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sexta-feira, julho 27, 2012

Saudoso amigo Borralheiro

Assim te lembramos como o rio e as suas margens, uma corrente de saudades e uma fixidez de memórias: o tempo passsa e conservamos de ti as imagens, as conversas, os contactos, os livros, os planos, as músicas, as danças, as anedotas, as peripécias, os comes e bebes, a política, o desporto, as casas e as terras, as estradas e os caminhos e as pessoas, sim as pessoas, agora mais umas que tu esperavas que um dia fizessem parte de ti. Estás sempre presente e passas por nós, por entre nós e sem nós, que outros te reconhecem e te lembram e te sentem a ausência. Tudo mudou um pouco depois de partires, para pior do que alguma vez terás pensado ou teremos conversado, ainda que continuemos agarrados à teimosia e à esperança, coisas que em ti se cultivavam juntas. Ah, homem, que fazes falta e assim te vemos.

Hoje eu e a Tininha andámos contigo em viagem, primeiro pelo Porto e depois por Raiz do Monte, nas mesmas passadas em que nos conheceste desde o princípio: a saúde e a família, dois limites de tudo quanto somos. Vieram-me as lágrimas e parei. Bem saberás por onde ia...

quarta-feira, julho 18, 2012

Expostos


Dar a camisa pelo amigo ou dar a camisa ao pobre ou dar a camisa às causas - a camisa tem um percurso político muito marcado - qualquer predicado se pode tomar como figura do corpo que se consome na vida, por ela própria e pelas suas consequências. As camisas, hoje reinventadas pela T-shirt, são a nossa pele, nela inscrevemos o mundo e elas nos situam nele. Em tempos foram usadas como página de texto ou de figurado, marcadas a linha bordada com sentido de pertença e de função, hoje verbalizamo-las com toda a espécie de mensagens, continuam a ser denúncia e a denunciar-nos, umas vezes como festa, outras como paródia, muitas como desconcerto, algumas como causa. Elas e a marca delas já dizem muito de si, mas nós teimamos sempre em que digam um pouco mais de nós.

A primeira encontrei-a numa casa de lavoura, porventura de proprietários abastados, já marcada para queima ou lixeira de monturo, juntamente com aqueles suspensórios. Expusemo-la, eu e meu grupo «Os Sinos da Sé» numa mostra de vestuário tradicional no ano passado na Casa dos Crivos, em Braga. Ficou assim suspensa, fantasmagórica de si e de seu consumidor primeiro, ou de posteriores, se os houve. Todo o encantamento a fez ressuscitar, tão cheia estava ainda de pormenores de produção e tão cheia ficou, certamente, de comentários sintomáticos.


As segundas vi-as dependuradas em Guimarães, este ano, numa praça de plátanos, ocupando a abertura de céu que as copas frondosas consentiram, numa combinação de cores atractiva e curiosa. São camisas felizes, estas que estão em cordas, penduradas pelas mangas e pelo colarinho, encaixando-se como telhas, parecendo um pára-quedas. O proprietário destas é a cidade capital europeia da cultura e determinou-lhes o uso e a função de levitarem, com tudo o que se pense ou diga ou sinta. Estas instalações são graciosas e cumprem o destino. 



segunda-feira, julho 02, 2012

Reconstituir para se precisar...

A fotografia documenta uma malhada em Paredes do Rio, Montalegre; mas também podia ser em Raiz do Monte, terra de minha mãe, onde esta prática se reproduz como «tradição de trabalho comunitário» para ilustração da dinâmica local da Associação de Danças e Cantares e onde, no próximo dia 14 de Julho, terá lugar o evento, com segada, malhada, rusga de regresso a casa do lavrador, entrega do ramo e merenda ou jantar ou ceia, conforme os sentidos de quem fala sobre os costumes.
Todos os prazeres de situar estes acontecimentos anteriores ao aparecimento das máquinas se somam agora às fotografias com as autoridades locais e às curiosidades de experimentação de turistas ou curiosos. As memórias do sacrifício e da necessidade também emergem, os trabalhos e as técnicas dos expeditos conservam-se com vitalidade e o evento ganha então a dimensão da reconstituição fiel, até na festa que se lhe segue e sobretudo na comezaina que o satisfaz, hoje sempre acrescentada de iguarias.
O evento já é uma interpretação de si próprio: isto faz-se para mostrar que noutros tempos...
Não custa muito, nestas ocasiões, fazer paralelismos com a situação actual de trabalhos e necessidades, toda a gente o faz, sobretudo para o fixar nesses limites de memória e de não retorno.
Todavia, o acontecimento contém todos os sinais de «aviso para se a gente um dia precisar de...», ou «isto podia continuar a fazer-se caso as autoridades não precisassem dele para se promoverem...».