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terça-feira, dezembro 10, 2013


Este Natal

Volto à fé de minha mãe,
De seus pais e de Abraão;
Volto à história de Belém,
Aos valores da tradição.
Para confirmar que o egoísmo
Não gerou a luz que me foi dada;
Sou filho do velho catecismo,
Em que minha mãe foi educada.
Volto às dores e às canseiras,
Arrelias e aflições,
Que a mãe viveu, inteiras,
E fez delas orações.
Para confirmar que o bem-estar
Não foi dado certo ou prometido,
E se algum sentiu foi o vagar
Que deu a nós, filhos, e ao marido.
Minha mãe está no céu,
Ainda a ouço dizer:
«Esta cruz que Deus me deu
Mais leve podia ser!»
Lembro minha mãe a preparar
Os Natais que em vida partilhou,
Sempre em tradição com esse lar
Em que o Deus Menino se criou.

José Machado / Braga / 2013
(Santo Natal, Boas Festas e Próspero Ano Novo,
são os meus votos e os de minha esposa

Albertina Fernandes)

domingo, dezembro 01, 2013

Anda no ar um cheiro a quê?

Dizem que a pobreza, dizem que a doença, dizem que a velhice, dizem que a violência, dizem que a rancor. Pois dizem e apelam até que se ponha fim a tal cheiro. Uns já prometeram fazê-lo repondo os níveis de cheiro anteriores aos ranços de agora. Que o façam. O chato da coisa é uns terem um nariz apurado e outros não sentirem nada, seja por distracção, seja por habituação.

Quem está no ensino dos mais novos foi sempre motivado a impulsioná-los para a superação das limitações, inlusivé a dos maus cheiros. Quem está na animação cultural sempre foi guiado pela ideia de superar os momentos de tristeza ou de desânimo com instantes de alegria e de riso. Quem anda na doutrinação religiosa gere-se por um optimismo de futuros e tudo aproveita para sofrimentos de salvação.

Segue-se daqui que o cheiro a queimado tem de fazer crescer árvores, espevitando a reflorestação. E as árvores purificarão o ar.

domingo, novembro 10, 2013

O despertar do luto

Na sexta-feira, dia 8 de Novembro, desloquei-me a Raiz do Monte, lugar da freguesia de Vreia de Jales, concelho de Vila Pouca de Aguiar, para celebrar a missa de trigésimo dia do falecimento de minha mãe. Em rigor a sua morte fez um mês no dia 1 de Novembro e nesse dia eu também estive junto da sua sepultura, com minha esposa e meu pai, a depositar um ramo de flores. 

Minha mãe faleceu no dia 1 de Outubro após um período muito prolongado de definhamento físico provocado por quedas e acidentes cardiovasculares; minha mãe foi ficando impossibilitada de andar, depois foi perdendo a faculdade de conversar e finalmente a capacidade de balbuciar qualquer som inteligível. Creio que nunca deixou de ouvir nem de ver. Não se lhe ouvia um queixume, mantinha-se desperta quando se falava para ela, via e olhava as pessoas, dirigia a cabeça e ficava suspensa em si, sem que soubéssemos interpretar as suas reacções. Melhor, eu e os que mais de perto a rodeavam, a senhora que tratava dela e meu pai, considerámos sempre que ela nos perscrutava no seu silêncio, ficava desperta junto de nós e gostava de ir passear de carro ou na sua cadeira de rodas. 


Durante os últimos quatro anos eu ia todas as sextas a casa de meus pais, uma casa que eles construíram num terreno da herança de minha mãe, chamado a Mó, logo depois de meu pai se aposentar das Minas de Jales onde trabalhou 45 anos ininterruptos. Fui assistindo, semana a semana, ao apagamento de minha mãe, e aconteceu-me chorar a sua perda progressiva das faculdades na hora do meu regresso a Braga, sempre por aquela autoestrada do Alvão que liga Braga a Vila Pouca. Às sextas era, pois, o dia do nosso encontro esperado, ela estava mais desperta e eu ia sempre motivado para lhe contar as novidades e lhe cantar alguns sons de minhas actividades culturais. De tarde íamos passear, ou melhor, íamos levar meu pai à Vila para ele se aviar em matérias de banco e de mercados, ou de barbeiro e de encontro de amigos e conhecidos, Eu ficava com minha mãe, ora no carro, ora a dar voltas na cadeira de rodas quando o tempo permitia. Parávamos com este e com aquela, trocávamos repetidos; depois íamos ao supermercado e passeava com ela por entre as prateleiras dos produtos, colocando-lhe no regaço as compras, quase uma de cada vez, que íamos levar ao carrinho. 

Havia no super uma funcionária da secção de queijos e fumeiro que a cumprimentava e para quem ela sorriu até quase à hora final, era a Mónica, uma jovem filha de um amigo meu de infância, neta de vizinhos e amigos de meus pais. Aquela jovialidade foi um alento, um pequeno regalo nas relações humanas que uma grande superfície nos proporciona. Creio que a variedade de cores dos produtos expostos e a frequência da circulação das pessoas divertiam a minha mãe; havia sempre quem parasse e saudasse e assim aqueles momentos das compras valeram a pena. 

No regresso de Vila Pouca parávamos na farmácia de Jales onde meu pai se ia abastecer de medicamentos para ele e para ela, momento sempre de algum peso verbal consoante a factura. Às sextas eu dava o comer a minha mãe, ela foi comendo sempre razoavelmente, tudo liquefeito ou em papa . No dia de seu funeral, na terça-feira seguinte à última sexta em que eu lá estivera, tomei consciência dessa realidade a que o povo chama as melhoras da morte, pois então me lembrei que nessa sexta ela se mantivera sempre muito desperta e seguidora de tudo quanto se fez e disse junto dela, embora não tivesse sido dia de encontrarmos a Mónica no supermercado, seu dia de descanso de 3 em 3 semanas. 

No funeral, entusiasmei-me com cânticos e palavras e orações, recitei-lhe uns versos que criara e cantei-lhe um pranto que compusera há algum tempo. Fizemos, eu e os meus oito irmãos e meu pai e nossos familiares e nossos amigos e conhecidos e todos os que compareceram um funeral bonito, alegre, na convicção da sua ascensão ao céu e de sua imortalidade em Deus.

segunda-feira, outubro 28, 2013

Nos 40 anos da Escola Francisco Sanches

A Escola Francisco Sanches fez 40 anos; está instalada na Rua D. Pedro V, nº 1, em Braga; o seu edificado pertenceu ao Colégio do Sagrado Coração de Maria. O Estado comprou parte das instalações e o 2º ciclo do ensino preparatório (5º e 6º anos de escolaridade) começou a ser leccionado no ano lectivo de 1972/73. Em 1987/88 foram construídos 5 pavilhões (3 de aulas, um administrativo e um de equipamento social) no espaço da cerca, nos campos da antiga quinta agrícola que integrava o Colégio. Em 2012/2013 os pavilhões entraram em processo de qualificação no contexto dos programas da Parque Escolar para darem origem a um edifício polivalente; será também construído um pavilhão desportivo de raiz. As obras estão em fase de conclusão e alguns espaços novos já estão em uso: cantina e sala do aluno. Prevê-se a conclusão no primeiro trimestre de 2014.


(Fotografia da Torre de Menagem de Braga; há ideias e instituições que se podem rever nesta imagem de uma torre que foi resistindo ao tempo, uma delas é a de escola, foi por isso que recorri a esta foto tirada por meu afilhado Luís Carlos há já uns anos, para um trabalho sobre o património da cidade)

Letra humilde para um hino novo aos 40 anos da escola

A escola é o espelho que me vê crescer
E dá às minhas asas um outro poder
Canto-a de bondade

A escola é a palavra que me faz vibrar
E põe na minha mão o dom de partilhar
Guardo-a em liberdade

A escola é este ofício que me agarra ao chão
E solta o pensamento pela tradição
Marco-a de coragem

A escola é a aventura que me desafia
E enche de canseiras o meu dia-a-dia
Levo-a de viagem

Cantaremos o hino que nos guia,
O coro que empolga e nos consola;
O fio condutor desta alegria
É hoje e será sempre a nossa escola.

José Machado / Braga/ 2013

terça-feira, outubro 01, 2013

Faleceu a nossa mãe!


Faleceu hoje, dia 1 de Outubro, a minha mãe, a nossa mãe, senhora Ana Maria Gomes da Costa, a senhora Aninhas, natural de Raiz do Monte e lá moradora, com a idade de 89 anos (!924-2013), após prolongada situação de enfermidade progressiva. 

Morreu a senhora Aninhas,
Os anjos a estão levando,
E na terra com saudade
Os olhos estão chorando.

Os olhos estão chorando,
Ela para o céu vai indo;
As vozes estão cantando
Que os anjos estão pedindo.

Que os anjos estão pedindo,
Que os anjos estão chamando,
Morreu a senhora Aninhas,
Ao pé de Deus está chegando.

Ao pé de Deus está chegando,
Vai a a ouvir a nossa voz,
Vai pedir à Mãe do Céu:
«Senhora, olhai por nós!»


Aqui a deixo rodeada de netos, num instante em que a inocência e o amor coroaram os seus anos.

Vem / ó mãe / água pura / raiz do bem / fonte da ternura / o céu tem o teu rosto / nas estrelas incrustado / e eu trago em mim exposto / teu amor sagrado / mas sou refém / da saudade / que arde / mãe


sexta-feira, setembro 20, 2013

O que faz a diferença? – Reflexão sobre as autárquicas 2013 – II

O que faz é a diferença é o particular de cada um.


(Fiz esta fotografia algures, pelas razões mais óbvias, tanto factuais como simbólicas)


No meu primeiro artigo reflecti  sobre a inconsistência generalizada de querer resolver as autárquicas sem considerar como factor positivo a acção governativa: rejeitá-la ou condená-la parece-me uma fuga para o aumento dos problemas; tomá-la em consideração, para a completar e superar, parece-me o caminho certo. Os autarcas candidatos que apostam em denegrir o governo, responsabilizando-o pelos problemas actuais, parecem-me estar a induzir em erro os eleitores, porquanto as autarquias e seus orçamentos contribuíram para muitos dos problemas que temos. Mas a luta política está aí e, com mais ou menos habilidade ou franqueza, os candidatos estão a amassar o pão que haveremos de comer. 

Onde estão os sinais de diferenciação entre as propostas dos candidatos, eles que tudo prometem e que, a maior parte deles, parecem não considerar a situação real em que estamos mergulhados? A meu ver, há três dimensões que estão em causa: a primeira, é a família política ou ideológica em que o candidato se insere e que, grosso modo, podemos dividir em direita e esquerda, em liberal e socialista; a segunda, é o perfil pessoal de cada candidato, o seu currículo pessoal e o de participação política; a terceira é o programa de promessas ou de projectos que cada um apresenta. É muito natural que a primeira dimensão seja relegada para último, é o que ouço e vejo fazer em todos os fóruns que contacto, aparecendo o perfil da pessoa como grande aposta para se definir o voto, olhando-se a seguir para o programa e projectos. 

Quem conhece as terras e os seus problemas concretos vai decidir-se pelo perfil individual de cada candidato ou vai decidir-se pelos seus planos futuros de trabalho e de realização? Eu aconselharia a que se olhasse em primeiro lugar para o campo ideológico ou família política em que cada candidato se insere e que se visse o seu perfil pessoal dentro dessa mesma esfera de valores ou princípios. Os candidatos que se inserem numa ideologia socialista, por mais competência que o seu perfil tenha e por melhores que sejam os seus projectos, terão sempre tendência em recorrer a mecanismos de ilusão dos problemas que vão enfrentar, desculpar-se-ão com a crise «capitalista» e com o «desgoverno» das imposições da troika e criarão um círculo vicioso de argumentações para as limitações que vão enfrentar. Os candidatos que se inserem numa ideologia liberal, quanto melhor for a sua competência pessoal e quanto mais realistas forem os seus projectos, melhor enfrentarão os desafios limitados que terão pela frente pois a sua tendência será sempre a descoberta das potencialidades do mercado e da iniciativa pessoal, apelarão melhor e mais depressa ao espírito empresarial e ao tecido solidário que está sedimentado em instituições particulares ou autónomas do estado. 

Em suma, a meu ver, é no factor liberdade que está o pormenor da melhor decisão política para o voto nas autárquicas 2013 e este factor, por paradoxal que possa parecer, está mais do lado de quem quer enfrentar a crise a partir dos compromissos com a troika, do que do lado dos que querem embarcar-nos em amanhãs que cantam.

Declaração de interesses: o autor do artigo integra a comissão de honra de «Juntos por Braga»

domingo, setembro 15, 2013

Autárquicas 2013

Os padeiros, a massa e o fermento – breve reflexão sobre as autárquicas 2013

(Esta fotografia é do cavalete das Minas de Jales, hoje desactivadas; constitui um símbolo do passado e do futuro daquela terra, onde nasci: alimenta as esperanças de se voltar a explorar o ouro)

As metáforas são úteis, embora por vezes de efeitos limitados. Por isso, nada de ilusões quanto a esta.
Os concorrentes às autárquicas 2013 são os padeiros. Eles e elas estão apostados em fabricar o melhor pão, de modo a conquistarem a fidelidade dos clientes não só ao pão de amostra, mas sobretudo ao pão que irão continuar a apresentar no futuro, caso sejam escolhidos pela freguesia. O pão é feito de massa, trigo, milho ou outro produto adequado, porventura até novo e a experimentar. A massa aqui representa o programa, a agenda política de realizações, promessas e sonhos. Cada padeiro amassa consoante as metodologias que considera eficientes. Mas a massa requer fermento para levedar e crescer e no fermento é que está o segredo, pelo menos o desta metáfora ou alegoria, porque já começa a estar aqui encadeada uma série de analogias sugestivas com outras realidades. O fermento é então o governo, sim, a matéria que faz fermentar a massa: é que nenhum programa pode andar alheio do governo que temos e das condições em que governa. Recusar este fermento é correr riscos de um pão imprevisível; assumir o fermento é aceitar que o pão terá um preço a pagar. Haverá padeiros que vão recorrer a outros fermentos, uns vindos de paraísos fiscais, outros de países alheios aos processos de fabrico que suponho estarem implícitos. Mas ninguém deixará, pela positiva ou pela negativa, de integrar na massa o fermento do governo. É incontornável. Onde está a graça, então? Para mim está nesta conclusão que antecipo: o fermento «governo» é o mais útil que podia existir neste momento para se mostrar a habilidade de fabricar pão. É desafiador, bem sei, mas não há forma de o evitar: dois anos depois, as ilusões alternativas não germinaram e as dores já calejaram alguma perspectiva do tempo de sofrimento. Estas promessas de bom pão, ou de pão novo, ou de pão alternativo, entraram em transe final: será racional pensarmos que vamos ter autarquias a aumentar as limitações da governação? Poderemos pensar que vamos ter autarquias a superar os constrangimentos de financiamento do país? O mais realista que consigo pensar é que tenhamos autarquias a tentar minorar efeitos de escala da governação central. Não serão as autarquias a revolucionar o país, mas delas hão-de esperar-se propostas de reforma que aliviem os problemas em que estamos mergulhados. Portanto, em termos práticos, eu acharei mais expeditos os padeiros que usarem o fermento do governo, por mais simpáticos que possam parecer aqueles que o recusam ou querem usar um fermento que não têm. A massa deverá ser trabalhada de modo a que possamos esperar um pão que nos abra o apetite, nesta fome em que andamos de ver o país tomar rumo. Numa situação presente em que comemos o pão que o diabo amassou, com o fermento que o país é, melhor haveremos de ficar. Mas, tenho de confessá-lo, todos os padeiros andam a milhas desta minha teoria metafórica.

Declaração de interesses: o autor declarou o seu apoio a «Juntos por Braga».

segunda-feira, setembro 02, 2013

Novo ano escolar - uma adivinha para motivar


Primeiro divertimento
Para o arranque escolar,
Qualquer ano vai a tempo
De o saber aproveitar.

Qual é a coisa, qual é ela,
Que em três modos se revela?
Está na mente, está na boca,
Para ser e se dizer,
E o mais não é coisa pouca,
Está na mão para se ver.

Qual é a coisa, qual é ela,
Que a si mesma se desvela?
Em sua própria classe
Cumpre bem sua missão,
E por mais que o tempo passe,
Não lhe esgota a criação.

Qual é a coisa, qual é ela,
Cuja natureza é bela?
Não tem defeito algum,
Serve o bem e serve o mal,
Acompanha qualquer um,
Ninguém sabe o seu final.

Toda a gente se consome
Para dar à coisa o nome
Que merece por direito:
É verbo de lavrador
E tem um deus, com efeito,
No princípio do labor.

José Machado
QE, grupo 200
Braga 2013-2014
AEFS

sexta-feira, agosto 02, 2013

Leituras, vistas e passadas

Os passos são por perto de casa, até ao mar, ali em Esposende, ou naquela corda interior de proximidade atlântica. Ir e vir. O ebook não substitui o papel nem a conversa, mas leva carga para muito tempo. O resto fica por conta desta máquina.  


Foi leitura da primeira semana, ainda a última de Julho, pois já andava com ele no ebook desde o ano passado. Gostei. A perspectiva do narrador recordou-me o livro de Pamuk das últimas férias de Verão, ali no areal de Esposende: alguém conta a história depois de morto  ou no estado em que chega ao outro lado. Em termos de escrita, gostei da leveza narrativa proposta ao leitor, processo com mais de cem anos nesta obra, coisa para não entender aos olhos de hoje mas para perceber como novidade de 1880. Toda a literatura que hoje soa politicamente incorrecta tomo-a como saudável. Registo um pormenor de leitura que tem interesse para a minha atitude de estudo da música tradicional e popular: ...«se guardares as cartas da juventude, acharás ocasião de "cantar uma saudade". Parece que os nossos marujos dão este nome às cantigas da terra entoadas no alto mar. Como expressão poética, é o que se pode exigir mais triste.» (Sublinhados meus)


Entretanto intervalei com o Brás Cubas de Machado de Assis estas Mentiras & Diamantes de J. Rentes de Carvalho, uma narrativa empolgante sobre encontros e desencontros de gente que gira no mundo e passa por aqui, por Portugal, e ganha afeição à terra e às pessoas. O caso de arranque passou-se após o 25 de Abril e tem a ver, cá voltamos nós ao «politicamente (in)correcto», com a violência exercida nas cadeias da então jovem democracia portuguesa sobre «um fascista» ou «porco capitalista». Avanço desde já a minha hipótese de explicação para o fim em aberto da narrativa: depois da viagem ao Norte, à profundidade de Trás-os-Montes e do Minho, a personagem principal deixou os cordelinhos a mexer... e, cá como lá, por esse mundo fora, nem todos os crimes têm explicação convincente, sejam os relacionados com droga, com diamantes, com sexo...


Qualquer lugar é fonte de linguagem ou chegada dela e qualquer coisa ou corpo ou terra ou palavra é lugar onde se pode estar. Até um gato pode ser o lugar ideal para reflectir poeticamente sobre o apagamento de género na nossa identidade: olha que daria que pensar se os «politicamente correctos» agora desatassem a fazer desaparecer as marcas de género nos animais... Até uma sala de aula do pré-escolar, para já não falar obviamente nas cidades, nos museus, nas estações de metro, nos autores, nos cemitérios, nos países onde se chega ou donde se regressa. São as ideias que emergem por causa dos lugares e são estes que têm o condão de as motivar. O estilo parentético do poeta abre a leitura às derivas interpretativas, logicamente às desculpas, às tácticas, às ironias, às provocações. «Você está aqui» para se pensar e para pensar o mundo, você e as suas circunstâncias, como diria Gasset, você e os seus lugares de poiso ideológico, como facilmente dirá o leitor. Ainda voltarei a este livro.

terça-feira, julho 16, 2013

Assistir à génese do poema!

(Fotografias tiradas por meu irmão António em Raiz do Monte, no dia 12 de Julho)


Este centeio foi segado e malhado no dia seguinte, numa iniciativa do Grupo Folclórico local de retoma de actividade agrícola tradicional. Assisti a uma das primeiras reconstituições, filmei-a e gravei algumas cantigas, uma das quais um romance. Publiquei uma reportagem na revista do festival de Folclore de Palmeira. Este ano o centeio estava doirado e já em parte tombado pelo vento. Terá dado mais do que as três dúzias de molhos? 

Meu irmão fixou este rosto de nossa mãe, a olhá-lo, num silêncio quase absoluto e numa lentidão demorada. 


Meu irmão António anda de máquina a tiracolo, habituado já ao peso e ao saco. Não sei onde me apanhou assim a olhar para  ele, mas fê-lo com alguma claridade de atenção, fico-lhe grato. Depois andámos por Vila Pouca a acompanhar meu pai e encontrámo-nos com um amigo de Jales, na abertura da rua principal da vila, numa esquina de sombra onde pára toda gente. Meu pai comprara um rolo de baraço com a finalidade de fazer guias ao tomateiro da horta, ideia que já vi concretizada em rede plástica, em pau de castanheiro, em folhas de fiteira, mas que não supusera ainda com fios de baraço ou corda fina de sisal. Estou para ver. Quando me enviou as fotografias, meu irmão deixou seguir anexo um texto curioso, um poema evidente, a partir da conversa com o amigo de Jales sobre a capadura (ou capação) dos tomates. Aqui o deixo também, sem lhe pedir licença, para leveza deste momento de escrita e de leitura (Caso refile, direi que passou com as fotos sem que o tivesse impedido, ou...capado).

O peso de carregar a semente
O peso de carregar um filho
O pai lá irá embaraçar os tomates com o baraço
Em Vila Pouca naquele fugaz encontro, no inicio da rua central, percebi que se
capar um tomateiro ele dará melhores tomates
Se capar um homem...ele não dará nada
A natureza é prodigiosa!


terça-feira, julho 09, 2013

27º aniversário da casa de Trás-os-Montes em Braga

 
Em meu nome e em nome da Direcção da Casa solicito a melhor divulgação do programa do 27º aniversário da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga, enquanto instituição de Utilidade Pública, o qual se celebra a 13 de Julho de 2013, mas que se inicia com uma actividade cultural no dia 12, sexta-feira, às 21:30 Horas e que consiste na apresentação do livro de Jorge Lage, sócio fundador da Casa em Braga, conforme convite anexo. Convido toda a gente a associar-se a esta actividade.

O programa de aniversário é o seguinte:

Sexta-feira dia 12, às 21:30 H - apresentação do livro de Jorge Lage, Memórias da Maria Castanha, com evocação de Miguel Torga, patrono da Casa, animação musical pelos Sinos da Sé e Porto de Honra no fim.

Sábado, dia 13 de Julho, às 10:30 Horas - Içar da bandeira Nacional e das bandeiras dos municípios transmontanos, entoação do Hino Nacional; às 11:00 Horas - Romagem ao cemitério de Monte d'Arcos, em Braga, para homenagem a todos os sócios e seus familiares já falecidos, com deposição de ramo de flores na campa de cada um e uma memória de todos os que não se encontram sepultados em Braga; às 18:30 Horas - Missa de Acção de Graças na Paróquia de Santo Adrião; às 20:00 Horas - Jantar de aniversário, por marcação: discurso e animação musical com o Grupo de Cavaquinhos da Casa.

quarta-feira, junho 26, 2013

Ai se não fossem as festas a limar arestas!


(Santo António de Mixões da Serra - foto de telemóvel/Tininha/2010)

Este ano não fui lá; dia 12 de Junho foi quarta e não me vi livre do que tinha; vou para o ano - modo fácil e suficiente de prometer. Soube pela imprensa que as festas se cumpriram plenamente.

Entretanto, vivi intensamente o S. João em Braga e de Braga:

  • na quinta-feira, dia 20, na Videoteca de Braga, o meu grupo ilustrou uma conferência de Rui Ferreira sobre o S. João; 
  • na sexta-feira, dia 21, participei numa mesa redonda sobre «a cultura em Braga» promovida pela candidatura de Ricardo Rio, no espaço Remy;
  • no sábado, dia 22, o meu grupo andou pela cidade a cantar o S. João: começámos no mercado municipal e depois fomos para a zona central, junto do Café d' A Brasileira;
  • no sábado, dia 22, o meu grupo foi actuar a Terras de Bouro, num evento ou arraial de solidariedade para a construção do Novo Lar de Idosos, promovido pelo padre Fernando e sua paróquia;
  • no domingo, dia 23, fui convidado de casamento do Ricardo Borralheiro com a Ana Luísa e lá compareci em Tibães para abrilhantar a cerimónia com um cântico de apelo à missão testemunhal de um cristão, depois fomos para o Solar da Levada, em Amares, fazer a boda; dali escapuli-me para o arraial de S. João onde andei a tocar com a Rusga de Guadalupe uma marcha composta por mim, música e letra, e assumida desde o ano passado pelos rusgueiros de Guadalupe, este ano muitos e bons, sempre a dançar deste antes do Arco da Porta Nova até à capelinha de S. João da Ponte, onde entrámos para celebrar e prometer nova rusga para o ano;
  • na segunda, dia 24, o meu grupo participou na Procissão dos Santos do Mês de Junho, solene procissão religiosa que coroa os festejos joaninos na cidade, com dois cânticos processionais, interpretados a espaços pelas ruas, juntando à sonoridade das bandas a sonoridade de romeiros festivos; este ano estriámos criação poética e musical nova, letra minha e música de António da Costa gomes, em honra de Joaquim Santos, falecido neste dia de junho há cinco anos.






sábado, junho 01, 2013

Foi assim que vi trepar as uvas e as casas!


Isto fica ali ao cimo da colina, 
quem vai para Gualtar, 
Sobe-se a calçada,
 a estrada ali termina,
há largo para estacionar.
Se for a pé, ouve as rãs a coaxar,
num buraco antigo para prédio,
garagem de futuro morador.
Até ver, o remédio
é deixar descansar o construtor
e ver o lavrador
entretido com a terra,
com a vinha de enforcado,
com a  horta. 
Há uns anos que espera
ver tudo abandonado
e fechar a porta.











quarta-feira, maio 15, 2013

Quando não sabemos, «botamos para lá»!


(Esta fotografia foi tirada num tanque na serra de Cabeceiras: a cobra ali estava e todos a quiseram excitar, ver mexer, ver fugir... ou matar...)

Como é que nós fazemos quando verificamos que alguns alunos não resolvem os seus problemas de aprendizagem? Como é que nós aceitamos que nos façam quando não resolvemos os problemas em que nos metemos? Como é que procedemos quando vemos alguém que não sabe resolver os seus problemas? Todas estas perguntas são uma só: como é que nós procedemos quando não sabemos proceder? 

Paramos? Fugimos? Aguardamos que o problema passe? Não. Fazemos precisamente o contrário: aumentamos a discussão, avançamos com mais soluções que já sabemos que não adiantam, criticamos mais quem vier com soluções, discutimos mais, criamos mais confusão. O que faz na sala de aula um aluno que não quer estudar? Perturba, intervém sem qualquer utilidade, irrita-se com a mais leve crítica, leva a mal quem o gozar ou quem despeitar as suas tropelias, ameaça até, insulta, torna-se insuportável até sossegar por exaustão. 

Quando não temos conhecimento não é imediato que decidamos ir estudar, não é imediato que declaremos não saber, não é imediato que decidamos pedir auxílio a quem saiba mais ou a quem nos ensine. Não, em situações de ignorância tendemos para o espectáculo da mesma, tendemos para a relevância de nossa mediocridade. Pode não ter sido sempre assim e poderá não o ser em muitos casos, mas cada vez vejo mais que assim é: a uma confusão, responde-se hoje com maior confusão, a uma solução medíocre, responde-se com outra mediocridade maior. Já o velho ditado diz: asneira puxa asneira, um burro esfrega outro. Pois assim vejo que estamos neste presente de crise: os problemas são grandes e ninguém tem solução para eles, logo, há que deitar confusão, espectáculo de variedades para cima deles. A comédia alivia a saturação, o cansaço gera egoísmo de palavra e a mediocridade aumenta o desejo de estar em palco. 

Ocorrem-me estas reflexões sobre este momento que vivemos: os críticos, e críticos são todos os que não governam nem tomam decisões sobre a governação, em lugar de declararem a sua incapacidade de solução, despejam sobre os problemas toneladas de criticismo fácil, imediatista, agressivo, aumentam o berreiro, mas daqui não sai nada. A velha solução do silêncio e da poupança de palavras deveria ocorrer a todos, mas não ocorre. A velha solução de recolher a penates e aumentar o estudo e o treino deveria apressar as passadas, mas não ocorre. 

Bem, alguma coisa tem de ser feita, mas também não sei qual seja. Eu não percebo de economia e portanto nunca saberei explicar porque é que estando tanto país em crise, o euro é uma moeda forte, nunca saberei dizer porque é que tendo nós tantos ex-governantes na posição de críticos televisivos, as soluções tardam ainda mais e o clima de aprendizagem não progride. 

Talvez deva então recorrer a meu patrono Francisco Sanches e talvez ele tenha alguma dose de solução na sua postura de dúvida contínua sobre as certezas do tempo. Duvido portanto que a solução das sociedades sem classes traga benefícios a este nosso presente, duvido então que a expropriação dos ricos traga vantagens a longo prazo, duvido então que o regresso aos mercados aumente as hipóteses de distribuição, duvido então que o capitalismo seja curativo, duvido de tudo e com nenhuma certeza fico, mas não vejo de imediato o que possa aproveitar em sabedoria. 

Calar-me também não posso enquanto tiver o compromisso de uma crónica na Rádio. Portanto, meus caros leitores, faço o que vejo fazer: aumento com as minhas confusões as confusões em que estamos metidos. Nos intervalos, vou lendo umas coisas divergentes, vou satisfazendo outras dúvidas mais humildes e vou aguardando que a paciência dê frutos. Afinal os alunos que resistem às aprendizagens também acabam por se cansar de não saberem nada. Do cansaço, da escuridão, do nada, criou Deus a luz. 

quarta-feira, maio 01, 2013

Dia da Mãe - um em todos!



Minha mãe criou no mundo
arco-íris de nove cores
nove anéis no céu de fundo
com mil sonhos e mil dores

Minha mãe cuidou as flores
nos beirais da sua horta
para ter sempre os amores
nos maios da sua porta



Minha mãe gerou palavras
em novenas de carinho
a mudá-las e cuidá-las
foi de nós o seu caminho

Minha mãe deu-se ao silêncio
de olhar e pressentir
nove tons do chão imenso
que ajudou a descobrir

(Fotografia de meu irmão António, tirada no Baptismo do Tomás, o neto mais novo)


quinta-feira, abril 25, 2013

25 de Abril: sirvam de apoio as flores!


Sirvam de apoio as flores e sejam elas cravos ou begónias,  flores de cuco ou rosas, o que pretendo é que todas me alimentam esta figuração de rebater essa teima em que persistem uns e outros para serem donos delas ou para cuidarem que umas são mais que as outras. 39 anos depois, os discursos dos proprietários de abril continuam exaustivamente inamovíveis e toda a liberdade que houve a consideram corroída e desmerecida. Poça, é demais, mas que se há-de fazer, ouvem-se as palavras e deixam-se ao tempo. 

Por mais que se verifique que é o indivíduo quem cria, quem compõe, quem inventa, quem persiste e resiste, quem se esfola e sacrifica, persiste a imposição irracional de uma força colectiva que não muda nem se transforma. Quando há tanto que fazer e que criar, persiste a toada anti tudo e mais alguma coisa, anti empresa, anti capital, anti livre iniciativa, anti reforma, anti mudança, anti desenrasque, anti liberdade, em suma, anti futuro.




domingo, março 31, 2013

Ressuscitou! Aleluia!

Aleluia! Cristo ressuscitou! - A essência da fé, o mistério de uma afirmação! 


Em nossa casa foi assim, pelas 10:15: a menina que transporta a cruz foi a primeira vez que fez o itinerário; sugeri-lhe que na próxima colocasse uma grinalda na cabeça, como a que rodeia a cruz. É uma comitiva de inocência e de memórias, ele por ser mais velho e estar ligado desde o início a este rito, eles por serem jovens e fazerem questão de participar; os dois mais jovens são netos de um amigo já falecido, o professor Gomes dos Santos; a fotografia foi tirada pela Maria de Jesus, vizinha, colega e amiga de família que faz questão de beijar a cruz em nossa casa. A fotografia acaba por ter todos os elementos da história pessoal: o mobiliário feito pelo senhor Silva, marceneiro de Adaúfe, já falecido, o quadro do cavalete das Minas de Jales, que eu pintei em 1980, o candeeiro que nos deu o avô da Tininha, já falecido também; a porta de nossa casa aberta; na mesa, as amêndoas, a cruz de latão que herdámos de meu sogro (oferta dos bancários seus colegas quando ele se casou). O envelope já tinha sido recolhido. No corredor de entrada espalhei alecrim e pétalas de flores. Santa Páscoa. 

quarta-feira, março 27, 2013

Estampilhas para sobrescritos inúteis.


A fotografia tirei-a em 2011, a caminho da romaria da Peneda, portanto a 6 de Setembro, da margem direita do Lima, a ver a natureza e toda a intervenção humana que nela fazemos.

O primeiro selo é então sobre esta politiquice corriqueira que anda agora a querer dizer que a hora da terra nos deve apagar ou que nós deveremos olhar para a terra sem nós. Como se não fôssemos ambos concebidos para nos entendermos. Estas causas agora do apagamento da luz, do regresso à natureza extreme, da desconsideração do humano acumulado, se visam uma tomada de consciência de abusos, prestam-se mais a uma violência brutal sobre quem depende já desta natureza humanizada e não da primitiva.

O segundo vai sobre essa mesma engenharia de buscar a luz na natureza e fazer dela uma questão de orçamento totalitário sobre consumidores.

O terceiro cola-se a esta mania lacrimosa de considerar a crise em que estamos como de fácil solução, sendo caso para a superar a mudança imediata de protagonistas ou a expropriação de dinheiros. Toda a gente errou perspectivas e previsões: uns porque já não acreditavam nos números avançados e alertavam para a sua insustentabilidade (poucos e lúcidos, mas não ouvidos), outros porque quaisquer números que se avançassem nunca seriam os números da sua crise ou da sua superação (toda a oposição), outros ainda porque acreditavam em milagres (o governo). A falta de acerto nos números é a evidência da crise e da sua dificuldade de resolução, é a evidência da falta de conhecimento para os problemas.

Salivarei no quarto selo para o pregar a esse sentimento de comiseração que entrou a encher as páginas dos jornais e as perlengas dos comentadores: essa pena de ouvir quem não quis ser ouvido, seja porque matou e foi preso, seja porque incendiou e foi julgado, seja porque violou e fugiu, seja porque adoeceu e retirou-se. Hoje faz-se notícia do contrário que a gerou e pessoa que seja noticiada por fazer o mal, será depois ouvida para se justificar e mais tarde para se arrepender e no fim, de novo, para dizer aos outros o caminho a seguir. Terá sido sempre assim, no fim é este o mecanismo da confissão e do arrependimento, ou seja, é este o calvário da culpa. Faz-me lembrar uma história simples: uma associação despediu um dia um colaborador, expulsou-o, em processo público e clarificado. Um dia, mais tarde, num plano de actividades qualquer, alguém propõe como tarefa de diagnóstico dos problemas que a associação atravessa, ouvir o expulso, saber como vive e de que vive. A gente continua a pensar que a mesma água passa debaixo da ponte as vezes que se quer. Somos sebastianistas, de facto!

O quinto selo é para os postais abertos e expostos à curiosidade: a ilusão da vigilância é a escapatória quando se está encurralado, mas quando toda a gente policia toda a gente é muito difícil fugir: alguns conseguem!


domingo, março 10, 2013

Todas as cicatrizes se notam


Por conselho de meu irmão António, dei-me à leitura deste livro e fiquei satisfeito: li-o depressa, por imposição da sua escrita e de seu conteúdo, reconheci-me nele por força de suas vivências narradas e das minhas aproximadas, achei-o limitado a seus propósitos, mas expansivo nas suas intertextualidades e paratextualidades, tomei como sadias suas conclusões de viagem.

Fui logo lembrar-me da fotografia que minha esposa tirara ao freixo de Freixo de Espada-à-Cinta, com suas cicatrizes expostas e seu imposto armamento narrativo: a árvore está ali na subida para o cemitério da vila, ou na descida dele, a mesma subida que nos leva à torre e dela nos traz, para que olhemos nele, o cemitério, as acumulações da morte e nela, a torre, os horizontes da vida, estando na árvore todas as marcas, quer as que vamos fazendo em nosso imaginário histórico, quer as que vamos fazendo no mundo, na natureza, umas por vontade própria, outras por aceitação de regras naturais, as do envelhecimento, as da morte prematura, as da fatalidade de raios e acidentes, as da intencionalidade de todos e quaisquer enfrentamentos.

O livro tem o estilo de um blogue: narra e comenta e reflecte. A autora viveu a experiência singular de uma equipa domiciliária de cuidados paliativos nos concelhos do nordeste transmontano, ou seja, andou de perto com a morte e com as histórias que esta vai tecendo. Viu morrer, ouviu, sentiu, leu, conversou, meteu as mãos na «coisa» e escreveu, não certamente tudo, mas um essencial de narrativas, de momentos, de silêncios e de conversas.

O mito grego de Filémon e Báucis, o casal de velhos que pediu aos deuses que os compensassem com a morte simultânea de seus corpos, está presente em todas as páginas, ainda que nunca seja referido, como subjacente ao fio narrativo está a história popular do filho que leva a manta e o pai ao cimo da montanha para que ele viva a sua finitude física. A escritora também desceu a montanha com metade da manta e deixa-a partilhada naquela página «quando regressares da viagem que ninguém saudável quer fazer, vais...».

Esta experiência limite do vivido é contada por camadas, uma técnica que vai construindo o livro, mas em dois momentos, o da narrativa dos trabalhos pessoais de contacto com pessoas, casas e paisagem, e o da narrativa de casos singulares de testemunho. É sintomática a ligação narrativa ao trabalho de dicionário, quer o acumulado cultural que a língua já possui e se transporta de geração para geração, quer o vivido profissionalmente, que cada um vai experimentando por si e concretizando em variantes de significação.

O livro pode ser lido como uma viagem por uma região, ou por um Portugal, ou por um nós, que está morrer de forma absolutamente impensada, ou seja, de forma que não era expectável que acontecesse quando a região cresceu, quando a população aumentou, quando as casas e aldeias se povoaram, quando o crescimento e a demografia se tornaram dimensões de euforia civilizacional. O livro também pode ser lido como a viagem da confrontação inelutável de cada um de nós com o seu próprio fim. Neste caso ou no outro, a morte ou é assunto arrumado, ou é princípio de mais vida e de mais entusiasmo pela que temos...



domingo, março 03, 2013

Vira alegre - a tradição















(Fotografia gentilmente cedida pela família; integra um documento elaborado na Escola Rosa Ramalho de homenagem ao professor Manuel António Soares Maia - 1950-2012)

TRADIÇÃO

Quantas vezes o sol nos beija o pão!
Quantas vezes a fé nos abre o mar!
Assim olhamos a flor no chão,
Assim ouvimos as aves pelo céu cantar!

Quanta alegria vai
Correndo pelos campos além:
São os dias para semear
Com as mãos de toda a gente de bem.


Quantas vezes o céu nos marca a voz!
Quantas vezes a dor nos dobra a luz!
Assim buscamos saber de nós,
Assim guardamos os sons que a tradição conduz!

Quanta saudade sai
Dos olhos que nos falam de amor:
São a água pura que nos cai
Dos lábios de toda a gente em redor!

José Machado
Braga/ 2013 - para ser cantado durante a execução do «Vira alegre de Palmeira» numa simbiose de popular com experiência de elaboração melódica. O motivo recolhido é instrumental, nunca lhe ouvi letra, mas sempre considerei que a merecia. Dedico este poema à memória do professor Maia, pessoa com quem trilhei alguns caminhos nestas vivências folclóricas de andar a retomar os sons da tradição.