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quarta-feira, julho 30, 2014

As pontes de todos os passos

A ponte Carlos IV em Praga marcou os nossos passos na semana que lá passámos. Apresento-a nesta imagem a partir do rio, naquele passeio de barco do penúltimo dia: são 516 tal metros em 16 arcos, sobre o rio Vltava, ou Moldava. É um símbolo: da cidade, do país, da Europa e do mundo. A sua travessia é um espanto de obras de arte, de tipos humanos, de casualidades comerciais, de momentos artísticos, de situações do vivido em todas as linguagens que o expressam. A gente passou lá várias vezes, para ver e para sentir a movida da ponte, para sermos mais dois entre todos, para nos revermos em nosso modo peculiar de ver e de estar no meio de outros: os momentos artísticos impõem mais paragens que os negócios de recordações ou de extravagâncias: ali se exibem bons músicos, com toda a piada performativa que hoje o tempo induz. 


O músico Alex é por si só um espanto de desempenho, de bom humor e de comunicação: um professor de música autónomo, habilidoso em pormenores de fantasia, afável no contacto e nas referências até que faz a memórias de passagem por Portugal. 


A gente demora na ponte porque os séculos que a sustentam contêm demasiadas histórias sobre nós. Dali vê-se um metrónomo na colina, num lugar que a guia do barco, uma jovem absolutamente possuída de jovialidade e de uma inocência atractiva, identificou como sendo a colina onde em 1955 fora inaugurado um monumental conjunto escultórico a José Estaline, monumento este destruído à bomba em 1962 como recusa do culto da personalidade, monumento este que fez a guia evocar Jan Palach, o jovem que se imolou pelo fogo em protesto contra a invasão da Checoslováquia pela URSS em 1968/69 e sobre cuja memória existe uma cruz entalada no passeio em frente ao grande museu nacional da cidade. Na relação que fiz destas datas com a minha vida, senti-me envolvido na história da cidade: aquele jovem marcara bem os meus 15 anos e as minhas vivências do ano 68/69.


Em Praga, não saberei dizer bem porquê, talvez por influência daqueles programas de TV que busquei no hotel e que se referiam constantemente aos conflitos actualmente em curso pelo mundo fora, talvez pelo excesso de juventude que ocupava as ruas da cidade velha, talvez pelo volume de turistas sossegadamente espalhados pelos sítios de visita guiada, talvez pela frequência de reparo em gente idosa que integrava os grupos da parada folclórica, talvez pelo facto de as narrativas dos monumentos e dos lugares repisarem percursos da cristianização, talvez pela fugacidade de reparo aos anos do comunismo, talvez pela densidade de presença do povo judeu naquelas três sinagogas e naquele cemitério, talvez pelo calor, talvez pelo conforto do hotel, talvez pela qualidade de satisfação geral, achei-me várias vezes a sentir um arrepio de pressentimento de que algo de complicado nos espera e nos vai apanhar desprevenidos... os aloquetes que se deixam nas pontes testemunham um estilo de promessas que nem sempre nos conforta a alma, é verdade, mas eles também foram pensados com angústia, certamente...


Já este cantinho de graça artesanal se refere melhor a todo o clima de festa que anda no ar na cidade. Esta cidade de Praga, eu não a conhecia pela extensão de sua urbanidade artística, fixada em grandiosos edifícios barrocos, renascentistas, rocócós, arte nova, nem pela mobilidade de todas as manifestações de vivência lúdica e livre, nem pelo gosto perfeitamente descomprometido e leve de modos de trajar; conheci-a também pela quantidade de suas igrejas, pela maravilha de seu relógio, pela largueza de vistas de suas torres, por suas redondezas de investimento agrícola e florestal, por seus lugares visitados em passeio orientado: o castelo de Karlstein, a cidade de Hutna Hora e suas minas medievais de prata e a cidade de Karlovy Vary. Viemos de lá com saudades, viemos de lá confortados...

sábado, julho 05, 2014

Sob candeias de pavio breve

1. Meu pai e meu irmão fazem anos este mês de Julho, o segundo dia 3 e o primeiro dia 6, com a diferença entre eles a ser maior que a minha dois anos apenas, que meu pai contava 26 quando eu nasci. Mais uns dias, a 18, fará anos minha irmã Conceição. Somos 9 os filhos  do senhor João Maria Machado e da senhora Ana Maria Gomes da Costa, falecida em Outubro do ano passado, ele natural de Nogueira, Vila Real, ela de Raiz do Monte, lugar onde é esta propriedade em que temos casa. O momento da fotografia reporta-se à semana anterior à Páscoa deste ano e ali, perto do coberto da lenha, do galinheiro e de outros arrumos, nos sentámos a conversar, com proveito casual de merenda. Meu irmão João é médico no Curry Cabral, em Lisboa, é pai de três filhos, tem a sabedoria das especializações em que se esgota diariamente. Meu pai agora está em Lisboa, em casa da Conceição, tendo por perto mais duas filhas, a Maria das Dores e a Maria Adelaide, esta a mais velha de nós, que o não parece nunca. Que os anos pesem a ambos na proporção dos proveitos que lhes dão, é o que tenho de lhes desejar, ainda que saiba que a meu pai todo o peso foi sempre a triplicar.

  

2. Esta janela tem as mossas da pedraça que caiu na véspera de S. João em Raiz do Monte e arredores. Virada a nascente, exibe as pedradas que o mau tempo descarregou sobre os as árvores, os campos de feno e de batatas e as hortas. Tudo se foi e ao mais não era muito. Foi breve a lição de dependência, suficiente para lágrimas e esconjuros. Que esta vá e outra não venha, foi o rifão de cortesia que mais ouvi na terra, dirigido ao céu.  


3. Os castanheiros do Agro, plantados em terra que loze, nas palavras do senhor Benjamim, só terão a minha esperança ingénua de crescimento e por isso os estimo. 


4. Neste acumulado de toros de giesta, aproveitadas do Agro, sobrepuseram-se as pontas mais tenras do velho castanheiro que se vê na fotografia de cima, cortadas pela pedraça. Se as houver no outono, as castanhas terão o sabor de uma reparação.


5. Sob candeias de pavio breve / me exponho à paciência de cuidar / que o tempo espevita e circunscreve /
as palavras que nos hão-de explicar / ora em sombras diluídas pela rede / ora em sulcos cavados num lugar.