Hoje é dia de Todos os Santos, o que pode querer significar que é o dia de nos lembrarmos de nós no futuro, nesse merecimento do estatuto de santos ou exemplares, utopia que pode parecer sobranceria despropositada, mas que é possível de acontecer. É essa a esperança dos justos, é esse o caminho da humildade, é esse o lugar por inteiro da cidadania, acrescentada dos valores próprios da revelação cristã. A este dia segue-se a comemoração dos Fiéis Defuntos, ou seja, a memória de quantos já nos antecederam na morte e cujas obras nos servem de referência. Estes dois dias são todos os dias da nossa vida, ocorrem em contínuo devir, definem a nossa condição de pessoas no mundo. Se um se assinala como festivo e outro se marca como fúnebre, se num exprimimos a euforia da vida e noutro a depressão da morte, nessa mesma razão eles são princípio e fim de nós mesmos, simbolicamente ajustados à nossa síntese de humores ao longo da vida.
Daqui passo para outro assunto, devido à simbologia do dia e à profusão de «candidatos a santos».
O que se pergunta é se estas mudanças, cuja legitimidade se não contesta, foram pensadas com princípio, meio e fim, estão a ser recebidas com bom esclarecimento dos interessados e se perspectivam mais justiça e mais desenvolvimento sociais. Como já deixei explícito em crónicas anteriores eu vivo estas mudanças em regime de constrangimento social, ou seja, recebo-as com cepticismo, vejo-as mal explicadas pelo Governo, constato que não foram bem arquitectadas e antevejo que os seus resultados não serão os pretendidos.
São medidas pensadas a partir de ideias «fáceis» mas tendencialmente demagógicas, quando vinculadas à função docente: a ideia de que o ensino público é uma boa resposta aos problemas da educação cívica, a ideia de que os professores têm objectivos individuais no ensino público, obrigatório, universal e gratuito, a ideia de que o mérito docente depende de um regime de quotas, a ideia de que há indicadores do ensino e da educação manipuláveis a partir da sala de aula, a ideia de que o registo burocrático conduz a mais transparência das decisões, a ideia de que a precariedade docente é uma resposta ágil às mudanças sociais, a ideia de que só as estatísticas do sucesso de ensino são indicadores de desenvolvimento social, a ideia de que as novas tecnologias são fins e não meios, a ideia de que o director é portador de liderança.
Passo a explicar tirando os exemplos de mim e dos que me rodeiam: esta divisão dos professores em titulares e não titulares foi de uma gritante injustiça, próxima da maldade: promover professores com base num currículo de sete anos foi uma acintosa crueldade de juízo: quantos professores viram os seus currículos desvalorizados só por não terem exercido cargos nos últimos sete anos! Quantos ficaram deprimidos e revoltados com semelhante injustiça! Querer agora continuar com a divisão na progressão na carreira é outra demoníaca invenção, senão veja-se: os pais e os alunos não ganham em terem professores diferentemente avaliados, o ideal é que os seus professores estejam todos em estado de boa progressão e ao mesmo nível e que as diferenças, que sempre as há, se fiquem a dever a estilos de dedicação e não a escalas de vencimento, porque as condições concretas de trabalho são iguais para todos. A classe dos professores do básico e do ensino secundário nunca precisou de categorias para ter qualidade: os professores distinguem-se pela idade e pela dedicação pessoal, pela experiência e por essa dimensão do humano que é o amor próprio e que nenhum dinheiro distingue. Na próxima crónica darei mais exemplos deste estado presente de sofrimento escolar.
Sem comentários:
Enviar um comentário