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sexta-feira, setembro 08, 2006

As festas limam as arestas

No monte de S. Gregório

No pretérito dia 2 de Agosto, a Junta de Freguesia de Maximinos organizou um convívio no monte de S. Gregório aberto à sua população e a todos os bracarenses e forasteiros que aparecessem. Da ementa constava um serviço de bar generoso e um cartaz de animação com folclore e música ligeira. A capela estava aberta. O objectivo deste convívio consumava-se na ideia de devolver o monte de S. Gregório à população como espaço de lazer e de convívio, como lugar privilegiado de vistas sobre a urbe bracarense e arredores, como recanto de passeio, reflexão e sossego. Naturalmente que o lugar para ser este objectivo ainda precisa de mais obras de encantamento, mas falar assim pode querer dizer que os responsáveis da Junta de Freguesia, especialmente o seu presidente, o comerciante João Seco Magalhães, demonstraram a consciência da perda e do abandono a que este lugar fora votado durante anos, tomado como acampamento espúrio e invadido por negócios marginais.
A ocasião para a festa foi a véspera da data que, no calendário religioso, assinala a consagração de S. Gergório como Papa, 3 de Setembro. A festa tornou-se então uma ocasião excelente para a Junta e o seu presidente darem a verificar o trabalho de recuperação deste lugar cimeiro, que tem S. Gregório Magno como santo residente, oráculo dos aflitos do coração.
Bem poderia este santo, que foi papa da Igreja entre 590 e 604, num tempo de invasões bárbaras na Europa, ser o inspirador de autarcas, ele que fora prefeito da cidade de Roma antes de se tornar monge e merecer a escolha como papa. E bem poderia este monte de S. Gregório tomar-se como lugar de sentinela sobre a cidade e sobre o mundo, desde que a palavra sentinela tivesse o sentido que lhe deu S. Gregório: «Deve notar-se que o Senhor chama sentinela àquele que envia a pregar. De facto, a sentinela está sempre num lugar alto, a fim de perscrutar tudo o que possa vir ao longe. Todo aquele que é colocado como sentinela do povo, deve, portanto, pela sua vida, situar-se bem alto, para ser útil com a sua previdência.» (Das Homilias de São Gregório Magno, papa, sobre o profeta Ezequiel) Que outras palavras poderiam inspirar mais os autarcas do nosso tempo?
Com esta iniciativa da recuperação do monte de S. Gregório, o Presidente da Junta de Freguesia de Maximinos, João Seco Magalhães, essa pessoa incontornável da história da cidade, o tal que fez a campanha autárquica distribuindo chouriças pela sua população votante, quis provar, e provou, que o preço do fumeiro está muito aquém do preço justo que mereceu e merece a recuperação deste lugar da freguesia, agora cercado por um muro encimado com o gradeamento antigo da estação dos caminhos de ferrro, agora dotado de casas de banho, em breve melhorado no seu ordenamento e ajardinamento, finalmente assumido como ponto de encontro da cidade. Diz-se, nas histórias populares, que quem dá uma chouriça quer receber um porco, mas neste caso a história parece inverter-se e depois da chouriça, o presidente da Junta está na disposição de dar um porco e, quem sabe, a vara toda, tal é a sua predisposição ao trabalho e tal é o entusiasmo da sua equipa. Oxalá S. Gregório não falte a esta gente assim decidida com a protecção devida aos achaques de coração e às vertigens das alturas.
O programa de animação musical contou com o grupo de música popular da UMATI, com três grupos folclóricos, o de Gondizalves, o dos professores e o de Martim, e com um conjunto, os Vaticanos.
O dia esteve luminoso, a tarde esquentou, o que deu maior relevância ainda às árvores do monte de S. Gregório, aquelas oliveiras e outras que terão testemunhado alguns vandalismos, mas que resistiram às alucinações. O grupo de música popular da UMATI abriu as sonoridades com estilo, compostura e agradável alinhamento de instrumentos, ritmos e vozes. As camisas brancas, as calças ou saias pretas, os cabelos delas requintadamente compostos, acrescentaram ao gosto de aprender e de tocar uma dimensão educativa, exemplar para todas as idades. As árvores morrem de pé e testemunham bem as vicissitudes da história.
O grupo Folclórico de Gondizalves, uma história de família alargada, com ligações ainda muito fortes aos trabalhos agrícolas, continuou a festa com o sentimento de ainda ser cedo para o público dançante e de já ser tarde para a simpatia do lugar, mas teve de ser e as danças e cantares tiveram o condão de atrair mais gente.
Seguiu-se o Grupo dos Professores de Braga, que agora se nomeia Associação Cultural e Festiva «Os sinos da Sé», em estilo de convívio com a população presente e em atrevimento verbal com o presidente da Junta de Freguesia, com S. Gregório e com o mundo, como é próprio do seu apresentador. Este grupo trouxe ao lugar as histórias do Né, o professor Manuel Tavares Lopes Prata, que em tempos de rapaz indomável tomou o monte de S. Gregório como seu castelo de fantasia, a ele chegando e dele partindo com aventuras de brincadeiras, corridas, banhos e merendas, fossem estas à base da fruta das quintas ou das sardinhas de uma mulher distraída, da broa do padeiro ou das chouriças do merceeiro, que a rapaziada da sua idade, isto há quase sessenta anos, tinha mesa de pedra privativa no monte de S. Gregório para planificação e distribuição. E lembrou-se a festa que então se fazia no monte de S. Gregório em que a canalha se pelava por beber um pirolito ou limonada. O resto foi cantar e dançar e anunciar o arroz de feijão malandrinho que saiu e a missa do dia seguinte.
Depois entrou a cantar e a dançar o Grupo de Martim, com cantador aprimorado e de improviso espevitado. Se até ali, e já eram sete e meia da tarde, o Bar já estava em bolandas, então passou a ganhar velocidade de cruzeiro e foi um vê-se-te-avias, sempre com a presença no prato da simbólica chouriça, entre arroz, febras e barriguinha de churrasco, broa, caldo verde, vinho ou cerveja ou água e café.
Finalmente o baile mais informal, ao som dos Vaticanos, apenas um, que chegou, tal a quantidade de «chips» enlatados que trabalhavam para ele cantar, e cantou, de tudo, até o hino ao Braga que compôs para animar as hostes arsenalistas da cidade em todas as marés. Foi então que se desejou que o futuro terreiro de S. Gregório tomasse em consideração o gosto pela dança em espaço corrido e amplo, fresco e de bom pisar. Só não dançou, nem comeu, nem bebeu, quem não quis ou não pôde abusar dos avisos de S. Gregório sobre os limites do coração, mas que a festa valeu, valeu.
Muito provavelmente, a esta hora, o presidente da Junta de Freguesia de Maximinos terá caído bem na conta das obrigações a que ficou sujeito com tão simples quanto simbólica distribuição de uma chouriça na campanha eleitoral.
Tomando a sabedoria de S. Gregório Magno - «É natural que no exercício do magistério a língua se confunda quando ensina uma coisa que não aprendeu» - o leitor fica já avisado que esta descrição da festa pode pecar por defeito e precisar de outros testemunhos que acrescentem, corrijam ou redobrem os tempêros.

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