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terça-feira, dezembro 21, 2010

Sempre o Natal, com música!

O Natal é férias escolares, é trabalheira, é fuga, é descanso, é transcendência, muitas palavras e muito diferentes a quererem englobar tudo e a deixarem sempre o essencial de fora, qual seja esse essencial, também não o sei dizer, mas sinto que me escapa e que está lá, nessa camada de indizível que acho em todos os assuntos, talvez me arrisque a dizer que o essencial terá a ver com o mistério cultural que esta festa ou este período festivo acumulou no debate civilizacional ao longo dos séculos: uma coisa é termos uma festa para partilharmos bens ou sermos cooperantes e solidários, outra coisa é ter-se inscrito no nosso processo civilizacional esta obrigação de demonstrarmos a partilha e a cooperação, hoje tudo na palavra solidariedade que é mais extensa e mais indutora de significados positivos; ou talvez o essencial esteja mesmo na transcendência da mensagem divinal que esta festa quer introduzir na dimensão pessoal e social dos povos, divinal pode não ser a palavra adequada, mas com ela se quer dizer algo que se capta por outra dimensão que não só a razão ou a emoção, dimensão essa que se regista no vocábulo fé; talvez esta festa tenha o seu segredo por se radicar na infância, na nossa, na dos povos, na de Deus, na do cosmos, nesse princípio fundador que é a idade da inocência, da pureza, da plenitude de emoções e sentimentos, no deslumbramento contínuo sobre as hipóteses de futuro que um ser encerra em si mesmo. Não me vou alongar mais nesta retórica de procurar ver no Natal algo que me escapará sempre, ao fim e ao cabo é preciso não divagar tanto e regressar ao corpo físico, a este corpo que precisa de palavras e de braços à sua volta, a este corpo que não se aguenta sem trabalho nem salário, a este corpo que precisa de comer e acumulou ao longo dos séculos inúmeras estratégias de se regalar com a comida e de a transformar em objecto de todas as representações, desde a pura necessidade de sobrevivência à mais imaginosa das argumentações dietéticas para obtenção da felicidade. E é à mesa que o Natal atinge uma plenitude de requinte, algo que também me escapa, mas não vou começar a procurar esse algo essencial senão volto a emaranhar-me em círculos viciados de retórica. Desvio-me então para o trabalho, essa trabalheira contínua que o Natal implica na polis, na cidade, no campo, nos comércios, nas ruas, nas casas. Do trabalho depressa me desvio também para a fuga e desta para o descanso, duas dimensões que são ansiosamente procuradas por toda a gente, sobretudo aquela que povoa as escolas, ou seja, alunos e professores, mas por força nesta dimensão fujo logo para a minha infância e para as brincadeiras, para os brinquedos, para as prendas e não escapo à procura de saber que mistério anda aqui para o descanso e a brincadeira terem no Natal tanta força impulsiva de concretização, mas não vou procurar esse mistério, esse vício de retórica. Ah, agora me lembro, Natal é música e é música singular que só se ouve nesta quadra, que só se compôs para esta festa que só se ouve por chegar este tempo, que se procura como necessidade intrínseca de encher o tempo e o espaço. Esta música de embalo, estas melodias de encantamento é que são o Natal, estes sons que já nem precisam das palavras, mas que se entranharam em todas as conversas. Ouçam, é Natal.

segunda-feira, novembro 29, 2010

Feliz Natal! Boas Festas!

«Presépio com instruções»

Sobre a demagogia e a mentira
Coloca todo o mato e alguma palha
Que a vaca logo os pisa e embostalha
E a terra sem estrume não respira

Sobre a presunção e a incompetência
Coloca o burro solto e sem cabresto
Que o bicho logo zurra e o seu protesto
Por certo há-de gerar maior prudência

Sobre a sofreguidão e a usura
Coloca a manjedoura sem sustento
Perante tanto estrago de alimento
A míngua e o jejum podem ser cura

Sobre o relativismo de valores
Coloca o Deus Menino e os seus pais
Bem perto do nariz dos animais
E à porta junta os reis e os pastores

No caldo de culturas que é o mundo
Esse presépio feito num curral
E agora no espaço virtual
Conserva o seu mistério bem fecundo

Inspira a Humanidade a orientar-se
Por outra dimensão da consciência
Que não renega a fé nem a ciência
E visa de seus erros superar-se.

quarta-feira, novembro 10, 2010

Todos estes anos nos surpreenderam!



Pois foi assim que aqui chegámos e agora esperamos a nossa parte na crise anunciada. Não o deveremos fazer resignados, mas tão pouco nos deveremos fazer passar por revolucionários. Na nossa juventude investimos em sonhos de mudança, convencemo-nos da eficácia militante, porventura mais eu, mas tudo não passou de uma aprendizagem de manuais, os resultados nunca nos espantaram, nem os quereríamos se por acaso se tivessem tornado realidade. Os que ficaram com a marca extremada de sonhadores estão hoje a governar-nos e deixam-nos transidos de vergonha com o que fazem e o que omitem e até nos inspiram medo se por acaso forem mais longe em seus poderes no Estado. Foi então uma geração perdida? Não o terá sido se as novas gerações aprenderem com estes erros acumulados e se, sobretudo, tiverem a coragem de nos denunciar como obsoletos sonhadores. Emendo, não os deveremos deixar denunciar-nos: nós próprios o deveremos fazer e mostrar-lhes onde nos enganámos: quisemos merecer mais do que aquilo para que trabalhámos; quisemos o poder para conquistar o que não merecemos por nosso esforço pessoal. Estão lá os nossos companheiros a querer o que não mereceram e como já não sabem onde ir buscar o dinheiro de que precisam conceberam o esbulho dos nossos bens. Foi aqui que chegámos. Nossos pais ganharam um salário e com ele nos educaram. Nós vamos ter de dar o salário a antigos companheiros de trincheira para eles culminarem a incompetência. Estamos bem, apesar de tudo, mas um tanto desiludios, não é? Um tanto é favor...

domingo, outubro 24, 2010

Casa arrombada, trancas... aonde?

Aonde se devem pôr as trancas ou onde se deve bater com elas? Na cabeça de quem arrombou a porta? Deveria ser, para castigar quem fez o mal, mas no lombo de quem deixou arrombar a porta também deveria ser, para esconjurar a fúria de quem se sente roubado. Acontece que, quando quem rouba e quem deixa a casa ser roubada parece ser a mesma gente, os da casa não têm trancas que dêem para as duas coisas, nem para bater, nem para guardar a casa e ficam-se pela fúria do esbracejar ou pela gritaria das palavras. Assim estamos em matéria de orçamento.

Tenho esta percepção de que o governo foi desleixado e não cuidou de nós, podem dizer-me que não foi só este e até que o mal de descuidar já vem de trás e foi sempre nossa pecha governativa, podem dizer-mo e eu até saberei compreender, mas convém não esquecer que quanto mais recuarmos para saber dos defeitos, mais nos teremos de penitenciar por não ter implementado as soluções de sua correcção: é que a utopia que se inscreveu no passado foi precisamente esta de termos melhor futuro e de sermos mais cuidadosos e vigilantes. Ora essa utopia falhou. Esse optimismo pós-crise, no passado, nunca se fez futuro. Não esqueçamos que cada governo só ganha legitimidade democrática porque prometeu ser eficiente. É desta falta de compromisso com o futuro que me vem toda a falta de respeito por quem nos governa e persiste em governar.

No que toca à escola, e só pelas medidas que já foram lidas algures e que constarão dos papéis que registam a austeridade, se fica agora a perceber quanto desleixo se praticou nestes tempos recentes, quanta indiferença se demonstrou por quem alertou para demagogias de promessas e incompetência de reformas, quanto mal se disse de quem chamou à atenção para o esbanjamento de recursos.

Um exemplo: recorde-se toda a crítica feita à demagogia da criação das áreas não disciplinares, ao esbanjamento de recursos que implicariam, aos efeitos perniciosos que teriam na contaminação das outras áreas. Agora, com a crise, já se podem desmantelar! Outro exemplo: recorde-se toda a crítica sobre a demagogia das direcções executivas, sobre o esbanjamento de recursos que implicariam. Agora já podem ficar sem gratificações. E poderíamos ir por aqui fora... Até à demagogia dos livros gratuitos, dos magalhães a desconto, dos subsídios às cegas, dos gastos de saco azul...

Nas escolas, é suposto tirar-se aproveitamento pedagógico das crises, coisa fácil para as históricas, mas complicada para as presentes. De qualquer modo, por umas e por outras, é inevitável mostrar a frustração sobre quem nos governa, é iniludível o esgar irónico sobre quem nos pede sacrifícios. O mais complicado é que nós, os professores mais velhos, verificamos, no rosto dos mais novos, que já eles nos confundem com a mesma massa daqueles que nos governam, já eles nos vêem como co-responsáveis por tanta incúria! E reconhecer que os mestres do arrombamento da casa trabalharam bem na arte de o fazer, também não ajuda nada. A vitimização é mesmo total e é isto que nos vai custar mais a superar!

quarta-feira, outubro 13, 2010

Eu e o Miguel Cruz

Uma experiência de aproximação: duas fotos são do passeio da escola, no ano lectivo anterior, à Galiza; as outras são com o Miguel Cruz, nos intervalos depois do almoço.

domingo, outubro 03, 2010

O Folclore e a República

A questão de saber se o folclore (como hoje é assumido pelos grupos folclóricos) ganhou ou perdeu com o 5 de Outubro de 1910 é uma discussão interessante, embora complexa, é polémica, mas frutífera.

As perspectivas teóricas e pragmáticas que chegam ao poder em 5 de Outubro são as perspectivas republicanas e podem ser bem tipificadas a partir do pensamento dos intelectuais da Geração de 70 e, concretamente, através do pensamento de Teófilo Braga, para dar um exemplo muito significativo. QUE PERSPECTIVAS SÃO ESTAS? São as que decorrem de uma perspectiva positivista e que em matéria musical se pode traduzir por esta ideia: o acumulado musical popular é susceptível de motivar, inspirar e determinar a nova linguagem musical do progresso, do desenvolvimento, da aculturação, enfim, da nova identidade que se espera para o país: ser cada vez mais civil, mais independente e autónomo dos poderes religiosos, ser cada vez mais escolarizado, ser cada vez mais democrático, ser cada vez mais europeu, o que queria dizer no tempo ser alinhado pelos países mais progressistas da Europa. O Portugal dos descobrimentos, cantado por Camões e inspirado pela riqueza e diversidade da música popular, deveria catapultar-se para novos rumos musicais, rumos estes que já estavam a ser concretizados na música erudita de Alfredo Keil e de Viana da Mota, para citar apenas estes compositores, ou nos projectos de formação de uma Grande Orquestra Nacional e de um museu da música que tinham em Michel'ângelo Lambertini uma liderança incondicional.
 
A formação de grupos folclóricos já estava a fazer um caminho quando se deu o 5 de Outubro, fruto das «exposições» industriais que iam acontecendo por todo o lado e fruto de práticas de exibição popular da «identidade» local em procissões, desfiles, cortejos, recepções, etc.  Alguns grupos, poucos, formam-se antes da República, mas muitos que se formam depois vão buscar raízes a iniciativas anteriores.

Só que... os ideais republicanos fortemente anti clericais e persecutórios das ordens religiosas, os programas de governo mal implementados, os excessos de poder e os casos de corrupção, as diatribes políticas entre republicanos e monárquicos, as polémicas sobre o sentido do progresso e da identidade pátria, as frustrações de expectativas de desenvolvimento social, (como hoje!)... geraram muitas reacções «populares» anti republicanas e o folclore espelhou-as de um modo subtil: os trajares recuperaram modas e símbolos da monarquia, os cantares mantiveram a religiosidade, os costumes espelharam a resistência à mudança programática republicana.

Mas as coisas moveram-se: museus, grupos de animação, compositores, estudiosos e críticos, fizeram caminho e dispararam em várias direcções, logo aparecendo correntes de opinião e poderes públicos e privados a falar na necessidade de controle do povo e dos indivíduos e das suas iniciativas, o que veio a acontecer no regime do Estado Novo.

Os movimentos de recolha e de estudo das criações e produções populares experimentaram  com a República uma tensão que ainda hoje se mantém: a tensão entre o fixismo ou a reprodução mimética e a evolução criativa e dinâmica.

Uma lição a tirar nestes cem anos: os programas de ilustração do povo nunca vão na direcção dos seus promotores, mesmo quando impostos à metralha. A arregimentação é uma factura pesada!

Fotos: a 1ª refere-se à espadelada organizada pelo Grupo Folclórico de Marrancos, Vila Verde, no passado mês de Setembro, no âmbito das festas das colheitas do concelho; a 2ª dá conta da actuação da banda musical de Parafita, Montalegre, no dia 12 de Agosto, em S. Bento da Porta Aberta; a 3ª foi tirada na noitada do S. Miguel, a 28 de Setembro, em Cabeceiras de Basto.

terça-feira, setembro 21, 2010

Com(o) as teias de aranha!

(A fotografia foi tirada por mim na estação dos caminhos de ferro de S. Bento, no Porto, e aqui a uso para ilustrar a acumulação de teias de aranha em tudo o que se expõe ao ar.)

E a incúria de quem administra. E o desmazelo de quem governa a casa. E a inevitabilidade do trabalho das araneae.

Quando o vento entra no átrio da estação, as teias levantam como lençol e depois voltam a cobrir o quadro, até ao limite dos braços de quem limpa.

É assim a estação e é assim a escola, é assim esta vida que se expõe ao tempo. Tudo está com teias de aranha por cima e assim se mantém. As teias são já parte do olhar.

Dizer que as teias são estratégia de quem manda não é despropósito algum. Aliás, só assim podem manter-se tanto tempo a acumular a cor. A renda aracnídea é uma armadilha e cumpre a função. Os artrópodes são um paradigma de paciência na dissimulação e no desgaste. Elas são uma aventura no caminho da gente.

Meu pai recomenda que se cortem giestas e se usem no trabalho da limpeza, umas e outras se entretecendo  até ao lume. Os hábitos são castigadores.

É bem certo que limpar teias de aranha não é mudar a realidade, mas ver limpo é uma ansiedade e só esta nos faz esperar os melhores dias. De um mural de azulejos, de um quadro, da escola!

segunda-feira, setembro 06, 2010

O regresso à escola II

Por uma visão
erótica / irónica / heróica 
da escola
(O leitor é convidado a ler as quadras e depois decide pelo adjectivo que melhor satisfaz a leitura)









No percurso escolar
Toda a cautela é um beijo
Que se troca ao partilhar
As histórias do desejo
Mas a cautela é processo
Que só arde em liberdade
No sentido sempre inverso
Ao da cega autoridade

Na rudeza do espaço
Todos os olhos são lume
Em que se queima o cansaço
Em que se ilude o queixume
Mas os olhos são espelhos
De cuidada transparência
O tempero dos conselhos
A sede da resistência

Na fulgurância dos rostos
Valem os gestos mais leves
No dinamismo dos gostos
Valem as frases mais breves
Mas os gestos são ternura
Que a razão requer presente
E os gostos são levedura
Que nos leva na corrente

Todo o trabalho é tensão
É acordo e conflito
Um rio que a sedução
Transforma em mar infinito
Todo o prazer do percurso
Está na surpresa das margens
Na solidez do discurso
Na invenção das viagens

JM / Braga / Set 2010


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, agosto 26, 2010

O regresso à escola!


1. Antigamente, ainda não há muito tempo, qualquer pai pedia a um professor para tomar em consideração o feitio e o temperamento do seu rapaz ou da sua rapariga quando chegasse o momento da avaliação final.

2. Antigamente, e ainda agora, qualquer rapaz ou rapariga, no momento final da avaliação, pedia aos professores para relevarem a sua preguiça e a sua falta de vontade e atenderem à sua disposição futura de estudar mais e superar todas as dificuldades.

3. Antigamente, e ainda hoje, o presidente da escola e/ou o presidente do conselho pedagógico, pedia aos professores para serem «razoáveis» e atenderem aos factores mais positivos da progressão dos alunos.

Os passos, ou costumes, de 1 a 3 foram sendo fixados na legislação, naquele «eduquês» que todos entendemos.

Hoje em dia, nesta contemporaneidade pós-moderna, o Estado decidiu assumir e resumir todas as modalidades discursivas em que os pedidos de 1 a 3 podiam ocorrer: fim das reprovações!

Finalmente, nós, os professores, ficámos sem desculpas para não ensinarmos e exigirmos o que tem de ser aprendido. Isto, enquanto o Estado não decretar que nada deve ser ensinado!

sexta-feira, agosto 13, 2010

Sameiro - 22 de Agosto - Vamos bailar à Senhora!

«Cantai ao Senhor um cântico novo… Louvem o seu nome com danças, cantem ao som do tímpano e da cítara…»

Nos estudos etnológicos e antropológicos, de carácter religioso ou não, não faltam as referências, sempre num passado distante, às danças populares com propósitos rituais ou de manifestação da devoção dos fiéis, ora como parte integrante de uma procissão, ora como expressão complementar da romaria ou peregrinação, antes, durante e depois do cumprimento da promessa ou do voto. As sobrevivências, no nosso país, são apontadas e descritas a dedo – dança da genebres, dança das fitas, dança do rei David, dança da mourisca, dança dos paulitos – não obstante continuarem a praticar-se cantigas populares religiosas que remetem os sentidos para a concretização coreográfica e não obstante continuarem a verificar-se momentos de prática coreográfica intensa à volta de santuários, como é o caso da Senhora da Peneda e de S. Bento da Porta Aberta, por exemplo.

Nas descrições de usos e costumes de terras e de gentes é frequente emergirem as construções teóricas acerca da religiosidade inerente à música, aos cantos e às danças, mas depois os seus praticantes, hoje frequentemente reunidos em torno de projectos folclóricos, são referidos como «actores que emprestam o corpo e a voz», ou seja, são referidos como meros figurantes de ocasião, desligados de práticas familiares e paroquiais, isentos de autonomia de decisão e de convicções culturais.

O evento «Vamos bailar à Senhora», concebido em 2004 para celebrar o centenário da coroação de Nossa Senhora do Sameiro, em boa hora promovido pelo senhor cónego Melo (já falecido e por este acto se presta homenagem à sua memória), pretendeu, em parte, remar contra esta «produção de esquecimento» e consagrar os grupos folclóricos, sobretudo estes mas também os demais praticantes, como sujeitos de criação cultural nas múltiplas vertentes que a tradição inspira e mantém vivas em algumas situações. A actual direcção da Confraria do Sameiro presidida pelo senhor Cónego João Paulo Abreu decidiu retomar este evento por ocasião da Peregrinação de Agosto, dedicada aos emigrantes. O tempo de convocação dos grupos e de preparação não foi suficiente, mas a generosidade e a dedicação dos grupos aderentes justificará esta iniciativa.

Do mesmo modo que se pode considerar natural que as instituições religiosas encomendem variadas obras musicais a compositores de renome, do mesmo modo que se pode achar pertinente a realização de eventos plurais nas igrejas e nos santuários, assim se deve considerar oportuno solicitar a intervenção coreográfica dos grupos folclóricos para abrilhantar aquelas cerimónias cuja dimensão popular e festiva é inerente à sua concepção e às suas finalidades.

Não faltando na Bíblia as referências às danças executadas em honra de Javé, nem faltando no Novo Testamento o imaginário festivo da entrada de Jesus em Jerusalém, também não faltam na tradição popular as cantigas, nem os gestos, nem os movimentos, que distinguem esta intencionalidade de rezar tocando, cantando e bailando.

Foi com estes pressupostos que se conceberam e reorganizaram letras, músicas e coreografias, retomadas da tradição e nela inspiradas, para os bailes em honra da Senhora do Sameiro: viras, chulas e malhões, interpretados colectivamente por vários grupos, como se fossem um só.

Este ano, para a peregrinação de Agosto, aderiram a esta iniciativa os grupos folclóricos de Cabreiros, Marrancos, «Sinos da Sé» e Palmeira, e o grupo de música popular de Roriz. Oxalá os resultados motivem as pessoas para a vivência dinâmica da sua fé e para a consagração do Sameiro como lugar de recriação folclórica em torno da Mãe do Céu.

domingo, agosto 01, 2010

Trabalhos para férias!

1. Deixar os parabéns antecipados ao António Castanheira que faz anos a 4 de Agosto, desejando que seja feliz com toda a sua família e amigos e que a sua presença continue a ser esse estímulo de dinâmicas culturais que sempre foi.

2. Ver as terras e costumes de outros, saindo para fora de nós. O acto é contrário aos conselhos de viagem por dentro, mas impôs-se como curiosidade histórica e cultural. Vou por terras da Sabóia e da Borgonha. Vou por lugares de culto e de partilha. Depois direi.

3. Ficará para a semana um texto sobre o evento «Vamos bailar à Senhora» que ando a preparar para 22 de Agosto, no Sameiro.

4. Levo comigo, como não podia deixar de ser pelo facto de ser professor, a sublime ideia ministerial de acabar com as repetências por lei e orçamento superior. Acabar com tudo quanto possa implicar um juizo negativo sobre os desempenhos dos cidadãos é um sinal dos nossos tempos e destes governantes de pacotilha. Acabar com a noção de mal é outro desiderato de iconoclastas inspirados. Estar sempre em trânsito de sucesso é uma ideia televisiva, virtual, portanto real, exequível. Assim nos iludimos!

5. Terminar a leitura do livro de José Alberto Sardinha «A Origem do fado» e opinar sobre a matéria.

6. Escrever um pequeno roteiro para uma exposição fotográfica sobre o fotógrafo enquanto réu permanente.

7. Ir a festas e romarias: 10 - S. Lourenço da Armada; 12/13 - S. Bento da Porta Aberta; 23/24 - S. Bartolomeu; 28 - S. João de Arga.

8. Estar sempre preparado para fazer o que não prevejo.

segunda-feira, julho 26, 2010

os dias e as memórias


Dia 25 - fui com minha menina a S. Silvestre, ali em Cardielos, Viana do Castelo, uma festa que junta dois santos, o S. Tiago, por ser seu dia, e o S. Silvestre para justificr a bênção aos animais e a venda dos alhos, juntando assim os patronos da evangelização e da lavoura. O dia esteve tórrido, mas lá se aguentou. O cabrito da comissão de festas esteve à altura e os nossos amigos, Castilho e esposa, foram bons anfitriões. Deu para distender a massa crítica e lembrar amigos comuns.

No mesmo dia, à hora em que o jantar se pode servir ou adiar, fomos a Esporões, também com festa a S. Tiago. Fomos com o intuito de cumprimentar e apreciar o Grupo de Parada de Gatim, dirigido pelo senhor Adelino Pinto, um homem que junta a sabedoria à estética de bem trajar as raparigas. Mas a surpresa foi aquele rapazito de 11 anos, o Fernando, a encarregar-se da concertina, como autêntico mestre de tocata. Um fulgor de tocador, de seriedade e de ternura, a da sua infânica e a da sua dedicação.


Já escrevi sobre este homem, hoje aposentado mas sempre a trabalhar em costura para casas comerciais, dentro dos parâmetros e das vivências da moda, uma dimensão que lhe garante o lastro estético para saber tratar os trajes tradicionais com arte. Com ele aprendi a profundidade cognitiva do verbo «aclar», que escrevo assim e que posso aproximar de «fazer com a perfeição absoluta que o tecido, o corte e a mão requerem».
Anda pelos setenta anos, orienta o grupo e ainda dança. Tem a paixão pela tradição, sobretudo dos pormenores, naquela fronteira em que os usos e costumes se assumem como valores estéticos e éticos.

Ontem, anteontem, hoje, amanhã, com aquela persistência afectiva que a saudade garante à memória, nos temos lembrado do ROGÉRIO BORRALHEIRO.

Aqui deixo esta fotografia desfocada de uma qualquer romaria a que íamos muitas vezes. A última foi precisamente uma festa em honra de Santiago, para a qual fomos requisitados enquanto «artistas» ou «animadores» ou simples «romeiros de peregrinação interior».

Estávamos ainda longe de nós próprios, sem fazer ideia de qualquer ponto de chegada, mas já com aquela pressa de não termos tempo. Depois da morte, o sentido dos pequenos gestos e dos pequenos passos está sempre a refazer-se, como se já estivesse inscrito em todo o lado e não se vira.

Tenho a saudade e levo-a
trocando-a por palavras comoventes
as mesmas que em meus olhos são a névoa
que os torna impacientes

O desafio agora é situar-te
na extensão do mar
de modo que uma gota seja a arte
mais leve de chegar

a essa ilha ou terra prometida
onde olhos e palavras
encontram realizadas
as rudes ilusões da nossa vida

terça-feira, julho 13, 2010

24º aniversário da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga

As duas obras seguintes de Flávio Monte, não obstante já terem sido editadas há algum tempo, constituem-se como temática cultural de forte raiz antropológica para conversarmos sobre a nossa realidade regional transmontana e ao mesmo tempo apreciarmos páginas de intenso e renovado valor literário. A surpresa deste novel escritor português, transmontano de duplo nascimento, Luís Costa como homem e Flávio Monte como autor, radica numa invenção narrativa que entretece as histórias das personagens na geografia da paisagem e na narratividade multissecular dos lugares, dos caminhos e dos monumentos e radica também numa criação poética de profundos recortes afectivos, absolutizadora do torrão natal e simbolicamente projectora de um modo de ser e de estar «barrosão» no imaginário social contemporâneo.


Trás-os-Montes e transmontanos vivem de fulgores que a literatura tem projectado, vivem de personagens que o meio tem promovido à categoria de embaixadores e representantes, vivem também de uma paisagem contrastiva com outras e que singulariza os discursos, mas vivem também de uma periferia política que ora os tem protegido, ora os tem desafiado. É neste contexto contemporâneo de maior capacitação do desenvolvimento e de maior sentimento de crise que vale a pena dialogar com um escritor que é, a partir aqui de Braga, uma referência de intervenção cívica.

O romance Flor de Burel é uma primeira obra e logo de fôlego. Trata-se da história de uma família contada por um dos filhos, o mais novo, que um dia, por decisão conjunta com suas irmãs, resolve ir de Braga a Chaves para anunciar a sua mãe, já idosa, a decisão que tomou de a receber em sua casa para tratar dela até ao fim dos seus dias. Na viagem de regresso a Braga, David, assim se chama o filho mais novo de Amélia, engenheiro de profissão, dá boleia a um passageiro que lhe vai contar uma história avassaladora: trata-se da própria história de Amélia, mas contada pela perspectiva do pai, entretanto já falecido devido a um acidente vascular cerebral. O pai de David, um viúvo ligado à construção civil, que já era pai de cinco filhos quando se apaixonou por Amélia, vai meter na sua história todo o peso da terra barrosã e das suas circunstâncias, bem como toda a tralha das manifestações culturais e festivas que estão anexadas ao património paisagístico, monumental, rural e urbano das terras entre Chaves e Montalegre. Chegamos ao fim da leitura conformados e enternecidos com a serenidade e a firmeza de tão grande amor entre Simão Ventura e Amélia e ficamos a pensar que este romance é ao fim e ao cabo uma narrativa épica sobre a família, construída nas condições mais difíceis por gente em desigualdade plena de recursos e de condições, mas que foi fiel a esse impulso inicial que se chama amor e que depois pela vida fora se transforma em dever e em missão. O narrador quer-nos fazer passar uma ideia de simbiose total entre as pessoas, a paisagem, as condições de vida e as circunstâncias da história, simbiose que se pode traduzir nas ideias de resistência e de adaptação às dificuldades e de superação das mesmas. A estrada sinuosa, nesta linha que vai de Braga a Chaves desviando para Montalegre, acaba por ser a figura metafórica em que as personagens se revêem, não só pela importância decisiva que estes centros urbanos cumprem desde o nascimento à educação e formação das pessoas, mas também por serem periféricos em relação a outros centros, Lisboa e o Porto, onde se cumprem os objectivos das tomadas de decisão. A flor de burel é feita de arame e de bocados desse tecido grosseiro que é o símbolo da resistência do corpo e o facto de ter sido oferecida à noiva por um moço de recados remete esta narrativa para esse imaginário literário da pureza da felicidade dos infelizes.

O Livro d’Água é a primeira obra poética do autor e cumpre também o desiderato de ser obra de fôlego. Na verdade, estamos perante um autêntico tratado de ética, um código moral concebido como água de rega e água de beber e outra água que limpa ou destrói consoante os acasos da vida e do mundo. Os valores fundam-se na relação do homem com as suas circunstâncias, em primeiro lugar as físicas, naturais ou de paisagem. O facto de as terras matriciais do poeta serem terras altas fundamenta desde logo a sua percepção de poeta como aquele que sobe ao alto ou céu para tomar a visibilidade do mundo e de si e desce ao baixo ou abismo para denunciar a estragação do mundo e de si.

Por ser gerado numa agricultura de subsistência, onde a pastorícia cumpre um papel determinante, o poeta transfigura-se em pastor e tomas as realidades da pastorícia, as poulas, as serras, as rezes, as vezeiras, os lameiros, as pedras e as fragas, como realidades primitivas balizadoras do sentido da vida: o que é são, o que é puro, o que é necessário, o que é fundamental, o que é honroso, o que é bem, decorre da experiência humana com estas realidades.

Por viver numa região onde o estado natural de espécies da fauna e da flora ainda se verifica e ocorre, desde cavalos selvagens a lugares inóspitos, desde fragas inacessíveis a flores imprevistas, o poeta considera este mesmo estado de ser indomado como a melhor imagem do homem incorrupto, isento da sujeição a donos ou refém de domesticações estratégicas.

As aves de rapina são tão inspiradoras da liberdade como as forças da natureza, os ventos, a chuva, as tempestades, os trovões, a neve. Por ter sido criado com condições de vida rudes, e por terem sido rudes e primitivas, em termos de produção, as suas roupas e o seu calçado, mas também os seu alimentos, o poeta valoriza as experiências difíceis de usufruto, como o andar descalço, o calçar socos que magoam, o viver longe dos grandes centros urbanos, o remendar de roupas, o pedir e emprestar bens de necessidade, o cultivar a horta, o comer o que a terra dá. Por causa da centralidade que o porco e a vaca e a ovelha têm na vida agrícola de cada casa ou família, o poeta confere o papel de objectos mediadores a esses animais, sacraliza-os, como sacraliza os seus produtos transformados, a carne, o fumeiro, sacraliza a relação difícil que o homem tem com os animais e considera o sofrimento natural que essa lida implica um espelho de alma: o sofrimento mudo que a terra impõe só pode ser superado pela ideia de que só o sofrimento resgata o homem e lhe confere estatuto social.

A própria tez que a pele ganha na paisagem é elevada à categoria de objecto estético ou marca de sensualidade e de sensibilidade. Com esta marca exterior vai contrastar a brancura do interior, elevada à condição de ideal de pureza e considerada objectivo de conquista na reprodução social. As coisas, como as árvores, as casas, as capelas, mas também as coisas como o pão, a farinha, são o alicerce fundador do conhecimento: os sabores, os cheiros, os toques, as vistas, constroem-se a partir das sensações iniciais com essas coisas e mantêm-se por força da persistência dessas mesmas coisas ao longo da vida: elas são a inspiração da verdade das relações humanas: a farinha não pode ser impura, o carvalho não pode ser provisório, a capela não pode ser fácil, logo as relações humanas também precisam de ser puras, leais, transparentes, persistentes, seguras, elaboradas.

O ter de ser assim precisa de encontrar a sua aceitação natural no querer ser assim e este precisa de ser sempre renovado por um voltar a ser assim, e a força do ser assim decorre do próprio ciclo natural que é nascer e morrer e renascer e que a sementeira das batatas e do pão inspiram quotidianamente, ou seja esta ideia da repetição, do eterno retorno, este saber singular que a terra é sempre terra da terra, ou esta comparação do trabalho da terra a um tear, vale como fundamento poético e ético. O ter de ser é o calo, o querer ser é o esforço, o voltar a ser é a filosofia de vida, e isto bebe na própria história do pão que chega à mesa.

Pelo meio, o poeta vai tecendo poeticamente umas narrativas de proveito e exemplo, como a das tentações do diabo, para concluir sobre o sentido da fidelidade, como a das andorinhas, como a da génese das águas, ambas para concluir sobre a migração das pessoas, como a da neve, para concluir sobre os limites da vida, como a da chuva para concluir sobre a ternura da casa, como a da Marianinha e a do aerograma, para concluir sobre a cidadania política, como a do pobre pedinte para concluir sobre a hipocrisia social, como a do Zé da Mana, para concluir sobre a tragédia pessoal .

Pelo meio ficam também os sentimentos pessoais, as representações íntimas, o erotismo dos indivíduos e do colectivo, os afectos, as paixões, as memórias, mas estes só são verbalizáveis com as mesmas palavras que verbalizam as experiências com a natureza, com os lugares, com os objectos, com as águas, com os fenómenos atmosféricos, com os animais, com os outros, a mãe, o pai, a mulher amada, essa outra metade com quem se quer partilhar os valores. É na verbalização da relação amorosa, desde a fase do enamoramento à fase da paixão consumada, que se percebe quanto o poeta vai beber à sua natureza os excessos do arrebatamento: é que a natureza, na fauna, na flora, na criação dos animais e na sua transformação, é continuadamente erotizante, desencadeia o cio, o desejo, impele a reprodução, e para tal mobiliza sabiamente todos os pretextos, as manhãs, as flores, as romarias, as noites, o primeiro dia do ano, as estrelas, os invernos, a aurora, o Natal.

As palavras são, de facto, as poldras do conhecimento.

segunda-feira, julho 05, 2010

Quanto mais dinheiro, pior educação!

Ele há cada uma que parecem duas!

Um homem vende outro homem por 11 milhões, faz um negócio do «caraças» e ainda diz mal do produto? Um homem vende uma maçã podre por 11 milhões e não tem consciência do que diz?

E há outro homem que compra a maçã podre por 11 milhões e não é filmado a rir-se?

Um homem faz um filho e esconde a mãe e não tem vergonha? Com quem aprendeu a moda? Com aquele pai que tem as filhas artistas e nunca se refere à mãe delas? Com aquelas mães que geram «produções» independentes?

Estes casos de má educação não poderiam ser «ligeiramente» corrigidos com o dinheiro envolvido? O dinheiro não tem mesmo nada, nada, a ver com a educação?

E o meu pai que toda a vida me disse que se mais tivesse melhor nos educaria a todos e somos 9?

O que vale é que há flores bonitas em lugares imprevistos!

quinta-feira, julho 01, 2010

No país dos megas!

(Esta foto e a anterior foram tiradas por meu irmão António, em Raiz do Monte, na casa de nossos pais. Ao fundo, vê-se o castanheiro onde levei a minha última lição de humildade!)

Agora vamos aos mega-assuntos do país:

1. Sobre a morte de Saramago também eu registo o lamento, envio os pêsames e faço minhas todas as palavras do mundo, as boas e as más, que ele mereceu-as todas, ora por uma razão, ora por outra, ora pelos livros, ora pelas intervenções orais. Do que li, gostei de ler, do que não li, umas vezes foi porque o interesse não despertou, outras foi porque não vi matéria que me ilustrasse e desisti de continuar a ler. De quanto Saramago escreveu, digo: ainda bem que se pode comentar, criticar, discordar, compreender e aprender. Os autores não morrem nos cemitérios.

2. Dos resultados da nossa selecção no Mundial, farei a catarse sobre o rosto do treinador: nem cuspirei, nem rasgarei, o tempo apagará! Da minha infância, nos jogos de mudar aos cinco e acabar aos dez, estive de todos os lados, perdi, ganhei, fiquei de fora, saí sem jogar. Fico a aguardar que o meu colega Agostinho Oliveira chegue à ribalta: tenho fé!

3. Do ME e do Governo: perdi o respeito!

4. Das scuts: pago semanalmente as portagens Braga-Vila Pouca de Aguiar-Braga. Calo-me para não insultar quem manda, nem quem quer mandar neste país!

5. Da PT: entre o totalitarismo do mercado e o totalitarismo do estado, prefiro o primeiro.

domingo, junho 27, 2010

Mega, mega, mega!

Ao longo desta semana são-joanina fomos surpreendidos por essa ideia do encerramento de escolas e por essa outra dos mega-agrupamentos em centros urbanos, uma outra a confirmarem as bizarrias do entendimento contemporâneo sobre a gestão de pessoas e bens. Anda aqui uma cultura popular de centro comercial, vantajosa para o imaginário da prestação de serviços, acolhedora na sua simplicidade de ajuntamento, mas perniciosa quando transformada em modelo do social. Tudo terá a ver com a nossa demografia, é bem certo e real, mas daí à imposição e generalização do modelo vai um grande passo. A economia de recursos é dada como explicação, como o foi sempre que se quis fazer qualquer reforma. Faz lembrar este recente agrupamento das escolas do pré-escolar e do primeiro e segundo ciclos em agrupamentos para poupar recursos, com a lógica de tudo ficar mais barato aos dinheiros públicos e depois engordam-se as despesas só com os ordenados dos directores, diminuem os trocos só com as deslocações do pessoal e minguam os resultados com a dispersão de assuntos, reuniões e burocracias. Agora é o fecho das escolas com menos de 20 alunos, também com o argumento de que os alunos nos centros urbanos têm melhores serviços educativos e escolares, esquecendo a morosidade dos transportes, a separação das famílias, o rompimento de laços geracionais, a perturbação dos espaços de referência e a fragilização de todos os mecanismos de ocupação do tempo. De vez em quando a sociedade extrema-se e uns vêm pregar que o pequeno é que é bonito, depois outros vêm e defendem que o grande é que faz sentido e neste emagrecer e engordar perde-se o tempo e gasta-se a paciência. Haja quem me explique, como se eu fosse muito tapadinho, que fica mais barato e mais eficaz o encerramento das escolas em lugares, freguesias, aldeias e vilas. Haja quem me explique que fica mais racional o mega-centro escolar do que a pequena escolinha. Até hoje, e já levo a experiência de estar em médio agrupamento de escolas há meia dúzia de anos, ainda não vi vantagem nenhuma na junção de projectos escolares, só vejo aumento de despesa, perda de recursos e engordamento de lideranças. Até hoje ainda não vi que vantagem pudesse haver por se fazerem assembleias ou comícios de professores em vez de reuniões de pequenos grupos. Haja quem me explique que é melhor para o país este mega ajuntamento de escolas, alunos e professores, em vez da simplicidade que tínhamos dos pequenos centros escolares. Já agora defenda-se a junção do nosso país a outros mais pequenos para se fazer um mega-país! Ou então abdiquem os governantes de o ser, por nos bastarem dois ou três líderes sediados em Bruxelas. São as ideias totalitárias que crescem como cogumelos. Daqui a uns tempos, viram-se as modas e talvez achemos graça ao que tínhamos antes.

domingo, junho 20, 2010

57 anos!

Faço-os hoje e espero neste dia merecer os próximos.
Obrigado, meus pais e irmãos.
Obrigado, meu amor, meus sogros e afilhados, sobrinhos, cunhados e cunhadas.
Obrigado, meus amigos.
Desculpai os excessos e tende as insuficiências na conta de aprendizagens futuras.
Obrigado, meu Deus!

terça-feira, junho 15, 2010

Sem piada!

(Aproveitei uma fotografia do jornal Correio do Minho, edição de segunda-feira, 14 de Junho de 2010)

A ideia de promover o farricoco à condição de gigantone ou cabeçudo não satisfaz os critérios da categoria. O gigantone ou cabeçudo é uma figura mítica, um sucedâneo dos deuses ou estátuas propiciatórias dos seus favores e intercessões. O gigantone requer o exagero de traços, a comicidade de movimentação e de aspecto, a disformidade e a fantasia, dimensões que o farricoco não satisfaz de todo.
O farricoco cumpre uma função muito específica dentro do ritual processional. Por sua vez, os mascarados têm a sua função específica em rituais de carnavalização. Poder-se-ia perspectivar o desfile de gigantones como concretização da carnavalização e de algum modo isso seria lógico, mas estes cumprem mais uma dimensão festiva de propiciação: associados aos zabumbas ou estrondos ou bombos, eles visam purificar o ar e o clima da festa, afastando os maus espíritos, carreando a alegria e a boa disposição. Tal como o foguetório, a bombaria e a bonecada que lhe anda associada, visam o espavento dos demónios, das frustrações e das angústias. Desta dimensão destaca-se a pilhéria, o humor, o ridículo ou exagero de pormenores, como se verifica nos gigantones que vão sendo introduzidos: diabos e mafarricos, mulheres e homens do campo, padres, bispos, reis, figuras públicas, porque é nas imagens, é no figurado, que é possível destacar os traços picarescos, catárticos e esconjuradores. Ora o farricoco não permite nenhuma dessas operações simbólicas: o tamanho não pode ser a única dimensão destacada. Nâo há exagero a recriar a partir do que é. Além do mais o farricoco só por um desvio marcadamente jacobino se pode eleger como símbolo da semana santa ou da religiosidade bracarense. Não faria qualquer sentido eleger como gigantones de uma festa figuras que se inserem na mesma linhagem de interpretação, como o exemplo extremo da figura mascarada dos Ku Klux Klan, ou noutro extremo, a figura do mascarado «terrorista» ou «revolucionário». Sob o aspecto funcional e da manipulação, constatei que o farricoco não teve a função divertida de outras personagens que com as suas extensas manápulas são até acarinhadas pela assistência. Aguardo outras leituras.

domingo, junho 06, 2010

Parabéns, meu amor!



de palavras íntimas e externas
são as contas vividas
e a haver
ásperas e ternas
gozadas e sofridas
a correr









princípio e fim
se diz de mim por eu ser dela
me digo dela por ela ser de mim
senhora e parcela
de nós assim


um fio de tensão
une o sofrimento
à resistência
e toda a ilusão
é temperamento
de inocência











a parede recolhe
o sol de frente
se o corpo arder
a luz o molhe
e o deixe ser
água corrente 

 


graciosamente
o chapéu ilustra o dia
a pose consente
a ironia
mas a verdade
é eu sentir vaidade
e alegria








agora o tempo é breve
a luz rodeia a voz
todo o fulgor
só este amor
o serve
e é de nós

instantes
fugazes mas contidos
chamas circundantes
de meus sentidos
(que os óculos de sol
simples pormenor)
mantêm atrevidos

... muitos anos de vida!

sábado, junho 05, 2010

Festas e cuidados!

(Fotografia do «santuário» de Mixões da Serra - Vila Verde. Tirada por mim.)

1. Vem o tempo das romarias e estas podem ser o óptimo motivo para uma saída de nós, para uma viagem à volta de «outro quarto».
Quem começar por esta, de Santo António de Mixões da Serra, vá no dia 13, que este ano calha ao domingo e fique por lá o tempo que possa. Tempo é coisa que numa romaria nunca se sabe ao que dá, mas quase sempre tem surpresa.
Até para sentir aquela fartura de sermos como somos, aquele cansaço de rituais e rotinas, aquela ruidosa algaraviada de palavras e músicas.

2. Neste passar discursivo de crises e destempêros governamentais, uma festa é um bom observatório da vida: todo o fingimento ali passa, toda a profundidade de alma ali se refugia e toda a peraltice ali se exalta. Já vivi as festas em estado de optimismo exuberante, mas estou em crer que agora as correrei à procura deste sentimento de decadência e de banalidade que se me alojou na representação do país. Se calhar, todos fazemos o mesmo percurso de romeiros: primeiro guiados pelo desejo, depois guiados pela amargura. «Deixai-me os cuidados, que vos deixo as festas» - escreveu Sá de Miranda. De uns e de outros gostava eu de me livrar!

domingo, maio 23, 2010

Coração em Malaca

(Fotografias tiradas por Cátia Candeias nos dias 18 e 19 de Maio, no contexto da visita a Portugal de Manuel Bosco Lázaro, folclorista do Bairro Português de Malaca, líder do grupo folclórico de S. Pedro) 

Manuel Bosco Lázaro, ou Papa Joe como é conhecido no Bairro Português de Malaca e na Malásia, por ser um animador cultural, tem um restaurante pub no Bairro, mantém a liderança de um dos grupos folclóricos e é intérprete de cantigas portuguesas. A sua profissão desenrolou-se nas obras públicas, construção de estradas. Desde muito novo, a partir dos 12 anos, data em que participou na recepção em Malaca (1952) ao Ministro do Ultramar de então, o comandante da Marinha Sarmento Rodrigues, canta e anima o Bairro e arredores, uma actividade que ainda hoje é rentável para si e para o seu grupo, dado que o turismo é intensivo.

A recepção no Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches, em Braga, tal como fora a recepção a Noel Félix, constituiu surpresa e regozijo. Papa Joe cantou um fado de Coimbra, no seu português próprio, muito assumido e acolhedor.

Manuel Bosco Lázaro é autor de algumas cantigas que fazem parte do património repertorial do Bairro Português, umas de nítida influência portuguesa, outras demonstrando a mistura de linguagens entre o acumulado sonoro português e o acumulado sonoro da Malásia, naquele género chamado branio que traduz os ritmos de fusão.

Os grupos folclóricos do bairro português (quatro, ainda que de formação reduzida quando comparados com os daqui, mas à base de violas eléctricas e com o apoio de boas aparelhagens de som) demonstram, nos trajes e movimentos coreográficos, uma assimilação tipificada de traços portugueses combinada com posturas e ritmos próprios de influência malaia e decorrentes das práticas de exibição. São, a todos os títulos, funcionais no contexto turístico da fixação de traços gerais de identidade.

A Rádio da Escola Francsico Sanches (emite na Antena Minho, aos sábados, das 11.00 h ao meio-dia) gravou um programa com a presença de Papa Joe e da Associação Coração em Malaca, tendo a honra de contar com a sua presidente Luísa Timóteo e a sua tesoureira, Florisa Candeias, mãe da bolseira do Instituto Camões Bárbara Candeias, uma jovem licenciada em desenvolvimento comunitário que esteve oito meses no Bairro a promover o ensino de conteúdos em português e que para lá volta já em Junho próximo, dando continuidade a um trabalho deveras notável e entusiasmante da comunidade.

No dia 19, fomos a Freixo-de-Espada-à-Cinta onde nos esperava uma recepção inesquecível. Manuel Bosco Lázaro, cuja vinda a Portugal se deve a dois mecenas e ao apoio da Associação Coração em Malaca, fazia questão de visitar as irmãs do padre Joaquim Pintado, natural de Freixo e que fora missionário e pároco no Bairro Português (1948-1975), pessoa a quem ele deve toda a sua educação e toda a sua formação como animador cultural. As duas irmãs do Padre Pintado, falecido em 1997, a D. Aida e a D. Lurdes, conservam bem viva a memória do irmão e de todos os seus trabalhos pelo Oriente. A D. Lurdes viveu 20 anos em Malaca com o irmão e reconheceu o Joe Joe, como chamou a Lázaro assim que o viu e atentou nele.
D. Lurdes está à direita e tudo perguntou a Joe Joe, pela esposa, pelos filhos, pelos amigos, por casas e por vizinhos. Foi uma saudade viva, uma emoção indescritível, um momento porventura único e irrepetível.

Como foi emotivo outro momento, já naquela fase de uma visita em que o tempo se esgotava e o regresso a Braga se fazia tarde, por compromissos já assumidos, quando Papa Joe encontrou o senhor Francsico, sobrinho de outro padre, o Padre Sendim, que estivera também em Malaca e que lá falecera. Dois homens que se abraçaram em plena rua, chamando um pelo outro, reconhecendo-se após 11 anos, por este sobrinho, Francisco Sendim, profissional de barbearia em Freixo, ter ido a Malaca recolher as cinzas de seu tio e trazê-las para Portugal.

Entretanto foramos recebidos pelo senhor vice-presidente da Câmara e tirámos a fotografia. Foi uma porta que se abriu, numa cidade toda recheada de memórias do Oriente.

Fomos guiados pelo professor Jorge Duarte aos dois locais de memória urgente que levávamos: a casa de D. Lurdes e o cemitério. Mas este encontro com o guia foi outro deslumbramento, quer pela síntese de vistas e de momentos históricos, quer pelas palavras pausadas e amadurecidas de projectos passados, presentes e futuros. Jorge Duarte é um fazedor de memórias, quer organizando-lhes os espaços físicos de permanência, quer fazendo delas um levantamento sempre mais descritivo e rigoroso. Pelo meio e pelo caminho foram ficando lamentos de alguma insdisciplina contemporânea sobre pessoas, bens, serviços, ideias, pedras, cacos, que nos garantiram até hoje este tempo em que andamos. A ideia de um museu do missionário merece-a Freixo de Espada-à-Cinta, precisamos todos nós mais dela, hão-de requerê-la como urgente os governantes, por mais dados que se quieram fazer passar pelos critérios do relativismo cultural ou do jacobinismo de trincheira.
No cemitério estão os restos mortais de dois grandes missionários do Oriente, o padre Manuel Joaquim Pintado e o Padre Augusto Manuel Sendim, mas também o padre Massa, padre em Macau mas que Manuel Bosco Lázaro também conheceu pessoalmente.

Foram breves as horas que passámos em Freixo, idos de Braga e a ela regressados por imperativo de actuação do «grupo do mestre», ou seja, por causa de uma actuação que a Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», de que faço parte, tinha marcada em Barcelos, para a ordem local dos advogados, actuação essa que Papa Joe queria  presenciar e para a qual foi mobilizado, absolutamente surpreendido, tendo tocado connosco. Apresentei-o com pompa e circunstância, momento único para todos e ele, munido da sua viola, cantou e tocou. Dançámos uma cantiga sua, o «Bira di bairu português», uma aquisição para o nosso repertório e que fazemos questão de dar a conhecer daqui para a frente.

Todas as palavras são poucas quando se está perante um projecto desta natureza, o de dar a conhecer a um português de Malaca algumas representações deste país ou chão que foi de seus antecessores, há 500 anos partidos para o oriente e ao longo dos tempos renovados por outros. Este projecto e esta associação Coração em Malaca tem uma persistente líder, uma espécie de alma da história que quer neste presente reintegrar todo o passado. Luísa Timóteo é uma torrente de entusiasmo, uma directriz de obras a fazer, uma vendaval de aproximações a tudo quanto possa transfigurar-nos, aumentar-nos a vontade, superar-nos o pessimismo.

Aqui está ela com o Jorge Duarte, afinal duas pedras cruciais das obras que os portugueses fazem e encontram e sonham pelos caminhos.

segunda-feira, maio 10, 2010

Os alunos com necessidades educativas especiais

Há limites e há casos, mas, no geral, os alunos com necessidades educativas especiais, motoras ou cognitivas, cognitiva e motoras, visuais ou meramente instrumentais, beneficiam da integração em turmas normais. Eu próprio já não sou o mesmo desde que tenho na minha turma um aluno com problemas do espectro autista, amadureci mais um pouco em alguns aspectos da teoria pedagógica e da didáctica, e até acho que renovei bastante em atenção aos pormenores, em termos de relação com todos os alunos.
Claro que não faço ainda tudo quanto acho que deveria fazer, pela simples razão de que não tenho tempo suficiente para preparar as actividades, já que a escola me pede demais para além do que já tenho obrigação de fazer. Mesmo os alunos ditos normais, e que se encontram muito bem preparados cognitivamente para as actividades disciplinares e não disciplinares, vão um dia mais tarde aperceber-se de quanto ficaram a dever na sua formação ao convívio com alunos especiais.

O futuro é que nos vai dar sentido às experiências da juventude e quando chegar a vez de esta amadurecer nas suas vidas, os jovens sem dificuldades vão perceber de outro modo algumas das suas particularidades. É esta dimensão do outro e da presença dos outros nas nossas vidas que nos faz ser diferentes para melhor, estou certo. Quem um dia for a uma cantina escolar e se puser a observar como comem os alunos com dificuldades motoras e como comem os alunos normais acabará mais depressa por estranhar os modos desintegrados destes que os cuidados treinados daqueles: por normalidade passa hoje toda uma teoria de desprezo pela comida, pelo pão, pela fruta, pelos talheres, pela mesa; por normalidade passa hoje toda a barbárie de gestos contorcionistas e de palavrões de muitos alunos bem constituídos; por normalidade passa hoje toda a irreverência verbal abusadora de jovens que vêem bem, ouvem melhor e mexem todos os músculos do corpo sem dificuldades; por normalidade passa hoje toda a bagunça de lixo que é deixado numa sala de aula ao fim de noventa minutos.

Enquanto a os alunos com NEE requerem uma observação minuciosa para verificarmos os seus progressos, os alunos ditos normais mostram-nos, sem qualquer esforço de observação, um esbanjamento de experiências e uma perda de oportunidades.

sábado, maio 01, 2010

Deixei de ser sindicalizado!


Dia 1 de Maio de 2010

Na segunda-feira, entregarei na minha escola uma carta a pedir a minha anulação como professor sindicalizado no SPZN. Fui o sócio 15250. Fim de um percurso e de um modo de o fazer. Também aqui, volto à condição de ex. As razões são simples e já estavam anunciadas desde as lutas do ano passado. Quem ler os meus textos da altura, lá encontrará uma deixa sobre a matéria. Dizia eu que ou a luta me marcava, ou eu tomaria outras decisões. Uma delas é esta e a quem me perguntar porquê só agora terei de lhe contar a demorada espera por respostas a quem de direito. Todos os processos da minha inscrição foram breves, todos os processos de desfiliação foram longos e sofridos. Vou fazer 57 anos. A minha carreira no SPZN não tem nada de relevante para além da pertença ao rebanho, ainda que eu lhe ache dois ou três momentos relevantes: quando fui delegado sindical na minha escola, quando me candidatei a umas eleições locais, quando fui a um Congresso e o abandonei por discordar da adesão à Central Sindical, quando deixei de pagar quotas e depois fui amnistiado. Considerei que a Plataforma Sindical fez um trabalho satisfatório, mas cedeu inexplicavelmente no fim, num acordo cujos contornos ainda estão mal explicados. Tal como a classe política do partido que nos governa, a classe sindicalista de poder não está à altura das circunstãncias. Não me filiarei noutro sindicato. João Dias da Silva ou Mário Nogueira são parte daquilo que eu recuso.

segunda-feira, abril 19, 2010

Hoje e sempre!

(Fotografia tirada por meu irmão António na procissão de quinta-feira santa em Braga, este ano. Pela luminosidade do anjo e pela proteccção do guarda-chuva, a fotografia torna-se mais promissora.)

1. Anda no ar e quase na cara da gente, espaço público configurado pelos media, uma zanga intempestiva entre o ME e os dirigentes das centrais sindicais ligadas à educação, como anda a circular aí pela casa da gente, espaço real da internet, uma circular a reclamar contra a consideração da avaliação docente nos concursos de professores. Ou seja, vieram ao de cima os resultados das aclamadas «negociações» que puseram fim ao «clima de nervosismo e instabilidade» nas escolas. Está visto o que significou negociar: montar um cenário de equívocos. Ou os negociadores do Estado prometeram o que não podiam prometer, ou os dirigentes sindicais concluíram o que não podiam concluir. A luta deve travar-se apenas entre eles. A sairmos à rua, deverá ser para responsabilizar quem montou um cenário de aparências.

2. Todos os anos a escola me faz repetir estas ideias peregrinas de começar de novo, de procurar a luminosidade das ideias e de ter confiança no futuro. O meu dilema é precisamente este: como construir o conhecimento e como ensinar os alunos a suspeitarem de quanto vão conhecendo?

3. Leio que o meu país pode estar à beira da falência e amanhã tenho aulas, tenho trabalho, tenho compromissos. Ouço os políticos e pasmo com tanta serenidade. Abro a televisão e o espectáculo continua.

4. Aceito sem reclamação a tolerância de ponto por causa da visita do papa Bento XVI: os alunos carecem de bons motivos para voltarem a ser anjos luminosos!

sábado, abril 10, 2010

Voltando às palavras como pedras...


(Fotografia tirada por meu irmão António, na Rua do Anjo, em Braga, no decorrer da procissão do «Ecce Homo» - os fogaréus iluminam a noite, ou seja, são a pequena luz nas trevas.)

Volto ao tema, aqui trazido pelo comentário ao meu último artigo, comentário esse que se interroga sobre se a exigência de «ser o melhor» está inscrita no espaço público contemporâneo, concretamente na escola, mas aqui já o comentador passou de «ser melhor» para «dar nas vistas».

Eu não creio que esta exigência faça parte da sociedade do espectáculo, ou seja, no espaço público contemporâneo não descubro a presença de uma ansiedade de ser melhor, de ser mais profundo, de ser mais reflexivo, de ser mais descobridor ou mais criativo, mas sim, e antes de mais, descubro a exigência de «ser mais visível». A exigência de «ser melhor» opera nos limites morais íntimos de cada ser humano e quando se exterioriza, manifesta-se em resultados que nem sempre obrigam os outros a notá-los. Hoje, concretamente na escola, por força destas lógicas de liderança individualizada e de apresentação de dados exteriores positivos, a existir, ela aparece, de facto, transmutada na exigência de «ser o mais visível». O problema começa então em saber se à visibilidade corresponde a qualidade intrínseca ou extrínseca de ser melhor. Não creio. Pego no exemplo da violência escolar, no caso da morte do professor de música, até para comentar uma pequena passagem da entrevista recente feita ao professor Daniel Sampaio (já pode o leitor começar a ver a minha visibilidade de implicação).

Toda a visibilidade contemporânea visa desculpar, compreender até ficar sem razão para julgar. Dar nas vistas é em primeiro lugar arranjar uma explicação que não traumatize. O professor de música deixou escritas palavras acesas sobre o seu sofrimento. O seu acto de pôr fim à sua vida, deixou-o ele inscrito violentamente na sua situação escolar: o seu grito, a ser ouvido, dever-nos-ia comprometer com a compreensão da sua «doença». Ora, e deduzo que é isto que DS quis dizer, a sua doença é um obstáculo à sua comprensão. DS torna-se mais visível do que eu, e do que todos os que quiserem compreender a tragédia pessoal daquele professor, ao retirar-nos precisamente o argumento da doença: o professor era um doente, andava em tratamento psiquiátrico, já tinha 50 e tal anos... logo, a associação entre o ambiente escolar e a sua morte não pode ser feita. Se formos atrás das explicações para outros problemas, como o caso da morte do jovem Leandro, vamos encontrar esta mesma «razão da visibilidade», uma espécie de razão estratégica da sociedade do espectáculo: fazer aparecer uma explicação que não traumatize ninguém, nem a vítima, nem o carrasco, nem a assistência.

domingo, abril 04, 2010

O apedrejamento que as palavras são.

Corre um apedrejamento de palavras contra a Igreja, contra o Papa, contra os Bispos, contra os Padres, por causa da pedofilia ou tendo este problema como razão mais óbvia. Quem se opõe ao apedrejamento dos pedófilos tem dificuldades em perceber tanto ódio contra os prevaricadores, mesmo sabendo que alguns possam estar dentro da Igreja, ou ter estado dentro dela. A pedofilia, como a violência, como a guerra, como outras actividades humanas que definimos dentro das «práticas do mal», carece de uma tipologia e de uma reflexão, para além da literatura e para além do cinema, mas também não sou eu quem a vai fazer. A Igreja, enquanto mistério do Divino que os humanos interpretam, foi sempre conhecedora de todo o mal e de todos os males. Talvez seja ela, através dos seus emissários, a primeira instituição do mundo a conhecer todos os pecados que os seus discípulos fazem ou que os seus discípulos vêem fazer aos outros. Querem agora alguns que a Igreja, através do seu Pastor, vire uma central de informações, uma Secreta, ao serviço de pretensos juízes da humanidade. Aqueles que por conveniência do entendimento humano lembram à Igreja que ela já foi Inquisição, querem agora que ela volte a esse regime de torcionários. Alguns bispos e padres vão pedindo aqui e ali desculpa por pecados de outros, numa precipitação de fuga para o interior do medo. Não tarda estaremos todos a pedir desculpa pelos pecados de alguém, aos berros, ou melhor, disputando parangonas de páginas ou de tempos de antena. Mais tarde voltaremos ao silêncio da culpa pessoal, da confissão reservada, deixando entretanto que funcione a justiça dos homens. Não creio que ganhemos o que quer que seja com a roupa lavada em público, mesmo dando de barato que há forma de lavar em público que não acabe na mais gritante forma de injustiça. Soltaram-se os demónios do nosso tempo, as pulsões e as tensões reprimidas. Não temos «médicos» suficientes a quem recorrer. Acho tudo isto, a pedofilia incluída, nova emergência sintomática da lava pulsional, um sinal evidente das fraquezas da sociedade civil e das suas instituições. Como cristão, recordo as palavras do Senhor: "aquele de vós que está sem pecado, atire a primeira pedra." A perfeição da humanidade continua a ser um terreno de esperança.