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domingo, novembro 30, 2014


Em crise…

Em crise nos dizemos e, a contrário
Do rumo natural que era suposto
Seguirmos como povo bem-disposto,
Fazemos um percurso de calvário.

Não faltam os profetas de promessas,
Já sobram juros claros e omissos!
E cedem as funções e os serviços
Às ânsias de atropelos e de pressas.

As culpas, as deitamos como certas
A quem servindo mostra andar servido
Por contas descuidadas e encobertas.

E assim se vai cavando a nossa cova!
Natal, era quem manda desse a prova
De estar pelo bem comum comprometido.


José Machado / Braga / 2014

segunda-feira, novembro 24, 2014

50 anos depois...

Esta série de fotografias remete para um encontro de antigos alunos do seminário espiritano de Godim, Peso da Régua. Este encontro foi no dia 4 de Outubro, para lembrar o mesmo mês, improvavelmente o mesmo dia, óbvio, em que entrei com mais sessenta colegas no seminário, por opção, pois tinha feito também o exame de admissão ao liceu e à escola técnica de Vila Real e tinha passado com distinção. É evidente que esta opção ou vocação andaria ligada às possibilidades económicas de meus pais, mas que minha mãe tinha gosto em ter um filho padre foi aconchego de meus ouvidos. Tínhamos na família, afastada, um missionário, o padre Manuel Magalhães de Três Minas, a quem minha mãe costurara todo o enxoval quando ela fora para o seminário. O meu enxoval foi marcado com o número 560.

Nesta primeira fotografia, tirada na sala de entrada do seminário de Godim, onde fora uma sala de aula do 2º ano,  vê-se o padre Afonso Duarte, então nosso professor de desenho, hoje pároco em São Brás de Alportel. A este padre, ao tempo um jovem missionário esbelto, dinâmico, absolutamente capacitado no domínio do desenho e da expressão musical, fiquei sempre devedor por todo o interesse que tive e tenho pela arte contemporânea. O que ficamos a dever aos nossos professores nestas idades de formação do gosto e do carácter ainda se mantém como bússola orientadora da minha perspectiva docente.


Estes encontros ou este género de reuniões entre condiscípulos, privilegiando o regresso aos lugares iniciais e reunindo o maior número possível de testemunhas ainda vivas, mas acrescentando as famílias entretanto formadas, com um sentido evidente de mostrar os frutos que os novos caminhos entretanto seguidos após a saída do seminário determinaram, estes encontros, dizia, são de paciente organização, quase sempre sem êxito total na reunião dos convocáveis. Mas fazem-se e bem, são sempre uma fresta de saudade. Com um sentido de catarse ou com um sentimento de dever e de agradecimento pelos anos de formação, ou que seja até com algum sentimento de culpa por não se ter seguido o outro fulgor vocacional, este ajuntamento de nós que vivemos um tempo juntos e partilhámos currículos formativos e esquemas de sobrevivência pessoal e solidária, faz todo o sentido no tempo presente, mas vem já com essa tradição de ter de ser assim que uma sociedade mantém e valida processamentos de informação para se manter e se avaliar.


Eu saí do seminário em 1971/72, já andava na Faculdade de Filosofia, em Braga, numa fase em que a dessintonização vocacional culminava em rupturas de fé ou de orientação religiosa e política. Curiosamente, eu saí do seminário quando tinha como director o mesmo sacerdote que fora meu director na Régua, nesses dois anos iniciais de frequência. Em 1974 eu concluí o que então se chamava o bacharelato e em Janeiro de 1975 fui leccionar para a Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão, já de candeias às avessas com Deus, militante de um partido radical, o MRPP, convencido de que tinha de mudar o mundo pela via revolucionária, a favor de um comunismo puro e ainda não experimentado em lugar nenhum, desconfiado activo de quantos partidos comunistas e facções ML se propunham fazer o mesmo.


O interesse destes encontros é precisamente esta exposição de franquezas entre amigos: quando em 77/78 eu entrei em ruptura com todo o ideário revolucionário marxista-leninista-maoísta, tendo saído e simultâneamente sido expulso do pequeno partido em que militara. Quando hoje confesso a estes amigos e antigos mestres que fizera tudo o que pudera para tirar Deus da minha vida e não o tendo conseguido, a Ele regressara, eles recordam-me uma identidade de crítica e de rebeldia que já andava inscrita naqueles dias de estudo e de cumprimento da regra. Nessa direcção, eu descobri que toda a minha tergiversação ideológica fora marca no berço e nesses primeiros anos de estudo pelo caldo de uma cultura missionária toda ela de impulso voluntarioso, de desafio de poderes e de atrevimento de pastoral: em Angola ou em cabo verde ou na América latina, os horizontes da missão já tinham todas as influências de uma doutrinação ideológica que então o ecumenismo favorecia e recomendava e que no terreno dava frutos evidentes de mobilização.


Estas considerações ficam aqui por respeito à cor das camisas de meus colegas: não fosse a vermelha do Guedes e eu não confessaria minhas diatribes na extrema esquerda, e não fora a branca do Casalta e eu não lavaria deste modo as palavras. O facto de eu a esse encontro ter ido de camisa preta e fraldiqueira é que me deu consistência libertária a esta ilustração fotográfica, obra de meu condiscípulo Estevinho, moço que não via há 48 anos.