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sexta-feira, agosto 02, 2013

Leituras, vistas e passadas

Os passos são por perto de casa, até ao mar, ali em Esposende, ou naquela corda interior de proximidade atlântica. Ir e vir. O ebook não substitui o papel nem a conversa, mas leva carga para muito tempo. O resto fica por conta desta máquina.  


Foi leitura da primeira semana, ainda a última de Julho, pois já andava com ele no ebook desde o ano passado. Gostei. A perspectiva do narrador recordou-me o livro de Pamuk das últimas férias de Verão, ali no areal de Esposende: alguém conta a história depois de morto  ou no estado em que chega ao outro lado. Em termos de escrita, gostei da leveza narrativa proposta ao leitor, processo com mais de cem anos nesta obra, coisa para não entender aos olhos de hoje mas para perceber como novidade de 1880. Toda a literatura que hoje soa politicamente incorrecta tomo-a como saudável. Registo um pormenor de leitura que tem interesse para a minha atitude de estudo da música tradicional e popular: ...«se guardares as cartas da juventude, acharás ocasião de "cantar uma saudade". Parece que os nossos marujos dão este nome às cantigas da terra entoadas no alto mar. Como expressão poética, é o que se pode exigir mais triste.» (Sublinhados meus)


Entretanto intervalei com o Brás Cubas de Machado de Assis estas Mentiras & Diamantes de J. Rentes de Carvalho, uma narrativa empolgante sobre encontros e desencontros de gente que gira no mundo e passa por aqui, por Portugal, e ganha afeição à terra e às pessoas. O caso de arranque passou-se após o 25 de Abril e tem a ver, cá voltamos nós ao «politicamente (in)correcto», com a violência exercida nas cadeias da então jovem democracia portuguesa sobre «um fascista» ou «porco capitalista». Avanço desde já a minha hipótese de explicação para o fim em aberto da narrativa: depois da viagem ao Norte, à profundidade de Trás-os-Montes e do Minho, a personagem principal deixou os cordelinhos a mexer... e, cá como lá, por esse mundo fora, nem todos os crimes têm explicação convincente, sejam os relacionados com droga, com diamantes, com sexo...


Qualquer lugar é fonte de linguagem ou chegada dela e qualquer coisa ou corpo ou terra ou palavra é lugar onde se pode estar. Até um gato pode ser o lugar ideal para reflectir poeticamente sobre o apagamento de género na nossa identidade: olha que daria que pensar se os «politicamente correctos» agora desatassem a fazer desaparecer as marcas de género nos animais... Até uma sala de aula do pré-escolar, para já não falar obviamente nas cidades, nos museus, nas estações de metro, nos autores, nos cemitérios, nos países onde se chega ou donde se regressa. São as ideias que emergem por causa dos lugares e são estes que têm o condão de as motivar. O estilo parentético do poeta abre a leitura às derivas interpretativas, logicamente às desculpas, às tácticas, às ironias, às provocações. «Você está aqui» para se pensar e para pensar o mundo, você e as suas circunstâncias, como diria Gasset, você e os seus lugares de poiso ideológico, como facilmente dirá o leitor. Ainda voltarei a este livro.