10 de Novembro de
2018 – Cemitério de Monte D’Arcos e Igreja do Carmo
Homenagem da
Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» ao seu associado e ex-presidente
Manuel Tavares Lopes Prata, falecido a 10 de Outubro de 2018, com deposição no
seu jazigo de uma escultura musical.
Nascido às portas da Sé, como ele gostava de referir, este
nosso amigo e associado representou para nós – embora eu fale a partir da minha
vivência com ele, creio que poderei usar este sujeito colectivo, pedindo
esculpa por algum exagero ou desvio de concordância com quaisquer pessoas – este
nosso amigo e associado dizia, representou para nós o bracarense genuinamente
assumido em todas as dimensões: uma, a de tomar Braga como origem e fio
condutor de seu país, outra, a de tomar a linguagem minhota e o folclore como
marca de afirmação, outra ainda, a de considerar a convivência fora de portas o
melhor caminho para conhecimento de intimidades, ainda, a de dar a mais séria
relevância ao parecer, gerador de invejidade, finalmente, a de considerar todas
as razões para se ser orgulhoso do que se tem.
Se alguém discordar de mim por dizer que o Prata dava
importância a tudo e ao seu contrário, ia com todas as vozes e vinha com a
dele, discutia a tostões a grandeza dos seus, afirmava com intensidade de
reclamação tudo quanto achava injusto e perdedor por imposição de cima, terá as
suas razões, mas as minhas memórias falam-me assim.
Não vou santificá-lo, mas vou insistir que este nosso amigo
e associado foi bom, bonito e digno de reparo positivo em algumas dimensões do
humano demasiado humano:
- falo do professor, que começou estudante da escola
industrial, portanto do desenhador de máquinas, e depois caldeou seu ofício na
Sarotos e na Sociedade Agrícola, e acabou professor de EVT e sindicalista,
completando a sua formação superior;
- falo do soldado que foi à guerra na Guiné onde sofreu a
morte de seu irmão também militar e onde caldeou arreigadamente na sua
personalidade a dimensão do ser português num contexto de império colonial,
dimensão que estruturava as suas memórias entre o divertido, o sério e o
furiosamente injustiçado;
- falo da dimensão do animador cultural em festas e
convívios, no guardador de cantigas que nos socializaram desde os anos
cinquenta do século passado, no associado e folclorista (começou no Gonçalo
Sampaio) que tinha uma vastíssima rede de conhecimentos e de contactos e que
sempre se mobilizava para recolher cantigas e testemunhos de vida – recordo as
nossas viagens por Monsul e pelos lares aqui em Braga, com a finalidade de nos
documentarmos e de deixar o público satisfeito;
- falo do homem convivial da cidade, o desportista do Braga,
o praticante de ténis de mesa, o jogador de mesa, o festeiro, com simpatia de
trato e sempre com receptividade efusiva.
Pelo seu casamento com a Cândida, o nosso amigo e associado
integrou-se numa família muito intensamente relacionada com a cidade e os seus
valores, quer em termos de comércio, quer em termos de contactos e
conhecimentos; o nosso grupo usufruiu de alguma documentação relevante sob o
ponto de vista etnográfico e folclórico e por certo ainda mais haverá a
transmitir.
Pessoas assim como o Né Prata deixam saudade e deixam também
aquele sentimento de culpa de não termos feito tudo para mais os valorizarmos e
melhor serem reconhecidos na sua acção. Disso me penitencio, e aqui peço
desculpa se fui, no que teve de ser, um pouco intrometido, mas reconheço que
tal omissão de valorização se fica a dever a esta área de estudo em que, por
hábito, estamos habituados a pensar que o trabalho para e pelo colectivo se
deve manter anónimo.
Falo por último dessa dimensão que o nosso amigo e associado
tinha de nos fazer cúmplices de todos os seus problemas e enredos, desde os
familiares aos sociais, num exercício antropológico de voz de recoveira, ofício
de sua mãe e orgulhosa e transcendentemente transposto para a sua vida, a par
da vaidade mitigada que sentia pela destreza de seu pai como guitarrista de
fado e de boémias.
Manual Prata deixou-nos cedo, fez-nos partilhar de seu
desenlace e mostrou-nos a coragem alegre com que enfrentou esta parte mais
sofrida de sua vida, ele que já nos tinha sido pré-sinalizado por seu médico
cardiologista, mas que tinha uma vontade indómita de resistir. E a quem, o
nosso estilo de ser e de estar, de cantar e de dançar e de trajar, contribuiu para lhe sustentar a coragem e o gosto de viver.
O que ficou por dizer entre nós que nos sirva de alento para
continuarmos e nos dê a garantia de nos superarmos.
À esposa, aos filhos, às noras e aos netos, aos seus familiares,
exprimo mais uma vez os nossos sentimentos de luto e pesar e as nossas
intenções de solidariedade no tempo futuro de celebração de sua vida. Que
repouse em Paz!
José Machado, Braga 10 de Novembro de 2018
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