Aqui deixo, em sua honra, o mais recente trabalho que executámos em conjunto, o qual pode ser visto no Youtube (colega, escuta...). Aqui lhe dedico também um soneto, no qual envolvo a memória de amigos comuns, um deles o Rogério Borralheiro.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
Que só pretende fazer-te companhia
O ano vai ser duro, não tenhas ilusões,
Mas, não esqueças, vai ser ano de eleições,
Portanto pensa por ti e do alto desconfia,
Olha que Lurdes não te vale nem te auxilia,
E o rol de tanta mudança anunciada
Ainda pode ficar pelas ruas espalhada.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
Mas está atento, para saberes quem te avalia.
Já sabes, já ouviste a propaganda,
De quem prega, de quem sabe e de quem manda:
Há mais livros, há mais computadores,
Há mais obras e há quadros interactivos promissores.
Há mais cursos, mais alunos, mais sucesso,
E tudo isto, já vês, é um bom começo.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
E sorri, anima-te, é o primeiro dia.
E tu és a pedra principal do edifício
Prepara-te bem prò sacrifício.
Chega à escola, pega o livro, toma o café e vai prà sala
Sorridente, contente, mas resistente ao «come e cala».
Sobe os degraus do acto educativo,
Com bom senso, com humor e bons olhinhos;
Não gastes as escadas do executivo,
Que eles gostam de trabalhar sossegadinhos.
Colega, olha de frente os alunos que vais acompanhar
Dá-lhes carinho e exigência, ensina-os a pescar.
Respira fundo e não te deixes arrastar na burocracia.
Não passes as culpas para baixo nem para cima,
Dos pequenos aos maiores faz o que sabes bem, ensina,
Partilha os teus saberes, ajuda quem puderes,
Estás a formar e a educar futuros homens e mulheres.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
E aposta forte na crítica sadia,
No pré-escolar, jardim de mil sonhos e flores,
Investe nos meninos e nos seus educadores;
No primeiro ciclo dá gás àquela fome de saber
De querer falar, contar, ler e escrever
Ocupa-lhes a memória por inteiro
Não deixes as ideias no tinteiro.
E sempre e em toda a parte a balbúrdia contraria,
Não deixes passar por ti a má educação,
Impõe respeito, regras, disciplina e muita acção.
No segundo e no terceiro ciclos não te iludas
E não vás no paleio desculpante dos miúdos e miúdas.
O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho
É no dicionário, se for bem consultado.
Não mandes por mandar, ouve e confia.
Se tens poder, usa-o bem e com respeito
Que todos temos coração dentro do peito.
De resto, para acabar, faz sempre o teu melhor
Mesmo que digam que a coisa está a ir de mal para pior.
Que nós até somos capazes de tocar em harmonia.
O tempo valoriza as discrepâncias,
Colhidas sob a luz da liberdade,
E vai-nos inculcando a realidade,
De sermos nós e as nossas circunstâncias.
Que excitem os sentidos e a vontade,
E a nossa pouca ou muita densidade
É misto de certezas e de errâncias.
Tempera-a com limites e utopias,
Inscreve-a nos hábitos do trauma,
As nossas circunstâncias mais sombrias.
O tempo nos provoca e nos acalma.
1 comentário:
Olá, António.
Tal como o Zé, também eu vi sempre em ti uma referência de "profissional competente com uma dedicação sacerdotal" à causa da educação. Percebi, mas chocou-me e entristeceu-me, a diminuição da tua "animosidade" perante tantas contradições do sistema que, bem o sabemos, não vão servir senão para continuar a levar os docentes ao desânimo e à criação de "defesas" contra uma legislação que faz do aluno uma "flor de cheiro" e do professor o "carrasco" do aluno. Assim etendem os mandantes, colocando-os em polos opostos quando deveriam caminhar de mãos dadas. Mesmo sem condições e sob o "chicote" psicológico, têm de ancançar o sucesso escolar! A isto é que se chama "caçar moscas com vinagre". Será dramático, daqui por uns anos, quando se descobrir que caminhamos para um abismo sem retorno graças a uma nova forma de ser "ditador": a ditadura da democracia. É pena que tenham criado situações que levam muitos "antónios castanheira" ao desencanto de ensinar e educar, exactamente numa altura em que muito têm, ainda, para dar à comunidade.
António, embora te dê os parabéns, tal como o fizeste a mim, também fico triste por deixares o ensino. A minha confissão é esta: "sempre gostei de dar aulas, de lidar com os alunos, de estar com eles". Creio que também é a tua. Saí, logo que me foi possível, porque já não aguentava mais tanta indisciplina legislativa que a nada conduzia.
Um abraço e muito sucesso na nova vida. Costa Gomes
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