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sábado, março 21, 2015

Chegou a Primavera...


Cascas e aparas – crónica do programa da Rádio Francisco Sanches de 21 de Março de 2015

E chegou hoje a primavera, com data que lhe dá direito a entrar directamente nesta crónica de rádio escolar, ambiente que a celebra e dela precisa, primeira estação que é do ciclo anual das mudanças climáticas, associada que anda à regeneração da vida, ansiosa que parece há quase um mês de se ver livre do inverno cáustico e castigador. Pois entremos então com ela de mãos dadas e vamos até onde for. Associamo-la à mocidade por serem ambas rainhas de flores, mas a primavera vai e volta sempre e a mocidade vai e não volta mais. Se as estações do ano nos inspiram a renovação cíclica, elas dão-nos também esta lição de finitude: nós seguimos um curso de nascer, viver e morrer, a natureza cá ficará a lembrar esse ciclo a outros que verão no ciclo das estações todas as oportunidades de futuro. 

Saem-me estas considerações a propósito deste ímpeto geracional que os mais novos inscrevem no quotidiano escolar, como se fossem eles a marcar o reino da necessidade e logo mais se esqueçam de que não viverão eternamente no mesmo estado primaveril que os seus anos agora demonstram. O adulto ajudará o mais novo a crescer e este ajudará o mais velho a envelhecer, assim se motivando um ao outro. Não falta quem insista na tecla de que é possível ser jovem toda a vida e quando o físico desbota insista na juventude mental. As outras estações têm a sua quota parte na educação integral e não gostam de ser desfeiteadas pela soberba primaveril. 


Digo muitas vezes aos mais novos que eles são o meu passado e que eu sou o futuro que os espera, eles não gostam, sobretudo pela falta de cabelo que apresento, e eu não aprecio pela idade que me anuncia, mas a vida é isto mesmo. Quando eu passei pelo tufão primaveril de me achar em contínuo renascimento de planos e tácticas de afrontamento, desconsiderei as aprendizagens que outros serenamente me induziram a antecipar, julguei que todo o futuro era meu, alinhei com as esperanças de nunca ser mefistófeles de mim próprio. Todavia o tempo chegou e outra maneira de conceber os estados primaveris fui desafiado a pensar. Cá vou, então, atrás não do que já não viverei, mas daquilo que ainda posso fazer, com aquela frescura de temperamento que a sabedoria requer para seu próprio envelhecimento: não fica menos devedor à vida o vinho que envelhece nas pipas ou nas garrafas, já que ele guardou para mais tarde o vigor de seus condimentos e agora os serve com as memórias do que foram. 

Anda pelos espaços virtuais uma crítica velada aos adultos que não saberão brincar com legos mais do que a construção de uma torre altaneira e durante alguns minutos, logo deixando de brincar com os mais novos e mandando-os tratarem de si, como se ser adulto implicasse continuar a gastar todo o tempo de brincar e a consumir toda a potencialidade do brinquedo: o adulto brinca menos porque já brincou demais e se manda brincar é porque o faz, com a naturalidade de um dever, a quem só tem uma idade para o fazer bem. 

Muita gente anda por aí a tentar virar o bico aos pregos, dizendo trocadilhos de pacotilha, ideias de inversão fácil, mas de natureza inútil no seu cumprimento de funções. O que é desafiante para a Primavera é que não queira o inverno ser como ela e que não veja ela o verão como seu rival. Do mesmo modo, não é o adulto que brinca todo o tempo, e que às vezes até percebe de jogos mais do que os jovens, que lhes faz falta nesta idade, é o adulto que brinca menos e que os desafia para outras ocupações que o tempo requer e que não poderão cumprir se todo ele se esgotar na arte de se divertir. 

(As duas fotos foram tiradas em Raiz do Monte e mostram os fulgores primaveris)


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