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domingo, novembro 18, 2012

No S. Martinho de Tibães

 
Registo como novidade etnográfica, para mim, este facto de a fogueira do magusto, em S. Martinho de Tibães, se fazer com as cascas de feijão, quantidade desejada que só se obtém com farta colheita e descasque, portanto a indiciar um costume que implica guardar as sobras para este fim, embora as datas da colheita do feijão e sua secagem e as da fogueira de S. Martinho não estejam muito afastadas. Em conversa, algumas pessoas moradoras na freguesia confirmaram-me o costume de sempre, dado que as cascas ardem com a lentidão desejada para assar as castanhas e estas ficam ali na borralheira com o calor suficiente para estalarem e abrirem. Provei e gostei. Na minha terra, o magusto faz-se com pruma de pinheiro, ali dita agulheta.
 
 
Cantámos cantigas relativas a castanhas, percorrendo a região minhota e entrando até nas faldas do Marão e do Alvão, pelo lado de Mondim e pelo de Vila Pouca. Uma das cantigas foi criada pelo escritor António Cabral (Castedo do Douro 1931- Vila Real 2007) e publicada no livro de Jorge Lage Castanea, uma dádiva dos deuses. A lírica remete-nos para a absorção literária da lenda de S. Martinho, reinterpretando-a na personificação do castanheiro como o santo distribuidor de uma capa alimentar, as castanhas.

 
A Associação dos Amigos do Museu de S. Martinho de Tibães, através da Dra Aida Marta, foi quem nos convidou e bem. O Convento e o Museu são sempre um lugar de visita obrigatória e muito se aproveita ir lá e visitar o edificado e as exposições em vista. Eu fora lá a última vez ver uma instalação dos encontros da Imagem e não ficara sensível nem à mesma nem à sua revelação nas salas e corredores do Museu, tudo me parecera descuidado em organização, escolha de temas e disposição de percurso visual, mas relativizei atendendo à própria natureza da fotografia, já que a sua contínua presença em tudo quanto seja lugar privado e público não atende a preocupações de conveniência de lugar: em tudo está e em tudo se dá a ver. Desta vez vislumbrei que o Factor de Deus, actual instalação, me faz lá voltar em breve para tirar dúvidas quanto ao diálogo que várias artes desejam manter com o público a partir de lugares como este.


segunda-feira, novembro 05, 2012

Magusto de S. Martinho!

 
 
(As fotografias foram-me enviadas por RM e são do magusto de 2009 em Vilar de Perdizes / Montalegre)
 
Estamos no S. Martinho, festa cíclica que integra componentes religiosas e profanas de muita intensidade, as primeiras em torno da vida do santo e da sua exemplar solidariedade, as segundas em volta das castanhas, essa dádiva dos deuses, como assim intitulou Jorge Lage várias edições da sua obra sobre este recurso alimentar e florestal. Um dos meus primeiros textos para a gaveta foi precisamente sobre o corte e arranque desta árvore, tão marcado que fiquei por algumas vivências desses dois atos na minha infância; marcação essa que não foi outra senão espanto pela grandeza dos cortes no tronco e pela fundura e largueza da escavação no aproveitamento das raízes, que sempre as vi serem consumidas na fogueira do natal.

 
Os castanheiros de Jales haviam de ficar bem nas fotografias de antiguidades ou de fenómenos da natureza, sobretudo pela configuração dos troncos, alguns em forma de arco outros em estilo de caverna ou gruta. Ainda há dias fui visitar o tronco de um castanheiro onde brinquei na minha infância aos castelos de reis, aos fortes de cobóis, às casinhas de bonecas, ao esconde-esconde, ao vazadouro de necessidades, ao abrigo de ventania e mau tempo. Hoje essa caverna está cheia de lenha seca, com duas portas a fechar o encastelamento. As castanhas de minha terra são as melhores do mundo, assim o digo eu e atesto quando provo todas as outras, assim o começo a ouvir dizer cada vez mais. Dizem-me alguns que são fazedoras de gazes, coisa que o riso comenta sempre como obra de criação simbólica do mundo, naquela diatribe que remete a coprolalia para os domínios da escatologia. Já os ouriços as deixam cair quando se abrem em risadas, já as castanhas arreganham quando cozidas ou assadas, já o corpo as festeja também de muito modo e em magusto de ar livre o estouro é coisa que fica no imaginário e espólio verbal de muita gente. Não faltam coisas ou pessoas ou assuntos que estoiram como castanhas ao lume.
 
 
O escritor transmontano e duriense AntónioCabral (nascido em Castedo do Douro, Alijó, em 1931 e falecido em vila Real em 2007) perspectivou a lenda de S. Martinho no próprio castanheiro, sendo a capa a dádiva das castanhas e ficando o contrato da solidariedade sujeito a padres-nossos. O nosso cancioneiro é diverso no aproveitamento simbólico de ouriços, folhas e castanhas, souto e chão, casca e tronco, ramos e flores, associando a árvore à vida. Quatro castanhas assadas e duas pingas de água-pé remetem os olhos para muita ansiedade e as castanhas são carta de muita comedoria, até os ouriços sugerem voltas e revoltas da vida quando o vento os toca pelos soutos, e a renda bicada das folhas deixa a sugestão de escolhas amorosas por beleza e jeito de ser. Andar às castanhas é trabalho duro de costas e de mãos, até de olhos e de pés, primeiro nos soutos depois na loja para escolha e ensacamento.
 
De minha infância recordo com saudade a vantagem e minha mãe cozer castanhas e batatas em conjunto, estas com a tona ou casca, mas partidas a meio, que depois ficavam metade avermelhadas e metade brancas, uma vez retirada a pele; as castanhas cozidas sabiam bem no dia seguinte, aquecidas no fogão de lenha, em cima ou no forno, logo de manhãzinha, ao pequeno-almoço; as assadas sabiam bem como bilhós, descascadas e levadas nos bolsos para comer na escola ou pelo caminho de canseiras e trabalhos, sempre mais uma, até acabarem. Encher a barriga de castanhas era pecado de gula, pois era, mas de bom perdão. E aquelas cruas que se comiam rilhadas muito depois de passar o tempo delas, por terem ficado escondidas entre as folhas ou debaixo de ervas. O tempo as deixou intactas na memória e no gosto.
 
Bom S. Martinho a todos os leitores, que não faltarão magustos na cidade. O da casa de Trás-os-Montes é sábado, dia 10, às 17:00 horas e junta as castanhas ao livro de Bento da Cruz sobre as andanças de Camilo CasteloBranco por terras de Barroso e outros lugares.