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domingo, março 31, 2013

Ressuscitou! Aleluia!

Aleluia! Cristo ressuscitou! - A essência da fé, o mistério de uma afirmação! 


Em nossa casa foi assim, pelas 10:15: a menina que transporta a cruz foi a primeira vez que fez o itinerário; sugeri-lhe que na próxima colocasse uma grinalda na cabeça, como a que rodeia a cruz. É uma comitiva de inocência e de memórias, ele por ser mais velho e estar ligado desde o início a este rito, eles por serem jovens e fazerem questão de participar; os dois mais jovens são netos de um amigo já falecido, o professor Gomes dos Santos; a fotografia foi tirada pela Maria de Jesus, vizinha, colega e amiga de família que faz questão de beijar a cruz em nossa casa. A fotografia acaba por ter todos os elementos da história pessoal: o mobiliário feito pelo senhor Silva, marceneiro de Adaúfe, já falecido, o quadro do cavalete das Minas de Jales, que eu pintei em 1980, o candeeiro que nos deu o avô da Tininha, já falecido também; a porta de nossa casa aberta; na mesa, as amêndoas, a cruz de latão que herdámos de meu sogro (oferta dos bancários seus colegas quando ele se casou). O envelope já tinha sido recolhido. No corredor de entrada espalhei alecrim e pétalas de flores. Santa Páscoa. 

quarta-feira, março 27, 2013

Estampilhas para sobrescritos inúteis.


A fotografia tirei-a em 2011, a caminho da romaria da Peneda, portanto a 6 de Setembro, da margem direita do Lima, a ver a natureza e toda a intervenção humana que nela fazemos.

O primeiro selo é então sobre esta politiquice corriqueira que anda agora a querer dizer que a hora da terra nos deve apagar ou que nós deveremos olhar para a terra sem nós. Como se não fôssemos ambos concebidos para nos entendermos. Estas causas agora do apagamento da luz, do regresso à natureza extreme, da desconsideração do humano acumulado, se visam uma tomada de consciência de abusos, prestam-se mais a uma violência brutal sobre quem depende já desta natureza humanizada e não da primitiva.

O segundo vai sobre essa mesma engenharia de buscar a luz na natureza e fazer dela uma questão de orçamento totalitário sobre consumidores.

O terceiro cola-se a esta mania lacrimosa de considerar a crise em que estamos como de fácil solução, sendo caso para a superar a mudança imediata de protagonistas ou a expropriação de dinheiros. Toda a gente errou perspectivas e previsões: uns porque já não acreditavam nos números avançados e alertavam para a sua insustentabilidade (poucos e lúcidos, mas não ouvidos), outros porque quaisquer números que se avançassem nunca seriam os números da sua crise ou da sua superação (toda a oposição), outros ainda porque acreditavam em milagres (o governo). A falta de acerto nos números é a evidência da crise e da sua dificuldade de resolução, é a evidência da falta de conhecimento para os problemas.

Salivarei no quarto selo para o pregar a esse sentimento de comiseração que entrou a encher as páginas dos jornais e as perlengas dos comentadores: essa pena de ouvir quem não quis ser ouvido, seja porque matou e foi preso, seja porque incendiou e foi julgado, seja porque violou e fugiu, seja porque adoeceu e retirou-se. Hoje faz-se notícia do contrário que a gerou e pessoa que seja noticiada por fazer o mal, será depois ouvida para se justificar e mais tarde para se arrepender e no fim, de novo, para dizer aos outros o caminho a seguir. Terá sido sempre assim, no fim é este o mecanismo da confissão e do arrependimento, ou seja, é este o calvário da culpa. Faz-me lembrar uma história simples: uma associação despediu um dia um colaborador, expulsou-o, em processo público e clarificado. Um dia, mais tarde, num plano de actividades qualquer, alguém propõe como tarefa de diagnóstico dos problemas que a associação atravessa, ouvir o expulso, saber como vive e de que vive. A gente continua a pensar que a mesma água passa debaixo da ponte as vezes que se quer. Somos sebastianistas, de facto!

O quinto selo é para os postais abertos e expostos à curiosidade: a ilusão da vigilância é a escapatória quando se está encurralado, mas quando toda a gente policia toda a gente é muito difícil fugir: alguns conseguem!


domingo, março 10, 2013

Todas as cicatrizes se notam


Por conselho de meu irmão António, dei-me à leitura deste livro e fiquei satisfeito: li-o depressa, por imposição da sua escrita e de seu conteúdo, reconheci-me nele por força de suas vivências narradas e das minhas aproximadas, achei-o limitado a seus propósitos, mas expansivo nas suas intertextualidades e paratextualidades, tomei como sadias suas conclusões de viagem.

Fui logo lembrar-me da fotografia que minha esposa tirara ao freixo de Freixo de Espada-à-Cinta, com suas cicatrizes expostas e seu imposto armamento narrativo: a árvore está ali na subida para o cemitério da vila, ou na descida dele, a mesma subida que nos leva à torre e dela nos traz, para que olhemos nele, o cemitério, as acumulações da morte e nela, a torre, os horizontes da vida, estando na árvore todas as marcas, quer as que vamos fazendo em nosso imaginário histórico, quer as que vamos fazendo no mundo, na natureza, umas por vontade própria, outras por aceitação de regras naturais, as do envelhecimento, as da morte prematura, as da fatalidade de raios e acidentes, as da intencionalidade de todos e quaisquer enfrentamentos.

O livro tem o estilo de um blogue: narra e comenta e reflecte. A autora viveu a experiência singular de uma equipa domiciliária de cuidados paliativos nos concelhos do nordeste transmontano, ou seja, andou de perto com a morte e com as histórias que esta vai tecendo. Viu morrer, ouviu, sentiu, leu, conversou, meteu as mãos na «coisa» e escreveu, não certamente tudo, mas um essencial de narrativas, de momentos, de silêncios e de conversas.

O mito grego de Filémon e Báucis, o casal de velhos que pediu aos deuses que os compensassem com a morte simultânea de seus corpos, está presente em todas as páginas, ainda que nunca seja referido, como subjacente ao fio narrativo está a história popular do filho que leva a manta e o pai ao cimo da montanha para que ele viva a sua finitude física. A escritora também desceu a montanha com metade da manta e deixa-a partilhada naquela página «quando regressares da viagem que ninguém saudável quer fazer, vais...».

Esta experiência limite do vivido é contada por camadas, uma técnica que vai construindo o livro, mas em dois momentos, o da narrativa dos trabalhos pessoais de contacto com pessoas, casas e paisagem, e o da narrativa de casos singulares de testemunho. É sintomática a ligação narrativa ao trabalho de dicionário, quer o acumulado cultural que a língua já possui e se transporta de geração para geração, quer o vivido profissionalmente, que cada um vai experimentando por si e concretizando em variantes de significação.

O livro pode ser lido como uma viagem por uma região, ou por um Portugal, ou por um nós, que está morrer de forma absolutamente impensada, ou seja, de forma que não era expectável que acontecesse quando a região cresceu, quando a população aumentou, quando as casas e aldeias se povoaram, quando o crescimento e a demografia se tornaram dimensões de euforia civilizacional. O livro também pode ser lido como a viagem da confrontação inelutável de cada um de nós com o seu próprio fim. Neste caso ou no outro, a morte ou é assunto arrumado, ou é princípio de mais vida e de mais entusiasmo pela que temos...



domingo, março 03, 2013

Vira alegre - a tradição















(Fotografia gentilmente cedida pela família; integra um documento elaborado na Escola Rosa Ramalho de homenagem ao professor Manuel António Soares Maia - 1950-2012)

TRADIÇÃO

Quantas vezes o sol nos beija o pão!
Quantas vezes a fé nos abre o mar!
Assim olhamos a flor no chão,
Assim ouvimos as aves pelo céu cantar!

Quanta alegria vai
Correndo pelos campos além:
São os dias para semear
Com as mãos de toda a gente de bem.


Quantas vezes o céu nos marca a voz!
Quantas vezes a dor nos dobra a luz!
Assim buscamos saber de nós,
Assim guardamos os sons que a tradição conduz!

Quanta saudade sai
Dos olhos que nos falam de amor:
São a água pura que nos cai
Dos lábios de toda a gente em redor!

José Machado
Braga/ 2013 - para ser cantado durante a execução do «Vira alegre de Palmeira» numa simbiose de popular com experiência de elaboração melódica. O motivo recolhido é instrumental, nunca lhe ouvi letra, mas sempre considerei que a merecia. Dedico este poema à memória do professor Maia, pessoa com quem trilhei alguns caminhos nestas vivências folclóricas de andar a retomar os sons da tradição.