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terça-feira, dezembro 19, 2017

Sobre o consumismo natalício como retrato do Natal

Eu já tinha este poema produzido há um ano, nessa gaveta em que o tempo vai conjugando a valia e a oportunidade das criações. Fui buscá-lo para responder a vendilhões dessa coisa de negar sentido à festa por ela requerer consumo de bens, e para açoitar também essas mesquinhas teorias de que o consumo exagerado de uns diminuiu a vontade de superar a precisão de outros Fui buscá-lo por ver um brinquedito em forma de Pai Natal a fazer flexões e pinos no lajedo granítico da avenida central desta cidade de Braga (recuperei a imagem do Face de Luís da Silva Pereira).

Natal - negócio e folia?

Se é só festa? Fiquemos com a festa.
Se é só feira? Fiquemos com a feira.
E deixemos andar tudo o que resta
Nessas mãos infantis de quem o queira.

O que resta, afinal, é o folclore,
Umas lendas, uns mitos, umas crenças,
Isso, que as tradições, no seu melhor,
Mostram ser o sustento das diferenças.

Se o comum que nos fica é a folia,
Foliões nos tornemos sem demora.
Se o Natal se tornou mercadoria,
Mercadores nos mostremos toda a hora.

Natal pode ser tudo o que não é,
O que já foi lhe sobra para o ser;
E mesmo que fraqueje nele a fé,
Mantém na linguagem seu poder.

E fique este poema no mercado,
Que só não será festa por engano.
Natal é um segredo bem guardado
No coração de cada ser humano.


José Machado / Braga/ 2016

segunda-feira, dezembro 11, 2017

O poder adolescente

Fui apresentar este livro do adolescente André Lima C. Ferreira à biblioteca Machado Vilela do Município de Vila Verde, no dia 9 de Dezembro, um sábado, à noite, noite fria e ameaçadora de chuva e vento. Obviamente fiz o paralelo rápido com os meus tempos de adolescente, tomando até a isotopia do ódio como carga poética, lembrando tudo quanto se odeia numa idade em que a construção de qualquer sentido aparece sempre como projecto radical. Mas foquei o tempo de crise e de abastança que passa hoje em dia por todos os ecrans ou janelas de oferta e troca de bens móveis, essa rede global de ansiedades que favorece a antecipação das crises de crescimento. Foquei a aprendizagem escolar da escrita, num crescendo de familiaridade com as palavras, tomando-as sempre com o sentido primário e absoluto que parecem ter, ainda sem as redundâncias da idade. Declarei o que ouvi de mestres: a adolescência é uma doença que o tempo cura. Depois foquei-me na escrita sã, não obstante as matérias de carácter formal terem reparos fáceis, essa coisa de concordâncias e de sintaxes, essa coisa de intencionalidade ortográfica e semântica,essa coisa de versos monórrimos, essa coisa de rap com batidas admiráveis e surpreendentes. Por escrita sã quis dizer que as matérias temáticas abordadas me parecem reais, verdadeiras, sintomáticas do crescer individual, da pertença geracional, da familiaridade de tiques e modos de estar e de ser: um, o da contradição continuada, dois, o da relativização de todas as verdades, três, o da experimentação pessoal, quatro, o  da liberdade plena, quinto, o da queda continuada... podia continuar, referindo os medos de perder a segurança familiar e o conforto pessoal instalado, referindo as basófias do eu arrojado e itemerato. O jovem está na linha da problematização do conhecimento, da sua construção e reformulação. Tomem um exemplo: (vou escrever em contínuo, separando os versos por barra)
SEGUIR EM FRENTE
Vou seguir em frente / Como das outras vezes / Em que caí / Mas depressa me levantei / E superei / O que passei. // Vou caminhar com cuidado, / Coisa que não fiz antes, / E seguir o melhor caminho, / Percebendo se vou acompanhado / Ou sozinho. // Vou tirar as pedras das estradas / E combater até ao fim / Pelos meus objectivos / Mostrando as razões / Para os meus motivos. // Aprendemos todos os dias / Como as feridas que aparecem / E desaparecem; / E aparecem novamente, / Como consequência de um passado. // Respeito é o poder de compreender os outros sem duvidar de nós. (pp. 68-69)
O jovem poeta e escritor ensaiou e foi ousado no que fez; hoje, sobretudo nas escolas, as coisas da escrita tendem a não ser levadas tão a sério. Para mim, na linha docente, com todo o tipo de ensaios de sentido nas folhas dos cadernos ou dos testes, o importante é verificar que existe neste filosofar adolescente, ou poetar de iniciado, uma corrente de comunicação e diálogo com o presente, diálogo este que acaba por definir um «Tu» como interlocutor, o da pessoa amada, ou o da ideia determinada, para confessar as dificuldades da sustentação amorosa, que são as mesmas da construção de uma verdade ou de um sentido para a vida. Todo o rasgo na relação amorosa é rasgo na carne, é rasgo no cérebro, é rasgo na aprendizagem. Disse mais, mas aqui basta ficar assim... 

sexta-feira, dezembro 01, 2017

O Natal da catequese em Jales

Com os votos de boas festas, os meus e os de minha esposa e os de minha família, em homenagem à aldeia de Campo de Jales, freguesia de Vreia de Jales, concelho de Vila Pouca de Aguiar. Ali existiram as Minas de Jales, empresa em que meu pai trabalhou desde os 19 anos até se aposentar. Minha mãe era de Raiz do Monte. Meus pais casaram em 1951. Nascemos ali os 9 filhos, ainda que a primeira filha tenha sido dada à luz na clínica Bissaia Barreto em Vila Real. Ali fizemos todos a quarta classe. Ali voltamos a cada passo, ali temos as nossas memórias mais intensas e marcantes. Minha mãe nasceu em 1924 e faleceu em 2013; meu pai nasceu em 1927, está ainda de boa saúde e com boa memória dos acontecimentos. Vive em Lisboa com a filha São e tem por perto mais quatro filhos, a Lai, o João, a Bibita e a Zeza, Por Braga estou eu e o Tó, o Fernando está no Porto e a Paula em Santa Maria da Feira.


O Natal da catequese

A catequese em Jales, na empresa,
Não era igual à dada na capela,
Tinha outro mistério, outra leveza
Por ser outra senhora a falar dela.

Na casa do Senhor da minha aldeia,
Dizíamos de cor toda a doutrina,
Em cadências de voz, marcada e cheia,
Dessa pressa infantil tão genuína.

Na casa da empresa, sem igual,
A D. Margarida era em ternura,
De voz e de presença natural,
O anjo anunciador da escritura.

Tão nova, tão bonita e tão intensa,
Falava-nos da bíblia com imagens;
A gente enamorava-se, suspensa,
Dos casos, das acções, das personagens.

A aldeia era o seu povo escolhido,
E a mina era um viveiro de visões:
Três turnos de trabalho extractivo,
Num rol das mais diversas profissões.

Havia ali os ricos e os pobres,
Famílias numerosas a criar;
Ela viu nos mais novos os mais nobres
A quem se dedicou sem hesitar.

Uma vez, o presépio foi projecto:
Pediu-nos um à nossa dimensão,
Cada qual que fizesse um objecto
E mostrasse ao Menino a sua acção.
  
(Então, no refeitório dos mineiros,
Ao fundo, onde o teatro se fazia,
Com musgo e ramagens de pinheiros
Um enorme presépio se exibia.)

Passei então a projectar a história
Da Sagrada Família em toda a gente;
E a Mina era a gruta da vitória,
Nunca de Herodes vista claramente.

Eu via por romanos, capatazes,
Sabia dos pastores, dos carpinteiros;
Judeus, via os mineiros mais audazes,
E por Reis Magos via os engenheiros.

As mães faziam todas de Maria;
Josés, havia muitos e calados;
E o Raul Toca-o-fole e companhia
Bem chegavam por músicos azados

Por Jesus, os meninos não faltavam,
Em todos os degraus do crescimento;
Do Pito, vários machos carregavam
As prendas para o Santo Nascimento.

O Lucas fez a cama prò Menino,
Com a forma de burra para a lenha;
E trouxe palha e feno com destino
Às reses que lá havia e que Deus tenha.

Mas na maior figura do Natal,
O anjo anunciador de tanta vida,
O rosto, a voz, o colo maternal,
Eu via sempre a D. Margarida.

José Machado / 2016-2017