Pesquisar neste blogue

domingo, maio 25, 2014

No banco dos suplentes


(Fotografia tirada por meu irmão António no terceiro piso do Café A Brasileira em Braga, espaço onde brevemente a Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» de Braga irá instalar uma exposição com algumas apropriações da estética etnográfica presente no modo de trajar tradicional que os grupos folclóricos assumem como seu espelho de apresentação.)

Na semana em que começaram os exames, eu lá estive num deles a vigiar os alunos e noutro fui para a sala dos suplentes, à espera de ser chamado, caso alguém adoecesse ou se indispusesse subitamente. A espera foi sempre ofício de alguma gente, portanto desta vez tocou-me experimentá-la. Estar de serviço na expectativa de que alguém adoeça ou morra ou se indisponha ou simplesmente não compareça ao serviço e daí não possa prosseguir o trabalho previsto é afinal a função de todos nós, a gente prepara-se para substituir alguém e é bom que se capacite disso. Os suplentes às vezes nunca jogam, é certo e deve custar-lhes imenso ficar no banco. 

Sempre que fui suplente nos jogos da regional, um de três campeonatos que disputei como atleta federado, experimentei aquela sensação de vir a ser o factor decisivo do jogo caso o treinador me desse ordens para entrar, mas também senti bem na pele a ideia de estar ali mas não ser preciso para nada, desejando mesmo que ninguém se aleijasse ou fosse excluído pelo treinador. Recordo-me dos tempos em que também fui responsável pela orientação de uma equipa, na minha terra, nos campeonatos do Inatel e de ter de aturar a birra dos suplentes sobretudo depois de passarem dois ou três jogos sem pôr o pé na bola, acabavam sempre por discutir comigo e ameaçavam desistir de comparecer caso não os pusesse a jogar pelo menos o último quarto de hora. Suplentes houve que ficaram célebres por serem a arma secreta do treinador e ainda hoje se fala assim. 

O nosso tempo declarou formalmente a insubstituibilidade dos suplentes, hoje o banco dos suplentes é a montra da equipa, ter um bom banco é ter meio jogo ganho e não é raro haver surpresas e reviravoltas no jogo quando se mobilizam os suplentes. Na política, a figura dos suplentes progride na proporção directa do argumento de que não há insubstituíveis, ditando a lógica dos interesses a providência das substituições, chegando-se ao ponto de ter de legislar contra a falta de descaramento neste jogo. O hoje eu, amanhã tu, agora este e depois aquele, faz parte das estratégias de quem faz listas para o que quer que seja: os suplentes ali estão numa de generosidade, uma espécie de resposta ao cumprimento de um favor, como se toda a generosidade se exprimisse em ser o último. Isto é mesmo assim, não há volta a dar-lhe, todos temos de estar na mira de sermos precisos. Esta disponibilidade é o nosso sustento: como viveríamos se não soubéssemos que alguém vigia por nós e que alguém está pronto para entrar em acção? É esta a lógica do dar o lugar e não estar apegado a ele. 

Existem todavia algumas contrariedades que também merecem a reflexão: os suplentes têm de ocupar o tempo com alguma coisa, têm de estar ali à espera e precisam de se manter em actividade. Ora neste caso concreto que me coube de ser suplente as instruções foram as de nada fazer que não fosse estar sentado numa sala cumprindo o horário de esperar. Bem me preveniram que levasse um livro para ler, testes para corrigir, conversação em tons menores, piadas e reparos sem som: a discrição é a estratégia dos suplentes e eu procurei cumpri-la, digo procurei, mas não consegui, acabei por me entreter com a escrita desta crónica, com algumas diatribes verbais com os colegas e com uma ou outra passeata pela sala em estilo de vigia aos outros colegas: todos estavam entretidos com o mesmo ofício de esperar a vez de entrarem em acção. A correcção de estes foi de facto a actividade mais escolhida e bem fizeram aqueles que assim passaram o tempo. Felizmente ninguém morreu, ninguém se indispôs, ninguém faltou e ninguém desistiu de estar em forma no seu lugar de ofício. Foram duas horas bem passadas, sem aquela vontade de querer mudar o mundo ou alterar o estado da nação.