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sexta-feira, setembro 22, 2017

caderno de etnografia: 4 lendas e umas evidências

Vou apresentar por aqui os meus resultados de caminhadas e procuras.

I - Em 17 de Janeiro de 2006, 16:00 horas, em casa do senhor Cascais, em Sezelhe. Eu fora na companhia de outro Cascais, o do banco de Montalegre e de um amigo comum, o Rogério Borralheiro, na peugada de cantigas e de lá viemos com a vareira das couves, forma fácil de a nomear, além de outras. Por entre as conversas, registámos lendas e dizeres de evidenciação irónica de feitios pessoais:

A/ A lenda da pedra que tona conta-se em Sezelhe, Montalegre, e quem ma contou a mim foi o senhor Cascais, o mais velho, não este que trabalhava no banco, embora eu estivesse com este quando o outro me contou a lenda da pedra que ressoa, que retina, melhor dito, que as palavras são muitas mas a musicalidade da pedra é essencial. É no lugar de Ananha, na casa da floresta ou perto dela, há ali uma pedra com uma cavidade que tocando-a ela ressoa, retina. Conta o senhor Cascais que lhe contava seu tio que ele gostava de lá meter a cabeça na pedra e bater na pedra. O tio dizia-lhe sempre «olha que se metes aí a cabeça depois não a tiras». E contou-lhe: que um rapaz um dia meteu lá a cabeça e sentiu-se preso, foi preciso alguém ir chamar gente ao povo. Veio um e disse-lhe «vou deitar-te as calças abaixo, se sentires frio é lobo, se sentires quente é cu; foi buscar gelo, o rapaz sentiu frio, puxou a cabeça e deixou lá as orelhas.

B/ Outra lenda: aparecia lá uma tenda de ouro a luzir, mas quando as pessoas se aproximavam aquilo desaparecia. Uma rapariga do Simão que andava com a rês viu a tenda a brilhar, foi por trás e apareceu-lhe uma senhora que lhe perguntou o que andava a fazer e ela disse que viera ver a tenda. Aquilo desapareceu, a senhora deu-lhe uma púcara: «vais embora, não olhes para trás, e levas a púcara» (panela de barro que leva leite e natas). A rapariga levou a púcara, achou que a devia ver, olhou, só tinha palhas, deitou-a fora. Uma das palhas era uma corrente de ouro. Mais rica ficava se não tivesse deitado a outra palha fora.

C/ A fonte das egitanas constitui uma sábia interpretação do trabalho invejado ou cobiçado que não desaparece mais. Diz-se que havia na fonte umas mulheres que sabiam fiar, só que o fiado desaparecia. As pessoas iam ver e constatavam que o fiado se fazia, mas depois não o viam mais, então um dia decidiram apedrejar o fiado quando saíssem de ao pé das mulheres e assim fizeram. Depois de apedrejado, nunca mais desapareceu. O senhor Cascais remata bem: o trabalho fiado, apedrejado, é sobre a cobiça do trabalho dos outros e essa não desaparece mais. 

D/ Qualquer coisa serviu também para exprimir o «direito de olho» através do dito: levar a chouriça do fumeiro para o puxeiro.


E/ Conta a senhora que o marido come devagar e então explica: o meu Augusto corta o feijão em quatro partes para o comer.

quarta-feira, setembro 13, 2017

S. Miguel de Cabeceiras

Mais uma cantiga para a noite das rusgas:


(Imagem retirada de: https://www.google.pt/search?q=S.+Miguel+de+cabeceiras+2017&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0ahUKEwiyjqLZi6LWAhWBxxQKHWSwC7QQsAQIWw&biw=1366&bih=589)

Na casa do tempo

Na casa do tempo
S. Miguel não falta mais
Seja nos modos antigos
Ou nos moldes actuais

Na casa do tempo
S. Miguel tem o condão
De manter em movimento
Uma longa tradição

Ele é festa, é romaria,
Ele é feira, oferta e gasto
S. Miguel inspira e guia
Com valor e ousadia
As gentis terras de Basto

E sendo assim
Voltamos a Cabeceiras
Que há um presunto no fim
Das cantorias rusgueiras
E sendo assim
Voltamos a Cabeceiras
Pão e vinho são festim
Nas terras hospitaleiras

JM/Braga/2017

quarta-feira, setembro 06, 2017

Discurso de boas vindas.

Na minha qualidade de presidente do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas tive de fazer o discurso de abertura do novo ano escolar, evento que se continua a promover com a melhor dignidade, pois sempre se espera dele aquela função de motivação preliminar. Depois de nomear as entidades presentes, avancei:




Sejam bem-vindos a este Agrupamento Escolar para início do ano lectivo 2017-2018; que as forças benevolentes se conjuguem para levarmos a cabo os nossos propósitos de educação e ensino nas várias escolas em que nos integramos,  almejando sempre esse estado quotidiano motivador de bem-estar e de felicidade. 

Os alunos são o nosso objectivo, por eles deveremos disponibilizar-nos por inteiro e sempre os consideraremos nosso trabalho de missão, no pressuposto de os respeitarmos sempre em autonomia e liberdade de propósitos. 

Começo por vos contar um episódio recorrente na nossa vida., outros haverá semelhantes e sintomáticos. Nos anos idos de 1974 deu-se na minha aldeia um intenso e destruidor incêndio da área florestal que a rodeava.  Toda a paisagem ficou calcinada e negra. A professora da Tele-escola pediu aos alunos um poema. Houve uma criança de 9 anos que se motivou precisamente nesse cenário desolador e escreveu que queria ir para a montanha de paus queimados com a sua ovelhinha, lá cantaria e sonharia, a floresta voltaria a rejuvenescer e o estado de felicidade instalar-se-ia antes que a montanha e a ovelhinha morressem. Prosseguimos sempre este sonho de favorecer o rejuvenescimento de nossa natureza social, prosseguimos esta missão de nos renovarmos e de insistirmos nos caminhos de nossa felicidade. Não devemos estar enganados pois doutra forma há muito que teríamos mudado de propósitos se outros houvesse melhores e mais compensadores. 

Pensei, por isso, também em vincar-vos no início de um novo ano escolar quanto este propósito se faz com a liberdade e a convicção de cada um sobre as diferenças que nos individualizam. Sim, a surpresa poderá estar no apontamento das diferenças, pois, pensando bem, nós os professores, nós as escolas, nós somos os curadores (promotores) de todas as diferenças e são as diferenças de nossos alunos que nos impulsionam a vontade de favorecer todo o seu desenvolvimento. É a essa diferença individual, irredutível, que nós prestamos sempre a nossa maior atenção, diversificando estratégias, procurando alternativas, investindo em soluções de caso e de oportunidade. Deixo-vos esta convicção num tempo que amornece as distinções e favorece as representações colectivistas e uniformes ou politicamente estabilizadas em correcção de termos. Não nos deixemos bloquear em criatividade quando tudo nos parecer favorável em termos de uniformização.  

Desejo a todos vós boa sorte, bom trabalho e a melhor compensação de todas, a amizade e o respeito de nossos alunos, de seus pais e encarregados de educação e da comunidade em geral. Bom ano.

sábado, setembro 02, 2017

Dois poemas para o novo ano escolar


I - Quadras para o início do ano escolar:

A escola é como a sopa!
E faz melhor à saúde
Quanto mais se comer toda
A dose que for virtude.

Também se compara à escola
O viver ligado em rede;
Quem suas funções controla,
De consultas mata a sede.

Igualmente a vida urbana,
Também lhe é comparável;
Compreender a sua trama
Quer esforço regulável.

Que dizer das sapatilhas
Pra jogar ou caminhar?
Servem às mil maravilhas
Para a escola confirmar.

Mesmo até a boa vida, 
O descanso e o lazer ;
Requerem peso e medida 
Como a escola pode ter.

Escola é meio, é processo,
Modo de vida, alimento,
Concentrado ou disperso
Sempre em viagem no tempo.

José Machado /2017-2018


II – Um jardim é uma escola! 

No princípio foi assim:
Inventou-se a escola
A partir da imagem de um jardim
(Metáfora que consola
Muita gente além de mim):
Às espécies variadas dos canteiros
Deu-se o nome de alunos,
Aos mestres, chamou-se jardineiros,
E o trabalho, simples ou por turnos,
Ficou a depender da intensidade dos viveiros.

Depois vieram outras representações:
Desde fábricas, mercados, armazéns, até prisões…
Mas a ideia de jardim resistiu sempre
Dada a variedade permanente
Que as espécies cultivadas revelavam,
Não obstante a mesma rega que levavam…

Hoje, o stress comunicacional
Traz outras imagens a esta instituição:
Tipo vacina, dose mínima, cartilha, caldo cultural,
Aparelho ideológico de uniformização,
Enfim, circo, espectáculo, corrida, festival.

Tudo evolui e parece desigual
Mas eu, dado o poema precisar de um fim,
Ainda penso que a beleza intensa e natural
Se cultiva nesta imagem de um jardim.


José Machado, 2017-2018