Pesquisar neste blogue

quarta-feira, abril 11, 2012

Alguns compassos de uma melodia provisória













Não a compus sozinho, foi criação a duas mãos, num exercício de desejo e de consumição mútuos.
A primeira criação foi na ponte velha da Régua e já a deixei ao tempo. A segunda produção foi um exercício de imitação, um decalque sobre o tempo de outros, um regresso imaginário às vinhas de meu tio Alfredo Rua, em Nogueira, teria eu uns seis ou sete anos, quando as vindimas no Douro me deixaram marcada uma escola da vida, aquela de que meu pai se orgulhava apenas entrava em matérias de sermão familiar. Foi na estação do comboio do Pinhão. Os azulejos contêm os ecos da música tradicional portuguesa, sobretudo aquela melodia do meu rio douro, meu rio famoso, ó rio doirado, não sejas vaidoso. «Apanha os bagos, miúdo, / não te mostres desleixado / que de bagos uma velha / fez cem pipas de tratado!» - foi esta a quadra de meu primeiro concurso à poesia de outros.













Outra inspiração se deu nesta estação de Almendra, onde chega uma estrada sem saída que se afunda quase no Douro, do outro lado da linha, um espaço abandonado, umas ruínas contemporâneas, umas paredes escritas a descuido, um vazio de sentidos. Toda a humanização do lugar está uma chaga aberta. Ali se perde um desejo de ternura, ali se fica sem vontade, ali se gera só a obrigação de subir de novo e vir apanhar um atalho de terra batida até Barca d'Alva, desvio desaconselhado pelos mais velhos, mas consentido pelo atrevimento da aventura. Um escape para necessidades que o corpo nem sempre regula a nosso interesse próprio, antes obriga a partilhar.













O tempo solar da tarde ajudou nesta invenção da subida ao Penedo Durão, ali quase na vila de Freixo, nos limites de um encontro de surpresa, não só pelas vistas, mas pelas vertigens e pela sensação de voo livre, logo mesmo inspirado por um grifo oportuno, num bailado cervical muito exigente. Dali tudo pareceu acolhedor de nossas fantasias, mesmo a Senhora do Douro, tão bem baptizada na pia do embalse espanhol de Saucelle. Destas pedras soltas do cimo se hão-de comtemplar melhor as nossas quedas lá em baixo, quando nos formos saciados de beijos e de abraços ou de simples palavras de estímulo, promessas de acerto, juras e compromissos, que outra não é a função dos miradouros que ficam mais perto do céu ou do voo dos grifos.

Já a precisar de um estribilho que cumprisse a repetição e o descanso de improvisos, acolhemo-nos a uma das casas da praia da Congida, por si uma criação admirável de arquitecto inspirado. Um regresso ao ventre da terra, para fantasias de outros ventres, encontro de olhos e de mãos, desaperto de músculos. Todo o sossego vem do esmagamento que a grandeza da paisagem obriga a sentir, um esmagamento de localização de pontos de fuga densos e alternados, um esmagamento da serenidade do rio, do piar das aves, até do ronronar do motor do barco ou das motosserras longínquas que estonam oliveiras ou cortam madeiras precisadas. Ali abre-se a cama e os olhos mergulham onde lhes parece andar prazer: a mesa posta fora, a sala transparente, o varandim de mãos, o rio e a montanha, os campos cultivados, a paciência de ver e cuidar do que se guarda.


Ó cavalo do Mazouco,
ó pedra divâ de pescadores,
ó margens afiadas pelas águas?
Dai-me a ilusão de meu tesouro
estar inteiro ainda nestas fragas
e ser inspirador de meus valores!

A última invenção começou naquele museu em que se transformou a cadeia de Freixo, depois continuou no de Guerra Junqueiro, dois lugares que se acumulam de memórias sintomáticas do que somos cada vez mais contra nossa vontade inicial. Mas também o amor se cansa de compor e pede descansos à idade.

Sem comentários: