Em Freixo de Espada à Cinta pratica-se um ritual de expiação da noite, ou da falha de luz, ou do pecado, ou da morte, que, por estranho que pareça que o não é, se compreende melhor pelo lado da paródia humana que pelo lado da tragédia preparada. Alguém arrasta pela noite escura os grilhões da culpa, concretizada nas relhas do arado e nas correntes de ferro, em sete tempos ou passos espaçados. Um coro interpreta uma salmodia em latim estropiado e outra a seguir em vernáculo, a primeira percebendo-se que invoca a morte e a sua superação, a segunda rezando pelas almas e invocando a paixão vivida por Maria. Uma velha curvadíssima conduz uma candeia de azeite, dando de beber, pela bota do vinho que leva dependurada, a quem lho solicitar, representação que é geradora do momento mais paródico do ritual, que a noite do escuro das ruas disfarça quanto pode. Pela vila fica a ouvir-se por tempos o arrastar dos grilhões e a polifonia masculina.
Nota: já procurei explicações para esta tradição de Freixo de Espada à Cinta. De quanto li e do que vi, inclino-me para o interpretar mais pelo lado da seriedade paródica do teatro de rua. Todavia também aceito que lhe pareçam bem todas as explicações e descrições que o ligam à encomendação das almas. Mas, ao vê-lo, consolidei a ideia de que ele pode acolher culturalmente vivências quaresmais mais participadas, ganhando densidade.
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