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segunda-feira, abril 28, 2014

Por causa dele voltei a ler diferente


Vasco Graça Moura (1942-2014)

Estou-lhe grato, por tudo quanto li dele e por tudo quanto me inspirou a ler. O último livro que estou a ler por sua directa influência é Alfabetos, de Claudio Magris, Quetzal, Lisboa, 2013. Nem por acaso, posto que a sua obra é outro lançamento de alicerces na cognição verbal. Em sua frontalidade lúcida e ilustrada colhi uma lição de humildade cada vez mais necessária, obrigando-me a ler e a deixar na exposição, oral ou escrita, uma vontade de ser mais virtuoso e mais consistente. Desafiador, tomei-o como mestre. Até pelo ar de rústico aristocrata em que mergulhava a sua representação de homem do douro. Um dia que saiba hei-de tocar-lhe em meu clarinete em dó uma melodia chã e falarei dele com todo o agrado. 

quarta-feira, abril 02, 2014

De há 40 anos para cá...


(Fotografia da minha pessoa numa espadelada em Marrancos, Vila Verde)

Aguardo a leitura dos livros de Maria Filomena Mónica, uma socióloga crítica, muito crítica, do actual estado da educação e do ensino em Portugal, sobretudo das políticas definidas para a dita escola pública. Pela aragem da imprensa deu para intuir que ela encontrou razões que a deixaram nesse estado de deitar as mãos à cabeça e exigir mudanças mais decisivas.

Presumo qual seja o seu sentido de futuro, mas como não li os livros dela, terei de explicitar o meu estado de espírito. Eu sempre acreditei no que fazia, quer dizer, eu sempre andei motivado para ensinar o máximo aos jovens que me aparecem pela frente, o máximo, ou seja, aquela substância de conteúdos que o programa estabelece e que eu adequo aos alunos e pela aprendizagem da qual os avalio.

A 40 anos do 25 de Abril, se tivesse de descrever sumariamente as reformas em que me vi metido e a que aderi sempre com o meu espírito crítico, mas que nunca deixei de aplicar, diria assim: logo nos primeiros anos, a preocupação dos programas foi essencialmente pedagógica, aderindo em força aos métodos não directivos, à motivação entusiasmante dos jovens, à quebra dos autoritarismos , às vantagens de uma didáctica mais libertária de constrangimentos: favorecer a livre interpretação, soltar a língua dos alunos, levá-los a verbalizar os estados de alma, descobrir um sentido emancipador nos textos, alargar horizontes de conhecimento, pôr fim a uma avaliação rígida e anular as vantagens de qualquer classificação.

«Camarada, este teste não tem por objectivo apanhar-te», escrevia eu num teste aos meus alunos em 1974-75 e propunha-lhes situações de reflexão com textos variados, lá metia a gramática, mas dava também as definições para eles descobrirem os casos a que elas se aplicavam. 

Depois houve uma segunda investida em programas mais apelativos, mais direccionados para a vida quotidiana, mais abrangentes de autores não canónicos, mais ao encontro dos interesses contemporâneos, menos directivos em termos de memorização, mais apelativos a métodos de auto-construção dos saberes. 

Progressivamente este caudal da pedagogia não directiva reuniu-se ao caudal da didáctica construtivista, essencialmente baseada na ideia de que a criança ou o aluno constroem as suas próprias aprendizagens a partir de métodos mais livres, menos assentes na memorização, mais baseados em problemas do seu quotidiano. 

A implementação nas universidades de cursos de formação de professores, com mais peso nas ciências da educação, pedagogia e didáctica, do que nas matérias da ciência curricular de cada disciplina ou área do saber, foi a coroa de glória desta junção das correntes que atrás referi. Esta dinâmica instalada da formação de professores foi sendo sucessivamente questionada e tudo quanto ela representou foi integrado naquele conceito de «eduquês» que Nuno Crato elaborou e que lhe rendeu mais tarde o lugar de ministro do actual governo, com o perfil de mudar o estado de sítio das coisas. 

As correntes anteriores hoje encontram-se em reformulação em termos institucionais, com o modelo de formação de professores em revisão, mas a nível individual são lugares comuns de experiência individual; nos casos em que funcionam bem, ficaram segredo de cada um, e delas se tira o melhor partido quando os alunos estão para ali virados. 

Com a entrada da Troika, tudo parecia que iria mudar e que iríamos entrar num sistema de maior exigência, de mais sistemática avaliação, de mais procura de eficiência e controle; fizeram-se mudanças curriculares, alteraram-se metodologias de ensino, reintroduziram-se os exames mas a coisa foi-se empurrando com a barriga. 

Há quem clame que se está a desinvestir na escola pública, há quem clame contra o maior dirigismo instalado, há quem braceje e há quem se sinta defraudado com tão poucas mudanças afinal. Veio ao de cima o que se estava a ver que viesse: não se pode estar de bem com todos, não se pode introduzir exames em duas áreas e deixar seis ou oito à deriva, não se pode fiscalizar aqui e deixar andar à vontade ali, não se pode exigir cumprimento a uns e gestão livre a outros. A coisa ficou a meio gás, mas como a crónica já vai longa terei de a terminar e continuá-la depois.