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quinta-feira, fevereiro 24, 2011

A chamada à praça!

Anda aí a correr uma petição para os cidadãos saírem à rua a reclamarem contra a classe política, justificando-se deste modo a vantagem das redes virtuais e demonstrando-se também o encanto das praças urbanas como espaços de cidadania, como fóruns do debate político.

Não comungo deste interesse imediato, nem me associo à transmissão dos recados, o que não quer dizer que me dissocie destes fenómenos contemporâneos. De facto, na sociedade contemporânea que anda a maior velocidade, torna-se urgente a criação de mecanismos de pressão que, sem caírem na demagogia e na injustiça, traduzam a vontade política dos cidadãos. Nós estamos ainda habituados aos partidos e às suas lógicas de instalação e funcionamento e ainda que possamos dispor de mecanismos de reclamação individual não nos habituámos à ideia de que sejam eficazes, de modo que começamos a ver com bons olhos estes movimentos de mobilização por causas, por emoções, por sentimentos de partilha pontual de alguns valores.


As recentes convulsões nas praças de alguns países árabes conquistaram a nossa simpatia poética, aumentaram a nossa crença na expressão colectiva, mas também nos deixaram inquietos e apreensivos. De qualquer modo, quer pelas formas de convocação, quer pelas condições de resistência e de difusão, estes movimentos afirmaram-se num sentido libertário e catártico, mas também num sentido de eficácia reclamativa, ou seja, conseguiram fins imediatos, fosse a destituição de governantes, fosse a mudança de opiniões, fosse a contaminação de sensibilidades. Nada disto os salvaguarda no futuro, até podem ser negados e cair em fundamentalismos, mas para já deixaram um rasto de simpatia antiditatorial, anticorrupção. Deixaram um fulgor de coragem!

Mas será que nós, os portugueses desta praça lusa, precisamos de ocupá-la fisicamente numa das suas capitais para exprimirmos desagrados, saturações, repulsas, e provocarmos mudanças de opinião, de sensibilidade e até de governantes? Tudo me leva a crer que sim, mas tudo me leva a esperar para ver, pois este é um daqueles casos em que eu não assumiria a liderança, mas que eu não deixaria que se não fizesse.

Vejamos: quando os partidos se confrontam com programas que eles próprios não submeteram a sufrágio, quando os cidadãos já se manifestaram massivamente contra algumas medidas ou filosofias de governação, quando as leis se fazem para todos mas só se aplicam a alguns, quando os vencimentos de uns atingem níveis escandalosos se comparados com os de outros, quando se ouvem responsáveis afirmar que não têm poderes para mudar o que quer que seja e responsabilizam o sistema pelo que não querem mudar, a gente fica em stress cívico: espera pelas calendas para que as coisas mudem ou age, ainda que emotiva e até irracionalmente?

Os desabafos perturbam as discussões, mas aliviam as atmosferas e estas é que garantem a renovação do ar que respiramos. Hoje assistimos em directo à recusa de mudança de opinião por parte de quem nos governa e de quem nos quer governar, hoje assistimos em directo a todos os mecanismos de ilusão, demora, atraso, ineficácia, hoje assistimos em directo à exibição dos luxos e das manias, hoje presenciamos ao vivo roubos, assassínios, ataques, explosões, hoje ouvimos de manhã a promessa e de tarde verificámos o engano. Este acumular de frustrações acaba por olhar as novas redes virtuais como escape a experimentar, para testar a eficácia, como janela de oportunidade cívica. Podem então os nossos governantes perante estes fenómenos manter o distanciamento e a sobranceria ou deverão tomá-los como apelo à revisão de procedimentos?

Se alguém disse que só os burros não mudam e haja porventura quem lhes admire a teimosia, estamos em boa maré de pensar melhor quanto temos feito e mudar de agulhas.
Ar livre, digo-vos eu! - escreveu Torga.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Ouvir a banda tocar!

Hoje, dia 12 de Fevereiro, de manhã, estarei em Parafita, freguesia do concelho de Montalegre, na inauguração da nova sede da banda de Música, uma construção de raiz em terreno cedido pelo grande mecenas da banda, o padre Manuel Alves, natural da terra, mas vigário de Valpaços, homem escritor de muitas obras sobre o património local, polemista fecundo, pároco da palavra de Deus e dos homens.

A obra foi levada a cabo pela direcção da banda liderada pelo dr. Avelino Lestra Gonçalves, procurador-geral aposentado, também filho da terra, homem de palavra sonora e assertiva, entusiasta de sons e de viagens, barrosão de quatro costados, jogador sábio de sueca, pregador de palavras aos homens seus contemporâneos e aos seus netos quando forem grandes. Outro dirigente já teve a banda, também do universo jurídico, o dr. Custódio Montes, juiz do supremo, aposentado, agora a conquistar as graças das musas e a investir os cabedais em suas ditosas e promissoras terras. Se há graça fulgurante da presença destes líderes da banda é aquela que mantenho na memória de sempre os ver a seguirem os passos dos músicos nos desfiles, nas procissões, nos concertos, como se fossem também eles a soprar e a suar as estopinhas.

Da banda e do seu mestre deveria eu manifestar o meu entusiasmo pela dedicação e pelo arrojo de novidade que praticam! Ouço-a sempre com aquele sentido infantil de assistir ao nascimento dos sons, lembrando-me do tempo em que segurava as pautas musicais a outros músicos por uma coroa, tocassem eles no terreiro em frente à igreja, ou até no coreto improvisado. O associativismo musical, no nosso país, é um exemplo de persistência, a ver ainda pela quantidade de bandas que temos no activo e pelas que são memória de arquivos emergentes. A de Parafita é um caso de resistência, uma causa que todos têm sabido defender, desde o senhor padre Manuel Alves ao município de Montalegre e às empresas da região, desde os músicos já retirados aos actuais componentes, desde o mestre aos dirigentes. O escritor Bento da Cruz já estampou em literatura vernácula, ridente e justa, todo o carinho que a região nutre por esta banda, com uma narratividade de emulação absolutamente notável, quase mítica.

O meu programa da tarde será um misto de festa e de saudade, uma ponte entre a alegria e o sofrimento: hoje assistirei ao casamento de uma amiga, filha de meu saudoso companheiro de festas e trabalhos, o professor Rogério Borralheiro, já falecido há dois anos.

Toda a memória é uma ressurreição e este casamento mais a confirmará. Há-de compreender o leitor que o recheio desta crónica com pormenores de vida pessoal é uma necessidade de conversa, uma espécie de cerimonial de um luto contínuo, ao mesmo tempo que uma espécie de celebração da vida. Emocionam-me os casamentos dos filhos de meus amigos e colegas, vejo-os como empréstimos de personagens para as minhas compensações, anseio que eles continuem nos mesmos sonhos de futuro que seus pais e eu comungámos em muitas ocasiões.

É assim a vida e assim a não consigo evitar deste texto que é escrito de um lugar que é a escola, lugar por direito dado ao estudo das histórias de vida e à aprendizagem das linguagens que melhor a contem, que mais vivamente a exprimam, que mais a emocionem também. Nem tudo são rosas e flores de cheiro na escola, neste momento, antes pelo contrário, tudo nela está a apontar para uma negatividade excessiva e, se calhar, é por via disso que estas conversas resvalam para a festa e para as celebrações de tradição, de renovo, de esperança, como é a inauguração de uma sede da banda de música de Parafita e como é o casamento da filha de meu saudoso amigo Borralheiro. Todo o futuro precisará de músicos e aqui estão dois acontecimentos a provocá-los. Que Deus providencie os frutos merecidos, a quem tanto se entusiasma hoje em dia.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

A biodiversidade política depois das eleições

Ora aqui está uma imagem que dá para tudo e para todos, creio eu. Meu irmão António trouxe-ma de Raiz do Monte, são as ovelhas da Irene que pastam no campo de outro vizinho, são o rebanho da proximidade, uma parte simbólica de outros rebanhos e de outros tempos e de outros campos e de outros vizinhos, mas uma realidade incontornável.

Andamos na escola com a biodiversidade às voltas, uma grande temática, uma politicamente correcta grande temática. Por isso me lembrei de a trazer para a política, mesmo sem cuidar de saber quem é rebanho, ou para que serve este, nos tropos que a política requer para se falar.

Mas o certo é que os rebanhos existem, alguns pastores sumiram-se e deixaram as ovelhas entregues à baliza dos campos, convictos de que não as haja que se atrevam a saltar e a procurar outros rebanhos.

Cada um explica o seu rebanho como pode e como lhe convém e todos se mexem e remexem em relação a um rebanho suposto maior e mais ganhador de terreno de pastoreio; todos se declaram perturbados com a presença de pastores, uns aguardam mesmo o conflito entre eles.

Pois eu assim penso: não há melhor parábola que a do pastor e do seu rebanho; não há pior tormento que o de um rebanho tresmalhado; não há melhor solução que a da recomposição dos rebanhos; não há maior necessidade que a do afastamento de alguns pastores.

terça-feira, janeiro 18, 2011

Os meus pais



Este trabalho resultou da aprendizagem em eportefólio, na minha escola, uma acção de formação que frequento para progredir na literacia electrónica.

sábado, janeiro 15, 2011

As presidenciais e o que mais vier!

Fotografia tirada por meu irmão António, na casa de nossos pais, no Natal, com as panelas no fogão de lenha.

Estamos em tempo de campanha eleitoral para a presidência da República e desde já faço a declaração de interesse de que aposto na continuidade do actual presidente, deixando assim expresso o meu sentido de voto.

Posto isto, saio-me a dizer que aguardo os abanões da crise com muita preocupação e só desejo enganar-me sobre a gravidade das repercussões que a mesma dita crise vai trazer às escolas e ao ensino. Quando digo que me desejo enganar é porque pressinto uma corrente subterrânea de frustração a crescer, sinto um movimento de toupeira irreverente a esburacar-me este chão profissional onde enterrei sonhos e projectos de trabalho ao longo já de trinta e seis anos. Desanimar agora, e desanimar seria pedir a passagem à reforma com as penalizações consequentes, parece-me fuga, receio de sofrimento maior no futuro. Fuga e receio de gente e a gente que é mais importante desafiar do que fugir dela.

Verdade se diga que eu nunca vi a escola nem o ambiente escolar em berço doirado, antes, e concretamente aqui deste lugar que é a Francisco Sanches, sempre em situação de crise, de dificuldade, sempre com problemas para resolver, fossem de instalações, fossem de falta de recursos, fossem de alterações sociológicas, fossem de reformas curriculares, fossem de mudança de lideranças, fossem de entrada e saída de pessoas. Nunca trabalhei folgado, nem de costas direitas, andei sempre em esforço intelectual, em crise de ansiedade por encontrar respostas adequadas, andei sempre em formação, fosse eu a procurá-la, fosse eu a dirigi-la, andei sempre em polémica de ideias e debate de soluções. Mas uma coisa é ter andado em crise, mas sem cortes no vencimento, e outra coisa será andar com as duas juntas ou em risco de junção e agravamento.

Vêm-me à memória as palavras de Amália Rodrigues, logo a seguir ao 25 de Abril, quando quis dar um exemplo de como se sentia por estar mal vista pelos revolucionários do país: sentado à porta da escola / onde a instrução o deixou / o professor pede esmola / aos alunos que ensinou.

Uma vez encontrei um colega em Lisboa, também já calvo como eu, que teve a feliz ideia de se referir a cada ano de docência como década de queda capilar, contando já ele ao tempo 450 anos de desgaste e achando que, pelos mesmos parâmetros, eu deveria estar a chegar aos 350 anos. Agora estarei, segundo ele, nos 570 anos de consumição, já que um ano para os humanos equivale a dez no envelhecimento de uma árvore. Na altura senti-me elogiado por estar com o aspecto dos velhos castanheiros de minha terra, ou seja, por partilhar em aspecto essa ideia mítica de que todas as árvores morrem de pé.

Um homem faz-se velho a esperar pelas novidades, um professor consome-se a esperar pelo dia em que só a sua presença desencadeie aprendizagens e só o sopro de sua voz esclareça os espíritos, e tudo em redor seja limpo, bem cuidado, equilibrado, consensual. Ó tirania das utopias, ó verdade das ilusões: a escola foi e será sempre dura de roer, a juventude será sempre perturbadoramente resistente a bons conselhos e sermões, as aprendizagens deixarão sempre o rasto de azias, de indisposições, de trambolhões e esfacelamento de joelhos.

Mas deixe-me eu de tretas que a crise se encarregará delas, reduzindo-as por certo a ninharias. Não nego que me faz sofrer esta fuga de meus colegas mais velhos para a reforma, eles, muitos, que estão com melhor aspecto do que eu! Agora é que nós vamos sentir a falta uns dos outros, agora é que nós deveríamos estar juntos para aguentar esta juventude. Lembro-me de uma história que li a respeito desse professor e folclorista que foi Gonçalo Sampaio: um dia, nesse tempo conturbado da I República, no contexto da crise que levou Sidónio Pais a assumir a condução ditatorial da chefia do Estado, Gonçalo Sampaio foi preso por ter sido denunciado como apoiante da facção sidonista, tendo-se ele defendido que só participara nos movimentos de contestação social por ver neles envolvidos os seus alunos, os jovens, entre eles os seus filhos, e precisarem eles de uma orientação avisada.

Não andaremos longe de que isto volte acontecer e todos nos vejamos em campos opostos de contestação, mas é neste aspecto que eu bem desejo enganar-me. Os mais velhos sempre foram mobilizados para as causas públicas para assegurarem melhor futuro aos mais novos, mas estes nem sempre acolhem os conselhos da moderação. Se por qualquer motivo a minha idade não for útil, procurarei lembrar-me também de quanto fui irreverente e atrevido enquanto novo. A vida é sempre esta aflição de perspectivas. (Crónica lida na Rádio Francisco Sanches, em 15.01.2011).

domingo, janeiro 02, 2011

Novo ano - nova repetição!

Repetir é voltar a pedir, repetir é tornar a fazer, mas neste voltar e tornar pode estar a novidade, até do velho e que já se considera repetido vezes sem conta. Repetir é regressar ao que já se pediu, olhar de novo e outra vez o que já se viu, dirigindo de novo a voz da reclamação, estabelecendo de novo o preço, reivindicando outra vez a necessidade, e também voltando a rezar ou orar.

A melhor imagem para toda a novidade da repetição é o nascimento de um filho e neste deslumbramento se diz tudo quanto já foi dito, reclamado, fixado, marcado, estabelecido. Aqui se canta e se rejubila por este nascimento de um menino, o filho do João Miguel e da Eliana, nossos amigos, ele irmão de nosso afilhado José Carlos, falecido há quase um ano, eles, um casal com toda a esperança de futuro. Começou bem este Natal, a 22 de Dezembro, começou bem este ano e assim esperamos que continue esta vontade de renascer, de repetir a novidade de viver, reclamando o preço a pagar.
O rapaz chama-se Francisco!

terça-feira, dezembro 21, 2010

Sempre o Natal, com música!

O Natal é férias escolares, é trabalheira, é fuga, é descanso, é transcendência, muitas palavras e muito diferentes a quererem englobar tudo e a deixarem sempre o essencial de fora, qual seja esse essencial, também não o sei dizer, mas sinto que me escapa e que está lá, nessa camada de indizível que acho em todos os assuntos, talvez me arrisque a dizer que o essencial terá a ver com o mistério cultural que esta festa ou este período festivo acumulou no debate civilizacional ao longo dos séculos: uma coisa é termos uma festa para partilharmos bens ou sermos cooperantes e solidários, outra coisa é ter-se inscrito no nosso processo civilizacional esta obrigação de demonstrarmos a partilha e a cooperação, hoje tudo na palavra solidariedade que é mais extensa e mais indutora de significados positivos; ou talvez o essencial esteja mesmo na transcendência da mensagem divinal que esta festa quer introduzir na dimensão pessoal e social dos povos, divinal pode não ser a palavra adequada, mas com ela se quer dizer algo que se capta por outra dimensão que não só a razão ou a emoção, dimensão essa que se regista no vocábulo fé; talvez esta festa tenha o seu segredo por se radicar na infância, na nossa, na dos povos, na de Deus, na do cosmos, nesse princípio fundador que é a idade da inocência, da pureza, da plenitude de emoções e sentimentos, no deslumbramento contínuo sobre as hipóteses de futuro que um ser encerra em si mesmo. Não me vou alongar mais nesta retórica de procurar ver no Natal algo que me escapará sempre, ao fim e ao cabo é preciso não divagar tanto e regressar ao corpo físico, a este corpo que precisa de palavras e de braços à sua volta, a este corpo que não se aguenta sem trabalho nem salário, a este corpo que precisa de comer e acumulou ao longo dos séculos inúmeras estratégias de se regalar com a comida e de a transformar em objecto de todas as representações, desde a pura necessidade de sobrevivência à mais imaginosa das argumentações dietéticas para obtenção da felicidade. E é à mesa que o Natal atinge uma plenitude de requinte, algo que também me escapa, mas não vou começar a procurar esse algo essencial senão volto a emaranhar-me em círculos viciados de retórica. Desvio-me então para o trabalho, essa trabalheira contínua que o Natal implica na polis, na cidade, no campo, nos comércios, nas ruas, nas casas. Do trabalho depressa me desvio também para a fuga e desta para o descanso, duas dimensões que são ansiosamente procuradas por toda a gente, sobretudo aquela que povoa as escolas, ou seja, alunos e professores, mas por força nesta dimensão fujo logo para a minha infância e para as brincadeiras, para os brinquedos, para as prendas e não escapo à procura de saber que mistério anda aqui para o descanso e a brincadeira terem no Natal tanta força impulsiva de concretização, mas não vou procurar esse mistério, esse vício de retórica. Ah, agora me lembro, Natal é música e é música singular que só se ouve nesta quadra, que só se compôs para esta festa que só se ouve por chegar este tempo, que se procura como necessidade intrínseca de encher o tempo e o espaço. Esta música de embalo, estas melodias de encantamento é que são o Natal, estes sons que já nem precisam das palavras, mas que se entranharam em todas as conversas. Ouçam, é Natal.