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quinta-feira, maio 03, 2007

O canudo não é tudo!

Esta questão do currículo escolar do primeiro-ministro também interessa à escola e não apenas à mundaneidade dos meios de comunicação ou aos corredores da política partidária. O tema interessa a todos, é até o ganha-pão dos humoristas e serve às maravilhas os desejosos de farra e copos, como bem observei em Barcelos, no desfile estudantil do IPCA, onde o tema foi saturado e descambado com requintes de sordidez verbal e icónica. Encontrou-se um rastilho. Mas se de tudo se faz festa, importa também que se faça alguma reflexão. A nossa entrada no assunto faz-se por esta porta: as escolas estão aí para conferirem diplomas aos alunos, os alunos estão aí para conseguirem os diplomas que pretendem, pressupondo-se neste jogo de interesses que as escolas concedem os diplomas e os alunos os obtêm mediante o cumprimento de um programa de ensino e de aprendizagem devidamente frequentado e creditado por ambas as partes. Se isto corre assim nos princípios, nas práticas introduzem-se variantes devidamente calculadas para que uns e outros, as escolas e os alunos, se ajudem mutuamente. As escolas visam sempre a seriedade dos objectivos, dos métodos e das formas de avaliação, mas os alunos estão sempre a apelar a uma flexibilização de currículos, métodos de ensino e formas de avaliação, num processo de negociação que, ainda que muitas vezes não declarado nem assumido, possibilita as mais variadas estratégias de prossecução e de acabamento. Os alunos desenrascam-se como podem para obterem os seus diplomas e as escolas facilitam até onde podem, ou exigem até onde conseguem, que é outra maneira de dizer o mesmo. Nesta narrativa de estratégias escolares predominam os discursos extremos de bem-fazer, sem merecimento ou favor, e de não conseguir, ainda que com toda a água benta permissível; no meio estão as narrativas de esforço e de denodo, de cálculo e de estratégia, de simpatia ou sorte, que também se invoca nestes casos. Pois bem, voltemos ao assunto: de toda a exposição e de tudo quanto li interiorizei esta ideia recorrente: o aluno que foi o primeiro-ministro procedeu de modo a tirar o melhor partido dos sistemas escolares que frequentou. As escolas estão aí para ajudar os alunos e os alunos precisam de ser ajudados. Esta ideologia de benefício mútuo é, quer queiramos, quer não, a trave-mestra do nosso sistema de ensino. Todo o ensino básico está estruturado em função deste discurso: a escola está aqui para ajudar o aluno a formar-se; o sistema de avaliação do básico tem este pressuposto: em caso de dúvida sobre as aprendizagens do aluno, os professores devem conceder o benefício ao aluno e transitá-lo para o ano seguinte; a perspectiva de ciclo que está regulada no processo de avaliação dos alunos do ensino básico está literalmente desenhada assim. E este assim já leva trinta e três anos, com poucas e fugazes variantes de permeio. E quando houver uma escola que se dê ao critério de ser absolutamente rigorosa na avaliação do mérito pessoal de cada aluno, logo haverá a pressão social suficiente para que a seu lado se crie outra que seja absolutamente rigorosa na avaliação das capacidades do aluno e a seguir outra que seja absolutamente rigorosa na avaliação das potencialidades do aluno. Podemos agora relacionar tudo e dizer que temos o país que temos por termos as escolas mais permissivas do mundo ou que temos o país que temos por termos as escolas mais rigorosas do mundo, o problema é sempre e só este: os cidadãos formados nas nossas escolas demonstram as capacidades que lhes são requeridas nas profissões e nas ocupações e nas situações para que são desafiados? Se a resposta à questão for um não, em termos de análise global, pois claro, que pontualmente já sabemos que há génios ao dobrar de cada esquina, então importa tomar as medidas mais adequadas e uma dessas medidas, entre outras, deverá preocupar-se exactamente em partir deste ponto: como é que se pode ainda ajudar melhor o aluno a conseguir uma formação académica? Se ajudar for passar diplomas, estaremos na continuação da pilhéria, mas se ajudar for a construção sustentada de uma escola de exigência, então temos muito que andar e valeu a pena ter discutido o diploma do primeiro-ministro. Mas agora, quem varre da praça os efeitos da desconfiança? Talvez valha a pena abrir uma licenciatura em estragos na coisa pública.

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