um desses países, e esta cena foi naquele ano do conflito entre o Iraque e o Kwait, foi o ano em que organizámos uma charanga musical pela escola, tocava o Ângelo saxofone e o Castanheira braguesa e eu clarinete e o resto dos alunos bombos e pandeiretas, tudo mais ou menos descoordenado para parecermos bem. Hoje a malta anda mais deprimidita, mas ainda há garra para mascaradas, pelo menos os miúdos pelam-se por elas e trazem toda a parafernália de corantes, tintas, fitas, bisnagas, roupas, máscaras e cabeleiras, sempre numa de estarem irreconhecíveis, mas giros, giríssimos, malucos, quase normais de todo, que é o que me apetece dizer, porque a gente afinal mascara-se para ser quem é, não tenho dúvidas, que o recalcado liberta-se e finge que não é quem é, mas topa-se bem, e logo no Carnaval, quando toda a gente repara. Divirtam-se, mascarem-se, libertem-se e sejam felizes.

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