Pesquisar neste blogue

segunda-feira, novembro 17, 2008

Há que expulsar o diabo!

1. A história da ponte da Misarela anda associada ao desejo de fugas e travessias, no antanho para um pobre homem que fez pacto com o diabo, em tempos idos para as grávidas com suspeição do parto, há pouco tempo para a retirada humilhante do general Soult, mas hoje para quantos se metem por atalhos e querem depois atravessar declives em segurança. Veio-me a ponte à memória e fui buscá-la para ilustrar a presença do diabo no meu caminho. Apareceu-me ontem na TV, estava eu de quarentena por gripe exacerbada, e ele ali na pantalha, com destaque identitário de secretário de estado, mas penteado e vestido a modos de vilão enfatuado, de cabeleira grisalha encaracolada, gravata arroxeada, jeito de catecúmeno extremo, a explicar que eu não lera nem soubera interpretar o que ele e sua equipa dispuseram sobre as faltas dos alunos. Ó mentiroso de boca cheia, que te caíssem os dentes e te fugisse a carapinha e eu não me daria por vingado. Ao que isto chegou! É preciso ter lata. Já não bastava que o chefe mentisse, agora mentem todos para nosso espavento televisivo. Perdi-lhes o respeito! Vão de retro!

2. (Reproduzo aqui a minha última crónica na Rádio Francisco Sanches, programa do meu Agrupamento, aos sábados, na rádio Antena Minho, das 11.00 às 12.00 horas. «Cascas e aparas» de 15.11.08))

Se no programa anterior me fiz virtual em Lisboa, este fim-de-semana, não obstante ir tocar e cantar a uma festa de professores, lá voltarei em espírito, num acto de solidariedade com todos os professores que andam movidos à contramão dos sindicatos. Eu sou sindicalizado no SPZN, sou o sócio 15250 desde que me conheço como professor. Já estive para sair, mas mantive-me por razões de fidelidade a causas gastas, mas iniciais da minha vida, mantendo este feitio por birra comigo próprio e que se traduz em custar a despegar daquilo que comecei. Se calhar é por via deste princípio que nunca quis sair da escola Francisco Sanches, se calhar é por força deste princípio que só militei no partido que me expulsou e com o qual colidi, se calhar é por via deste princípio que não me divorcio de quem amo, se calhar é por força deste princípio que estou na Casa de Trás-os-Montes e estou no Grupo Folclórico dos Professores, agora Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», se calhar até é por via deste princípio que sou heterossexual, e cristão, e pobre.

Em tempos, esse provérbio, que foi sabiamente glosado pelo cidadão político Mário Soares, de que «só não mudam os burros» deu que falar e hoje mesmo continua a ser útil para explicar a evidência dos vícios, embora nunca haja casos que o esgotem, porquanto sempre haverá burros que preservem a sua identidade e façam disso o seu orgulho de parada. Eu estarei em algumas matérias neste patamar de orgulho por identidades perdedoras, mas ainda referenciais dos meus valores. Cá me vou aguentando, não sem sofrimento.

Por falar em sofrimento, retomo o ponto de partida, o de estar em Lisboa hoje à tarde a trocar miúdos e graúdos sobre a avaliação dos professores. O que sobrou das conversas depois da última manifestação? Sobraram as posições irredutíveis, sobraram as declarações de princípio, sobrou essa sabedoria popular de verificar que é gastador de sabão lavar cabeça de burro. Estarei a chamar burro a alguém sem me dar conta se disser que a teimosia de um modelo impraticável para avaliar professores é do foro da paranóia política, como estarei a chamar burro a mim próprio se disser que ainda não estudei o suficiente para descobrir as virtualidades desse mesmo modelo de avaliação.

Haja alguém que me explique o que devo andar a perder por não perceber coisas tão evidentes como essa descoberta recente de que sou eu o autor dos meus objectivos de ensino, eu que sempre pensei que cumpria programas curriculares definidos por lei, essa lei de que o primeiro ministro nos quer escravos; haja alguém que me explique que agora uma aula se prepara a partir dos objectivos do projecto educativo e depois do projecto de actividades e a seguir do projecto curricular de turma e só depois do programa da disciplina que lecciono, o Português; haja alguém que me explique que eu devo anunciar no princípio do ano que vou chegar ao fim do ano sem que nenhum aluno me abandone; haja alguém que me explique que eu fiz um estágio pedagógico, que eu fiz exame de acesso ao 8º escalão, que eu requeri um júri externo para me avaliar, que eu fiz um mestrado para progredir na carreira mais depressa, que eu fui «promovido» a professor titular e que nunca, já lá vão trinta e quatro anos, nunca fui avaliado; haja alguém que me explique que eu sou o único responsável pelo sucesso escolar dos meus alunos; haja alguém que me explique para que é que eu devo perseguir o excelente se o excelente está ao arbítrio das quotas do Governo.

E poderia continuar por aqui. Chega. Duas coisas quero que saibam: a avaliação dos professores não é um papão, mas transformou-se num monstro, porque serviu que nem uma peneira para tapar esta política de ataque ao estatuto dos professores, introduzindo-lhe todos os factores que agora são requeridos para a fácil contratação, o fácil despedimento, a fácil obtenção de resultados. Essa é que é essa e num modelo de sociedade onde tudo parecia ser jogo de bolsa ou técnica de marketing, só faltava dar o salto das estatísticas para chegar aos lugares da frente. No fim deste ano lectivo tudo estará consumado, pois não havendo insucesso escolar, fica tudo resolvido. Só que está a crise à porta, o desemprego, a falta de trabalho e de dinheiro e então saberemos o que valeu a escola. Hoje, como no passado sábado, os professores pagam caro uma ousadia de esperança.

1 comentário:

Unknown disse...

Amigo Zé Machado
Descobri, por um feliz acaso,este teu "Diário" e apressei-me a ler todos os textos publicados.Porque sou conhecedor dos teus talentos para a escrita, para além da música (a pintura foi preterida)
não fiquei surpreendido com a invulgar qualidade dos teus textos.Todavia,é um prazer enorme ler as tuas reflexões sobre o tempo que passa na nossa profissão.
Este texto é genial!Divulgarei junto de antigos colegas.
Manuel F Faria ffsouto@gmail.com