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segunda-feira, novembro 05, 2012

Magusto de S. Martinho!

 
 
(As fotografias foram-me enviadas por RM e são do magusto de 2009 em Vilar de Perdizes / Montalegre)
 
Estamos no S. Martinho, festa cíclica que integra componentes religiosas e profanas de muita intensidade, as primeiras em torno da vida do santo e da sua exemplar solidariedade, as segundas em volta das castanhas, essa dádiva dos deuses, como assim intitulou Jorge Lage várias edições da sua obra sobre este recurso alimentar e florestal. Um dos meus primeiros textos para a gaveta foi precisamente sobre o corte e arranque desta árvore, tão marcado que fiquei por algumas vivências desses dois atos na minha infância; marcação essa que não foi outra senão espanto pela grandeza dos cortes no tronco e pela fundura e largueza da escavação no aproveitamento das raízes, que sempre as vi serem consumidas na fogueira do natal.

 
Os castanheiros de Jales haviam de ficar bem nas fotografias de antiguidades ou de fenómenos da natureza, sobretudo pela configuração dos troncos, alguns em forma de arco outros em estilo de caverna ou gruta. Ainda há dias fui visitar o tronco de um castanheiro onde brinquei na minha infância aos castelos de reis, aos fortes de cobóis, às casinhas de bonecas, ao esconde-esconde, ao vazadouro de necessidades, ao abrigo de ventania e mau tempo. Hoje essa caverna está cheia de lenha seca, com duas portas a fechar o encastelamento. As castanhas de minha terra são as melhores do mundo, assim o digo eu e atesto quando provo todas as outras, assim o começo a ouvir dizer cada vez mais. Dizem-me alguns que são fazedoras de gazes, coisa que o riso comenta sempre como obra de criação simbólica do mundo, naquela diatribe que remete a coprolalia para os domínios da escatologia. Já os ouriços as deixam cair quando se abrem em risadas, já as castanhas arreganham quando cozidas ou assadas, já o corpo as festeja também de muito modo e em magusto de ar livre o estouro é coisa que fica no imaginário e espólio verbal de muita gente. Não faltam coisas ou pessoas ou assuntos que estoiram como castanhas ao lume.
 
 
O escritor transmontano e duriense AntónioCabral (nascido em Castedo do Douro, Alijó, em 1931 e falecido em vila Real em 2007) perspectivou a lenda de S. Martinho no próprio castanheiro, sendo a capa a dádiva das castanhas e ficando o contrato da solidariedade sujeito a padres-nossos. O nosso cancioneiro é diverso no aproveitamento simbólico de ouriços, folhas e castanhas, souto e chão, casca e tronco, ramos e flores, associando a árvore à vida. Quatro castanhas assadas e duas pingas de água-pé remetem os olhos para muita ansiedade e as castanhas são carta de muita comedoria, até os ouriços sugerem voltas e revoltas da vida quando o vento os toca pelos soutos, e a renda bicada das folhas deixa a sugestão de escolhas amorosas por beleza e jeito de ser. Andar às castanhas é trabalho duro de costas e de mãos, até de olhos e de pés, primeiro nos soutos depois na loja para escolha e ensacamento.
 
De minha infância recordo com saudade a vantagem e minha mãe cozer castanhas e batatas em conjunto, estas com a tona ou casca, mas partidas a meio, que depois ficavam metade avermelhadas e metade brancas, uma vez retirada a pele; as castanhas cozidas sabiam bem no dia seguinte, aquecidas no fogão de lenha, em cima ou no forno, logo de manhãzinha, ao pequeno-almoço; as assadas sabiam bem como bilhós, descascadas e levadas nos bolsos para comer na escola ou pelo caminho de canseiras e trabalhos, sempre mais uma, até acabarem. Encher a barriga de castanhas era pecado de gula, pois era, mas de bom perdão. E aquelas cruas que se comiam rilhadas muito depois de passar o tempo delas, por terem ficado escondidas entre as folhas ou debaixo de ervas. O tempo as deixou intactas na memória e no gosto.
 
Bom S. Martinho a todos os leitores, que não faltarão magustos na cidade. O da casa de Trás-os-Montes é sábado, dia 10, às 17:00 horas e junta as castanhas ao livro de Bento da Cruz sobre as andanças de Camilo CasteloBranco por terras de Barroso e outros lugares.

1 comentário:

Anónimo disse...

Nos tempos que correm, de crise...austeridade...,S.Martinho e a sua generosidade seria bem-vindo.
O Santo corta a sua capa para proteger o mendigo do frio.
A nossa sorte é outra...o governo corta os nossos salários para pagar as dívidas dele!
S.Martinho faz cá muita falta!
Alegre nos as saborosas castanhas em dia de magusto.