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quinta-feira, outubro 09, 2014

À terra onde minha mãe nasceu...

...volto eu a cada passo agora, por ali andar com umas plantações de castanheiros, amendoeiras, figueiras, diospireiros, oliveiras e nogueiras, para já, coisa que parece muita, mas não é se eu disser a quantidade que não vou dizer, claro. Os trabalhos ocupam os dias, mas ocupam também esse lugar que a saudade teima em alimentar como factor identitário e nos prende a um berço, a um clima, a uma residência, a uma terra, a uma gente. 

Pois minha mãe saiu de sua terra para Campo de Jales casada com meu pai que era de Nogueira, Vila Real, e foram viver para o bairro da Saiça, primeiro no de lá, depois no de quatro casas, se assim se pode ficar a saber como distinguir aqueles aglomerados de habitações para os trabalhadores, feitos ao estilo inglês, construídos por um empreiteiro de Santa Marta de Portuzelo, Viana do Castelo, em cujo cemitério local repousa um dos engenheiros ingleses que terá consolidado estilos de instalação e de organização do couto mineiro, o engenheiro Chapman, bem conhecido de meu pai que o tinha como exemplo de líder. Próxima da casa, no nosso caso, estava a horta, uma leira de terra, uns cem metros quadrados mais ou menos, mas meus pais tinham mais umas territas em raiz do Monte, por herança de minha mãe.

Ora foi precisamente num desses bocados, onde quase todos os irmãos fizemos tirocínio de lavoura, o Agro, que eu fiz a plantação das árvores, em terreno luzidio para uns, pedregoso para outros, nem bom nem fraco, ruim de todo para quem diz mal de tudo. 
  

...se chama Raiz do Monte e eu já ouvi dela a hipótese de ser a terra dos reis do monte (ainda hoje os de Raiz do Monte dizem que são de reis do monte), com referência a cartas de povoamento que a deram a povoadores intrépidos; de qualquer modo o topónimo capta a base da montanha como berço da aldeia, não obstante haver no alto da mesma a memória de Presandães, hoje apenas vestígios de casas, mas ainda lugar da nascente das águas, a serra da Presa, onde depois a empresa Minas de Jales construiu uma barragem de captação de águas para os seus serviços de abastecimento, incluindo a produção de energia. 

Aqui nasceu minha mãe, filha de Maria das Dores Gomes (1897-1980) e de Hermínio Afonso Costa, ela costureira, filha de tecelã, a Ti Ana do Rio, ele alfaiate, homem que haveria de fazer a campanha de Moçâmedes e depois integrar o corpo expedicionário português na I grande guerra mundial, da qual trouxe os males que o levariam a finados.

 

...apareceu nas amendoeiras este bichinho camaleão de suas folhas, que vozes avisadas me aconselharam a combater à mão, tirando e devolvendo à terra, que o dito larga cheiro intenso, pois o inverno vem aí e encarrega-se de os eliminar deste circuito de pastagem. Agora vem o tempo de aumentar a plantação e vamos a ver.


...saiu para o cemitério da freguesia, em Vreia de Jales, a pedra tumular que cobre o repouso eterno de minha mãe, um desenho meu de inspiração nas pedras mais velhas do cemitério que data de 1884, ainda de acabamento incompleto. A cruz foi daqui de Braga, da serralharia O Setenta, em aço corten, que agora ficará ao cuidado do tempo patiná-la, vesti-la de ferrugem, lembrando inevitavelmente a quem trabalhou nas minas o cavalete de ferro e as vagonas e as linhas enferrujadas, comidas pela acidez das águas e das chuvas; lembrará à família os ferros espalhados pelo armazém onde meu pai trabalhou muitos anos e de que se tornou um gestor extreme. O trabalho do jazigo saiu das mãos de Domingos Vaz Fontela, um empresário da pedra, natural de Raiz do Monte. 

Terei agora, ou teremos - nunca um homem se dedica só a tanta vida - a missão de seguir o crescimento das árvores e o envelhecimento da cruz... 


2 comentários:

António Machado disse...

Está aqui um livro, uma escrita, uma história, muitas vidas. Sim, está aqui um livro!

Anónimo disse...


A vida é feita de vivências, de lembranças. Todos temos uma história de vida para contar, para lembrar...